Page 61 - ARTE!Brasileiros #55
P. 61

Robinson e Schulzke apontam que: “As consequên- da Charles University, em Praga, o estudo ressalta que
            cias desse retrato crescente da guerra como entrete- os jogos militares normalmente contêm representações
            nimento podem sugerir um movimento em direção a   estereotipadas dos muçulmanos. Šisler argumenta que
            uma cidadania cada vez mais soporífera que se torna  “o inimigo” é coletivizado e linguisticamente identificado
            progressivamente desengajada, não questionando   como “grupos terroristas”, “militantes”, e “insurgen-
            mais por que lutamos, em vez de se perder ‘no fato de   tes”, enquanto as tropas americanas ou aliadas são
            que lutamos’’’. Os pesquisadores complementam que   humanizadas e individualizadas, com personagens
            é possível observar uma variedade de respostas dos   jogáveis e não jogáveis “retratados com apelidos ou
            cidadãos a essa espécie de conteúdo “de distração,  características visuais específicas”. Além disso, as
            deslumbramento e voyeurismo” a ser “positivamente  “forças aliadas” também são mostradas como parte
            mobilizado para apoiar ativamente a ação militar”.  de uma ação multilateral, o que justificaria “a retórica
               Uma observação importante feita em Visualizing   de uma guerra contra o terrorismo, com o inimigo
            War é que uma amostra considerável dos estudos   do Oriente Médio, exigindo contenção e intervenção
            acerca do militarismo “enfatizam as maneiras pelas   militar quase contínua”. Mas não só: tomando como
            quais temas nacionalistas e militaristas surgem em   ponto de partida tais representações, é possível supor,
            conjunto”, no interesse do Estado e de suas forças   controvertidamente, que problemas sociais e políticos
            armadas. Utilizando os Estados Unidos como estudo   complexos podem ser resolvidos de forma tão somente
            de caso, Robinson e Schulzke afirmam que “a recente   militar. Em renitência a essa tipificação visual, Peter Van
            desilusão com as guerras no Iraque e no Afeganistão,  Agtmael relata a Tanya Habjouqa: “Quando meus olhos
            combinada com uma demanda de ‘apoiar as tropas’  estão voltados para os iraquianos, afegãos e sírios pegos
            em todos os momentos, levou a um subgênero de    no meio desse caos, é muito mais gentil. E isso é em
            meios de comunicação de guerra que demonstram    parte porque tenho um maior grau de simpatia pelas
            isso”. Tal fenômeno também é descrito por Peter: “Nos   verdadeiras vítimas deste conflito. Uma reação ao fato
            últimos anos, tivemos [nos eua] um presidente que
            criou uma atmosfera de profundo medo ao explorar a
            ideia de ameaças a este país, nossa liberdade, nossa
            segurança. Então, quando eu olho para a presidência
            de Trump, vejo o mundo pós 11 de setembro escrito   “Durante anos, na minha juventude, fui ao Imperial War Museum
            por toda parte. O ano de 2020 foi, para mim, o ápice   em Londres, apaixonado pela estética das guerras passadas.
                                                             Em 2018, voltei ao Imperial War Museum e os fragmentos
            da história americana recente. Ele incorporou todas   violentos de minhas próprias guerras estavam em exibição.
            as forças políticas que estiveram em movimento nas   Vigas empenadas das Torres Gêmeas. O contorno de um drone
            últimas décadas”.                                assomando no alto. Restos de um carro-bomba que explodiu em
               O estudo também chama atenção para as imagens   Bagdá em 5 de março de 2007. No início do século 20, apenas
            de conflito criadas para videogames e as envolvidas   10% das casualidades de guerra eram civis. Agora, o número é de
                                                             90%”. Londres. Inglaterra. 2018
            em sua divulgação. É estimado que o jogo Call of Duty,
            por exemplo, tenha aproximadamente 100 milhões
            de participantes mundialmente e que as vendas dos
            produtos premium englobados pela franquia tenham
            ultrapassado 400 milhões de dólares, desde seu lan-
            çamento em outubro de 2003. Esse não é um caso
            isolado, no entanto. Como o professor associado de
            Ciências da Comunicação da Universidade da Georgia,
            Roger Stahl, identificou: “11 de setembro de 2001 e as
            guerras que se seguiram no Afeganistão e no Iraque
            deram início a um boom nas vendas de videogames
            com tema de guerra”.
               Citando o trabalho de Vit Šisler, pesquisador da inter-
            secção de cultura e mídia digital e professor assistente

                                                                                                         61
   56   57   58   59   60   61   62   63   64   65   66