Page 40 - ARTE!Brasileiros #52
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INSTITUIÇÕES MAM RIO
tinha direção artística. Tinha curadoria, curadoria da “A gente tem que negociar nossas propostas com
cinemateca. Entramos com a responsabilidade de diferentes equipes, somos responsáveis por um grupo
criar uma identidade de projeto artístico para essa grande, e têm outras gerências que não são nossas.
diversidade de ações.” Então temos uma proposta que tem que ser negociada
Assim, para além da própria programação, há uma por quem está aqui”, conta Lafuente.
nova atitude a ser revista no museu criada a partir da Com isso, eles esperam socializar, com públicos
gestão compartilhada. “A dupla é importante para nós internos e externos, as decisões, tanto artísticas como de
porque cria uma diversidade obrigatoriamente. Não gestão. E ao dar visibilidade esses processos podem ser
tem como duas pessoas terem um olhar idêntico. A monitorados e avaliados. “Queremos forçar a estrutura
gente coincide em muitas perspectivas, mas também para ver até onde ela pode chegar, repetir por repetir não
diverge em apreciações e histórias. A diversidade é faz sentido”, diz Lafuente. No projeto apresentado há
constitutiva e a negociação também”, segue Lafuente. um cronograma detalhado de como se dará o processo
No projeto vencedor apresentado à comissão de de tomada de decisões no museu, que inclui reuniões
seleção para a diretoria artística do museu, com 38 semanais e quinzenais das equipes.
páginas, o trabalho em dupla é colocado em uma contex- Entre as ações que devem marcar a gestão está
tualização histórica: “Diretorias duplas não são novidade a própria utilização do edifício icônico projetado por
em contextos artísticos ou em cenários não artísticos. Affonso Eduardo Reidy (1909-1964). “Recuperar a visão
Um dos princípios operativos do Partido Verde alemão do prédio é fundamental, já que é um museu que se
é o Doppelspitze, que determina que todas as direto- pensa estruturalmente aberto. O Reidy tem um texto
rias devem estar formadas por duas pessoas, uma de muito bonito sobre a luz que entra pelas janelas, de
gênero feminino e outra masculino”. como ela cria uma experiência sensorial que enriquece
Propor novas formas de gerir instituições de arte é qualquer experiência das obras de arte. Isso na história
essencial no contexto brasileiro, marcado em geral por da arte é polêmico, pois escapa do cubo branco. E ao
uma grande centralização e personalização, já a partir longo dos anos foram sendo dispostas paredes na
de suas presidências, como ocorreu no mam paulista frente das janelas para que a luz, o sol, as árvores e as
durante a gestão de Milú Villela, que permaneceu no pedras gigantes da Baía de Guanabara não entrassem.
poder por nada menos que 24 anos, de 1995 a 2019, A gente quer recuperar isso física e simbolicamente,
com poderes absolutos. que o externo influencie o interno”, conta Lafuente.
Outro eixo que a dupla pretende implementar é abrir a
nova orDem instituição para aquilo que não está lá – objetos, saberes,
“Queremos entender o mam como uma estrutura só, o pessoas – poder entrar, como diz Eleison: “É uma gestão
que é o nosso maior jogo dentro da instituição”, conta de questionamento institucional muito forte. Uma das
Eleison, que é completada por Lafuente: “A gente está grandes questões é não só olhar para a inexistência de
criando corpos de decisão mais extensos; não é apenas corpos, inteligências e objetos dentro das coleções,
a pessoa que está na gerência de educação e participa- mas quando elas entram, como elas o fazem. Enquanto
ção que vai decidir isoladamente qual será o programa mulher preta me interessa um tipo de pesquisa sobre as
público, mas ela vai ativar outras áreas de dentro e pessoas que não foram colocadas aqui, o porquê elas
mesmo de fora do museu.” não foram colocadas aqui e o que elas estavam fazendo”.
Com isso, para se pensar como um museu deve Com isso, o mam Rio pode exercer uma relação mais
atuar agora, a nova gestão busca exercitar isso na autêntica com a produção que agora vem ocupando
administração da própria instituição, criando rela- outras instituições, como a feminina, a negra, a indí-
ções mais horizontais? “Estamos tentando trabalhar gena ou a queer – mas de forma um tanto estatística,
desverticalizando o museu. Acho melhor a expressão como para cumprir uma agenda, sem, contudo, criar
desverticalizar do que horizontalizar, porque o próprio vínculos efetivos. “Nós não queremos trabalhar com a
termo horizontal não procede no dia a dia. Afinal, nós ideia de convite, porque quando há convite, está claro
continuamos sendo os diretores artísticos, há geren- que o convidado não é daquele lugar. E nós queremos
tes, têm nomeações que são importantes para serem muito questionar a ideia do exótico, porque o que se
dadas e responsabilizadas, e tem salários também”, chama de exótico é formativo da nossa estrutura”,
define Eleison. conclui a diretora.
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