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LIVROS ARTE MODERNA











                                               Em seu novo livro, Rodrigo Naves pesquisa
                                               as variadas motivações que levaram o artista
                                               holandês a um trabalho singular, entre elas
                                               o seu vínculo com o pensamento calvinista

                                               por gabriel san martin*



            VAN GOGH E A SALVAÇÃO


            PELA PINTURA









            no último mÊs De Fevereiro o escritor e crítico de   ele buscasse criar uma possibilidade de salvação
            arte Rodrigo Naves publicou seu novo livro, Van Gogh:  através da pintura. Então eu gostaria que você,
            A Salvação pela Pintura (Editora Todavia). Apesar de   nas suas palavras, desse uma breve explicação
            o pintor holandês ser muito discutido há mais de um   dessa tese que apresenta no livro.
            século, Naves procura apresentar uma outra visão   Eu penso o seguinte: essa questão, sim, é muito
            sobre a obra do artista.                           central e, digamos, eu consigo ver trabalho na super-
               Se a qualidade das telas de Vincent Van Gogh (1853-  fície das telas do Van Gogh. Porque, geralmente, se
            1890) foi com recorrência atribuída às dificuldades e   eu pego uma garrafa de Coca-Cola, por exemplo, o
            problemas psíquicos do artista, Naves se mostra con-  trabalho fica oculto. Seja em qualquer objeto indus-
            vencido de uma interpretação distinta. Para o crítico,   trial, um cortador de unha, os seus óculos…  Quer
            mais do que representar os sofrimentos de sua vida   dizer, é um trabalho industrial, em geral, por não
            ou se vitimizar, o pintor teve por motivo a criação de   ser rude e não revelar a existência da intervenção
            composições ligadas a uma tentativa de salvação atra-  humana. E, no caso do Van Gogh, por esse uso muito
            vés do trabalho. O holandês sempre foi muito ligado à   espesso da tinta – o que se chama, no jargão, de
            religião calvinista – doutrina surgida a partir da Reforma   impasto –, a pincelada é simultaneamente a tenta-
            Protestante no século xvi – e por isso, segundo Naves,   tiva de figuração de algo, seja um rosto, um monte
            o “destino de sua vida repousa num trabalho sem fim,   de feno, um girassol. De modo que, por ser muito
            uma condenação, portanto, que para alguém formado   espesso, ela cria uma tensão entre figuração e ser
            na moral calvinista seria simultaneamente esperança   uma matéria amarela, azul etc. Então tem a ver com
            de salvação”.                                      essa noção calvinista do trabalho, do trabalho como
               Nesse sentido, os trechos aqui selecionados da   uma espécie de louvação, de glorificação de Deus.
            entrevista com Naves têm por objetivo discutir alguns   Um trabalho que não supõe recompensa, riqueza ou
            pontos interessantes de seu novo livro. Leia abaixo:  prosperidade, mas, sim, uma certa educação dos
                                                               próprios sentidos, uma concentração em aspectos
            gabriel san martin – Parece-me que a tese cen-     do mundo sensível que não seriam mais pro lado do
            tral do livro consiste em estabelecer um vínculo   vício do que da virtude, uma disciplina que é muito
            direto entre a admiração que os calvinistas têm    decisiva para essa denominação protestante.        FOTO REPRODUÇÃO
            pelo trabalho e a obra do Van Gogh, de modo que     Acredito que no luteranismo, que é a primeira

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