Page 10 - ARTE!Brasileiros #54
P. 10

DEBATE HAL FOSTER








            TUDO É LUTA








                              No livro “O que vem depois da farsa?”, Hal Foster
                              analisa efeitos do trumpismo no cenário das artes
                              norte-americano e aponta formas de resistência

                              por Fabio Cypriano






                    O que vem depOis da farsa?, título do novo  Veiga Pereira, organiza um encontro de apoio ao
                    livro do professor norte-americano Hal Foster,  presidente Bolsonaro, recentemente criticado
                    não é uma pergunta meramente retórica. Ela  em um manifesto encabeçado por religiosos
                    parte de uma das mais conhecidas ideias de  e intelectuais como Leonardo Boff e Chico
                    Karl Marx - que a história costuma ser ence- Buarque, que começa por: “O Brasil grita por
                    nada duas vezes, a primeira como tragédia e  socorro. Brasileiras e brasileiros comprometi-
                    a segunda como farsa - para refletir sobre o  dos com a vida estão reféns do genocida Jair
                    contexto norte-americano dos últimos anos  Bolsonaro, que ocupa a presidência do Brasil,
                    da gestão Trump, considerada aí como farsa.  junto a uma gangue de fanáticos movidos pela
                       O livro foi publicado no início do ano pas- irracionalidade fascista”.
                    sado, portanto sem tempo para atentar o que   Esse descompasso entre dirigentes de
                    a pandemia do novo coronavírus acrescentou  instituições culturais e a realidade do país é
                    nesse cenário, incluindo a derrocada do próprio  abordado no quinto ensaio do livro, Pai Trump,
                    Trump e ascensão da chapa Joe Biden/Kamala  onde, citando o sociólogo alemão Siegfried
                    Harris. Contudo, não se trata de fato de uma  Kracauer (1889-1966), faz um paralelismo entre
                    análise da questão geopolítica sobre o que  a República de Weimar e a atualidade: “Nunca
                    vem depois da farsa, mas das implicações no  houve uma época tão bem informada sobre si
                    campo da arte, que é o espaço de reflexão de  mesma (...) e nunca uma época foi tão pouco
                    Foster, ou em suas próprias palavras no prefácio:  informada sobre si mesma”. Esse paradoxo da
                   “Onde se posicionam os artistas e os críticos”. informação leva Foster a lembrar o conceito de
                       Apesar de passar longe do contexto do  “razão cínica”, desenvolvido por outro alemão,
                    Sul global, o que torna a publicação um tanto  este mais contemporâneo, Peter Sloterdijk.
                    deslocada das atuais discussões decoloniais,   Essa ideia de razão cínica foi baseada na
                    ignorando todo o mundo da arte fora do eixo  vista grossa que o povo alemão teve para com
                    EUA-Europa, as transposições de certas análises  o nazismo, e um caso específico nesse sen-
                    para o Brasil são inevitáveis e ajudam a com- tido é Eichman, o funcionário responsável       FOTOS: P.A.I.N/ REPRODUÇÕES DO SITE SACKLERPAIN.ORG
                    preender um pouco das raízes da exaustão que  pelo transporte de judeus para os campos de
                    agentes culturais se encontram neste momento. concentração, que alegou ser um cumpridor
                       Afinal, como dar credibilidade a uma institui- de ordens. Ou seja, a razão cínica tem a ver
                    ção de arte como a Bienal de São Paulo quando  com a incapacidade de juízos críticos, o que é
                    o Credit Suisse, empresa que é dirigida por  muito semelhante tanto ao apoio às alegações
                    seu presidente, o banqueiro José Olympio da  infundadas de Trump, como analisa Foster,

            10
   5   6   7   8   9   10   11   12   13   14   15