Page 64 - ARTE!Brasileiros #55
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REPORTAGEM IMAGENS DE CONFLITO
visualização, e nos quais são exibidas 160 folhas de e seus aliados insistem que os refugiados palestinos
selos com os retratos dos militares britânicos que abandonem a esperança de retornar à sua terra natal”.
morreram em serviço no Iraque. Cada folha contém Para Edward Said, cujo texto Orientalismo é conside-
detalhes como nome, regimento, idade e data da morte rado um dos fundadores do pensamento pós-colonialista,
impressos em sua margem. No gabinete, as folhas “é como se a experiência coletiva judaica reconstruída,
estão colocadas em ordem cronológica, das sete representada por Israel e o sionismo moderno, não
baixas em 21 de março de 2003, até o sargento “Baz” pudesse tolerar que outra história de expropriação e perda
Barwood, da raf, morto em 29 de fevereiro de 2008. existisse ao lado dela - uma intolerância constantemente
Para Jo O’Connor, da BBC, Steve McQueen afirmou reforçada pela hostilidade israelense ao nacionalismo
que tinha esperanças que a exposição permitisse às dos palestinos, que têm reconstruído dolorosamente
pessoas a reflexão sobre as vítimas da guerra. “Mais uma identidade nacional no exílio”.
de 650.000 homens, mulheres e crianças iraquianos Nesse contexto, aproveitando sua capacidade de
também morreram neste conflito e espero que, ao se mover com relativa liberdade em Israel com um
permitir que as pessoas se identifiquem com os sol- passaporte americano, Emily Jacir propôs a seguinte
dados britânicos que morreram, também pensem nas questão a outros palestinos: “Se eu pudesse fazer
pessoas no Iraque”, disse o cineasta. qualquer coisa por você, em qualquer lugar da Palestina,
De acordo com o artista, Queen and Country nunca o que seria?”. Em uma troca não material, eles forne-
poderá ser completa até que o Royal Mail permita o cem seus desejos, saudades e sonhos, e ela promete
uso geral dos selos. O serviço de correio inglês negou realizá-los. “Ela faz do corpo dela uma extensão do
a proposta de McQueen justificando que as famílias corpo dessas pessoas para realizar os seus desejos”,
dos mortos e o público achariam os selos “angus- como coloca Moacir dos Anjos.
tiantes e desrespeitosos”, apesar do sólido apoio Na apresentação de Where We Come From (De
demonstrado pelas famílias, pelas forças armadas e, Onde Nós Viemos, em tradução livre), contra painéis
também, pelo público, que juntou 26.673 assinaturas brancos, letras pretas descrevem os pedidos feitos a
em uma petição para apoiar o projeto, quando Queen Jacir (transcritos em inglês e árabe) e imediatamente
and Country terminou sua exibição pelo país em 2010. ao seu lado, a artista insere fotos coloridas como atua-
lização documental de sua missão. Em alguns casos,
se eu puDesse Fazer alguma Coisa por voCê como o de Rizek, ela acrescenta notas próprias abaixo
Para o curador de arte Moacir dos Anjos, em Introdução do pedido. “Vá até Bayt Lahia e traga uma foto da minha
à Estética: Uma conversa entre arte, filosofia e psica- família, especialmente dos filhos do meu irmão. Faz
nálise, os trabalhos de Steve McQueen e Emily Jacir três anos que estudo na Universidade de Birzeit e não
sofrem uma polinização cruzada quando se referem consigo permissão para ir a Gaza ver minha família.
ao luto e às consequências brutais dos conflitos; em Não tenho permissão para estar na Cisjordânia como
especial, Moacir cita a instalação fotográfica Where um cidadão de Gaza; assim, estou confinado a Birzeit
We Come From, da palestina Jacir. até terminar meus estudos”, pediu Rizek. Em sua nota,
Em julho de 1950, a Lei do Retorno foi adotada pelo Jacir relata que “sua família ficou muito feliz por eu
Knesset, em Israel, segundo a qual, todo judeu - não poder trazer limões e morangos plantados por eles.
importando sua origem no mundo - poderia clamar Eles me levaram à sua plantação e colhemos limões
o direito a cidadania e residência no Estado de Israel. e morangos para Rizek. Também trouxe para ele o
Em contrapartida, mais de 700.000 palestinos foram ma’amoul que sua mãe fez, um par de botas, dois
expulsos ou fugiram da região durante sua fundação. O cintos e nozes”. Quatro fotografias mostram a família
exílio pelos exilados. Peter Beinart, em artigo de opinião de Rizek e os filhos de seu irmão colhendo os frutos
para o The New York Times, sugere que “reconhecer que Jacir cita. As descrições envolvem coisas que
e começar a remediar essa expulsão - permitindo o geralmente tomamos como certas, como garantidas:
retorno dos refugiados palestinos - exige imaginar um visitar nossa família, jogar futebol, rever a casa da
tipo diferente de país, onde os palestinos são conside- nossa infância. Este último foi o caso de Ibrahim. “Vá
rados cidadãos iguais, não uma ameaça demográfica. a Jaffa, encontre a casa de minha família e tire uma
Para evitar esse ajuste de contas, o governo israelense foto. Como refugiado, sou proibido de visitar meu país
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