Page 65 - ARTE!Brasileiros #55
P. 65

Detalhe de Where We Come From 2001-2003 (Rizek). Foto da obra: John Sherman





            pelas autoridades israelenses, que controlam todas as   nos mercados globais e nas fronteiras nacionais, ao
            fronteiras em desafio às resoluções da onu”. Ao tecer  passo que as pessoas são restritas física e geografi-
            sua resposta, a artista admite a falha em conseguir o   camente. Pessoas, não coisas, têm a entrada negada
            que havia prometido em troca: “Depois de passar duas   em certos territórios ou nações, arregimentados de
            tardes em Jaffa, não consegui encontrar a casa. Os   maneiras que são politicamente instrumentais para
            nomes das ruas, agora, são em hebraico. Perguntei   manter corpos políticos, agrupamentos econômicos
            às pessoas e conversei com quatro dos moradores   e identidades étnicas”, completa Demos.
            mais velhos de Jaffa, mas eles não lembravam onde   Where We Come From foi realizado de 2001 a 2003.
            ficava a casa. Recordavam-se muito bem do nome   Moacir lembra que, no ano seguinte, Jacir emitiu uma
            da família e sabiam que era de Jaffa”. Nessa peça, a   nota esclarecendo que não conseguiria mais realizar
            parte destinada ao registro fotográfico está em branco.  o projeto, “não tenho mais permissão para entrar em
      FOTO EMILY JACIR, CORTESIA DA GALERIA ALEXANDER AND BONIN, NEW YORK
               “No entanto, é apenas essa tradução, escrita em   Gaza e em certas cidades palestinas na Cisjordânia”,
            linguagem clara e depois realizada fotograficamente,  conta ela. “Palestinos com passaportes estrangei-
            que para muitos é intransponível. Ir da descrição escrita   ros estão cada vez mais sendo impedidos de entrar
            à atualização fotográfica pode ser fácil para alguns,  no país em todas as travessias de fronteira e sendo
            como Jacir, que tem passaportes americanos. Mas   forçados a emigrar. Israel decidiu que a ‘liberdade
            para outros desafortunados envolvidos na política do   de movimento’ não é mais um direito dos titulares
            conflito israelense-palestino que vem ocorrendo desde   de passaportes americanos e criou medidas para
            1948, o terreno entre texto e fotografia, descrição e   garantir isso”, escreve a artista na nota.
            realização, representa um abismo intransponível, uma   Mesmo que transitem entre meios e campos dife-
            impossibilidade na qual um complexo de desejo é   rentes - da instalação ao fotojornalismo - os quatro
            construído”, escreve o historiador e crítico cultural T.  trabalhos referidos neste artigo compartilham o fato
            J. Demos em um ensaio sobre a obra. “Essas peças   de serem documentos de sofrimento, e como escrito
            encenam uma desigualdade perversa entre as coisas   por Susie Linfield, “documentos de sofrimento são
            e as pessoas. Essa desigualdade é a capacidade das   documentos de protesto: eles nos mostram o que
            mercadorias de se moverem com relativa liberdade   acontece quando nós desfazemos o mundo”.

                                                                                                         65
   60   61   62   63   64   65   66   67   68   69   70