Page 13 - ARTE!Brasileiros #54
P. 13

como o apoio pela turma da Faria Lima ao seu similar   Architecture, um coletivo de pesquisa multidisciplinar
            brasileiro. “Como menosprezar um líder que não sente   criado pelo arquiteto Eyal Weizman, na Universidade de
            vergonha? Como ‘desdadaizar’ o presidente Ubu?”,   Londres. “Muitos artistas passaram de uma postura de
            pergunta o autor. É preciso reagir, ele defende: “Con-  desconstrução a uma de reconstrução – isto é, ao uso
            verter a emergência disruptiva em mudança estrutural.”   do artifício para reabilitar o modo documental como um
               Para Foster, nesse sentido, três movimentos têm sido   sistema, se não descritivamente adequado, ao menos
            essenciais para se repensar o sistema das artes: #MeToo   criticamente eficiente”, descreve no ensaio Ficções Reais.
            (surgido em 2017), contra o assédio do patriarcado, Black   Foster cita, então, Weizman para exemplificar alguns
            Lives Matter (2013), contra o racismo estrutural, Occupy   desses procedimentos das práticas forenses: a política
            Wall Street (de 2011), contra desigualdades econômicas   da testemunha fundada no depoimento individual e volta
            e sociais e o poder excessivo das empresas. “À medida   à “empatia com as vítimas” e uma política de defesa dos
            que os códigos de conduta são descartados em uma   direitos humanos levada a cabo como “um processo
            profissão após outra, cabe às instituições culturais   de materialização e mediatização”. Além de Forensic
            insistir mais fortemente neles e ser exemplos nesse   Architecture, o autor aponta Harun Farocki (1944-2014)
            aspecto”, defende Foster. Assim, para se contrapor aos   e Hito Steyerl como atuando no mesmo sentido.
            comportamentos cínicos, museus e demais instituições   Assim, voltando à pergunta do título do livro, Foster
            do circuito precisam criar práticas exemplares.   não se furta em dar muitas pistas para apontar saídas
               Um exemplo que ele não cita, mas que merece ser   possíveis para a farsa. Mas a conclusão que ele mes-
            lembrado é a ação da fotógrafa norte-americana Nan   mo já aponta na introdução é muito clara: “Nada está
            Goldin, que vem liderando um movimento contra a família   garantido; tudo é luta”.
            de mecenas Sackler, que patrocinou salas e obras em
            importantes museus da Europa e Estados Unidos, e são
     FOTOS: SARAH SZE, CORTESIA DA ARTISTA E DO THE FABRIC WORKSHOP AND MUSEUM | DOAÇÃO JORN, DINAMARCA
            proprietários da farmacêutica Purdue, que fabrica anal-
            gésicos altamente viciantes e mortais - cálculos apontam
            que, desde 1999, mais de 450 mil pessoas tenham morrido
            pelo uso de opioides. Graças aos protestos do grupo
            P.A.I.N. (Prescription Addiction Intervention Now), por
            ela criado, museus como a Tate, de Londres, ou o Louvre,
            em Paris, recusaram o patrocínio dos Sackler, ou chega-
            ram mesmo a retirar o nome da família das salas, como
            no museu francês. Foster, contudo, trata da questão da
            origem dos financiamentos, apontando que, quando ele
            é sujo demais, se transforma em uma questão “urgente
            para os museus de arte na era trumpista”.
               Ao longo dos ensaios, o autor cria alguns termos
            muito válidos para se pensar o momento atual, como
            a noção de “estética ética”, essa necessidade de que
            práticas artísticas e institucionais sejam baseadas
            em condutas responsáveis, evitando a cumplicidade
            de gestores das instituições culturais com a política
            da pós-verdade de líderes como Bolsonaro ou Trump.
            Contudo, essas ideias muitas vezes são pequenas pílulas
            que merecem aprofundamento.
               Outra delas é a ideia da reconstrução pela arte, basea-
            da em práticas artísticas como a do grupo inglês Forensic   Capa do livro (Ubu Editora, 192 págs.)

                                                                                                         13
   8   9   10   11   12   13   14   15   16   17   18