Page 22 - ARTE!Brasileiros #52
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SEMINÁRIO INTERNACIONAL DIA 1
ele desenvolveu um quarteto de documentários que para performarem em dois espaços emblemáticos para a
falava da origem da cultura irlandesa de um jeito muito história colonial nestes locais - palácios que se tornaram
sofisticado, questionando a hegemonia europeia na museus -, criando ambiguidades, atritos e momentos
formação da cultura de lá e sugerindo que o contato de beleza com várias camadas de sentido.
com países do norte da Africa foi fundamental”, contou Na Irlanda, músicos e dançarinos foram filmados em
a artista. Na série, intitulada Atlantean, “ele pergunta: e espaços da Bantry House, palácio do fim do século 17
se a nossa cultura irlandesa estiver muito mais próxima diretamente relacionado ao imperialismo britânico no
da África do que da Europa?”. país e que, além de um jardim suntuoso, possui uma
Partindo dessa hipótese e do convívio com Quinn, escadaria de 100 degraus - os “hundred steps” do título
hoje com 87 anos, Bárbara e Benjamin tinham um pro- - construída entre 1840 e 1850, a década da grande fome
jeto inicial em mente até o momento em que o convite irlandesa. “Em cada canto da Irlanda tem uma mansão
da manifesta veio para “dar uma amarrada formal no enorme construída pelo povo que estava morrendo. E
trabalho”, segundo Bárbara. Ao fim, o filme se tornou se formos pensar, essa grande fome, que criou uma
“uma espécie de experimento visual e de montagem diáspora de quase 2 milhões de pessoas, ainda é muito
entre a Irlanda e o sul da França, em diálogo com o norte recente na história do país”, diz Benjamin. Os artistas
africano”. A dupla convidou, para isso, artistas populares que entram na casa, portanto, - e Bob Quinn aparece
ali com sua câmera - “se transformam nessa outra voz,
que é a voz da cultura irlandesa”, segundo Bárbara.
Em Marselha, por sua vez, uma casa museu em uma
antiga residência burguesa, “com uma história similar,
apesar do contexto bastante diferente”, serviu de palco
para a performance de músicos norte-africanos radi-
cados na cidade. “Então a gente criou uma forma de
aproximar, sem necessariamente estar comparando. É
uma especulação, novamente, mas sobretudo rítmica
e musical”, explica Bárbara. Se a cultura árabe do norte
da África surge explicitamente na casa em Marselha,
ela também pode estar difusa na música irlandesa que,
segundo Quinn, bebeu dessas raízes. “E de repente a
gente olha para esses artistas, como se fossem visitantes,
os irlandeses e os árabes, e o filme cria esse dispositivo
fantástico em que a gente consegue perceber a ocupação
desses espaços com outra história”, conclui a artista.
Porque, segundo Benjamin, “o colonialismo continua
existindo de outra forma, mais mental, mais imaterial”.
Nas falas ao final da mesa, Andrea Giunta ressal-
tou, em consonância com a apresentação de Bárbara
e Benjamin, que “a arte tem a capacidade de ser um
arquivo, um arquivo de experiências que foram criadas
em diferentes momentos. E com este arquivo podemos
fazer as perguntas do presente”. Além disso, para ela é
preciso repensar a relação do corpo com o mundo, no
sentido de se afastar da ideia do sujeito autocentrado
tão comum na arte - “para compreender, experimentar
e sentir que nós estamos no mundo”. Ao que Bárbara
concordou: “No sentido do corpo que experimenta uma
outra forma de conhecimento, que é partilhado. Nosso FOTO: CORTESIA DA ARTISTA
trabalho é um trabalho audiovisual que se sustenta na
Psicanálise do cafuné catinga de mulata, de Janaína colaboração. Não dá pra fazer trabalho sozinho, não
Barros, obra exposta na Bienal do Mercosul dá para fazer sem atrito, sem diferença”.
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