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DEBATE HAL FOSTER
TUDO É LUTA
No livro “O que vem depois da farsa?”, Hal Foster
analisa efeitos do trumpismo no cenário das artes
norte-americano e aponta formas de resistência
por Fabio Cypriano
O que vem depOis da farsa?, título do novo Veiga Pereira, organiza um encontro de apoio ao
livro do professor norte-americano Hal Foster, presidente Bolsonaro, recentemente criticado
não é uma pergunta meramente retórica. Ela em um manifesto encabeçado por religiosos
parte de uma das mais conhecidas ideias de e intelectuais como Leonardo Boff e Chico
Karl Marx - que a história costuma ser ence- Buarque, que começa por: “O Brasil grita por
nada duas vezes, a primeira como tragédia e socorro. Brasileiras e brasileiros comprometi-
a segunda como farsa - para refletir sobre o dos com a vida estão reféns do genocida Jair
contexto norte-americano dos últimos anos Bolsonaro, que ocupa a presidência do Brasil,
da gestão Trump, considerada aí como farsa. junto a uma gangue de fanáticos movidos pela
O livro foi publicado no início do ano pas- irracionalidade fascista”.
sado, portanto sem tempo para atentar o que Esse descompasso entre dirigentes de
a pandemia do novo coronavírus acrescentou instituições culturais e a realidade do país é
nesse cenário, incluindo a derrocada do próprio abordado no quinto ensaio do livro, Pai Trump,
Trump e ascensão da chapa Joe Biden/Kamala onde, citando o sociólogo alemão Siegfried
Harris. Contudo, não se trata de fato de uma Kracauer (1889-1966), faz um paralelismo entre
análise da questão geopolítica sobre o que a República de Weimar e a atualidade: “Nunca
vem depois da farsa, mas das implicações no houve uma época tão bem informada sobre si
campo da arte, que é o espaço de reflexão de mesma (...) e nunca uma época foi tão pouco
Foster, ou em suas próprias palavras no prefácio: informada sobre si mesma”. Esse paradoxo da
“Onde se posicionam os artistas e os críticos”. informação leva Foster a lembrar o conceito de
Apesar de passar longe do contexto do “razão cínica”, desenvolvido por outro alemão,
Sul global, o que torna a publicação um tanto este mais contemporâneo, Peter Sloterdijk.
deslocada das atuais discussões decoloniais, Essa ideia de razão cínica foi baseada na
ignorando todo o mundo da arte fora do eixo vista grossa que o povo alemão teve para com
EUA-Europa, as transposições de certas análises o nazismo, e um caso específico nesse sen-
para o Brasil são inevitáveis e ajudam a com- tido é Eichman, o funcionário responsável FOTOS: P.A.I.N/ REPRODUÇÕES DO SITE SACKLERPAIN.ORG
preender um pouco das raízes da exaustão que pelo transporte de judeus para os campos de
agentes culturais se encontram neste momento. concentração, que alegou ser um cumpridor
Afinal, como dar credibilidade a uma institui- de ordens. Ou seja, a razão cínica tem a ver
ção de arte como a Bienal de São Paulo quando com a incapacidade de juízos críticos, o que é
o Credit Suisse, empresa que é dirigida por muito semelhante tanto ao apoio às alegações
seu presidente, o banqueiro José Olympio da infundadas de Trump, como analisa Foster,
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