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INSTITUIÇÕES JOSÉ RUFINO
de plantas um arquivo vivo de experiências vividas. Cada
uma representa um acervo sensorial, etnográfico, uma
escultura viva”, afirma. Todos os caminhos que cortam
a paisagem são irregulares, submetidos ao interesse e
desenvolvimento das próprias plantas. Trata-se de uma
reflexão espacial emancipada que contempla ainda
animais das famílias dos tamanduás, preguiças-de-três
dedos, capivaras, raposas, guaxinins, saguis, entre
muitos outros. Essa dilatação da experiência chega ao
grande ateliê que tanto pode ser ocupado por Rufino
quanto pelos residentes. “A construção está implantada
no limite entre um trecho de Mata Atlântica e a parte
mais alta do jardim. O espaço foi construído entre as
árvores que se recuperavam de décadas de cortes des-
cuidados e queimadas, e agora já estão bem frondosas”.
A área total do terreno fica entre o tabuleiro costeiro e
o estuário do rio Sanhauá. Faz fronteira com o Parque
Estadual Mata do Xem-Xem, cujas ruínas de um açude
do século 19 estão dentro da propriedade.
Escolher o local do Instituto ativou um pensamento
desbravador em Rufino, que visitou muitos sítios prontos,
com camadas de histórias de seus antigos donos, algo
que não o interessava. Quando encontrou um terreno
degradado, estéril, riacho poluído e obstruído, decidiu
comprá-lo. O impulso mais profundo de sua utopia surgiu
do encontro com esse caos ambiental, em 1984. “Isso
me animou, queria salvar esses hectares começando
tudo do zero. Meu pai, que cresceu no engenho, quan-
do viu o cenário ficou horrorizado e disse que ali não
cresceria nem urtiga”. Nesse sentido, Rufino teve que Obra de Rufino na sacada de seu ateliê, com a Mata
lidar com expectativas o tempo todo, mas essa ideia Atlântica e o vale do rio Sanhauá ao fundo
de discordância foi mais uma provocação motivadora.
Agora, depois de muitos anos de trabalho constante,
pesquisas e consultas a especialistas, o solo não só dos Anjos. Viajou a Salvador em busca do fruto de cacau
renasceu como está muito rico. A natureza deu resposta de uma árvore plantada por Pierre Verger. “Hoje tenho o
à altura de seus esforços, se transformou, recriou o prazer de produzir, por meio da perspicácia de meu pai,
microclima e tudo está exuberante. pequenas barras do chocolate Verger”.
“Minhas memórias mais antigas sobre uma conversa Já formado em paleontologia, seu olhar foi refinado
solitária e silenciosa com a natureza foi no engenho do com método, como ele diz. Mas o terreno do Instituto
meu avô. Eu não morava lá, mas ia todos os fins de semana se auto explica, a liberdade por lá corre solta com um
e passava as férias inteiras. As recordações sensoriais paisagismo que respeita a vontade das plantas, bem
que trago da infância são mais do engenho do que da próximo à natureza tropical. “Burle Marx foi quem intro-
cidade.” Aos poucos ele foi se aproximando da história duziu esse conceito em vários projetos. Ele colocava
natural, influenciado pelos livros de botânica de seu pai sem pudor as plantas que trepavam sobre as outras
engenheiro, repletos de ilustrações. “Passei a colecionar formando uma massa, não era uma coisa planejada
plantas, fósseis, o que me tornou quase um naturalista como o jardim europeu, especialmente o francês.”
mirim. Também era curioso sobre a origem dos nomes O artista não tem a pretensão de tornar o Instituto
populares das plantas e o porquê dos nomes científicos”. José Rufino em um tipo de Inhotim, repleto de obras de
Atuando entre a ciência e o delírio, foi atrás de sementes artistas. “Tudo o que estiver ali tem que atravessar minha
de tamarindo recolhidas do quintal do poeta Augusto poética. Durante a pandemia realizei muitos trabalhos e
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