Page 17 - ARTE!Brasileiros #52
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transFormação                                    com a terra que podemos buscar um caminho de cura.
            Já Naiara Tukano iniciou sua fala contando sobre a   O sopro da vida existe em cada um de nós”.
            cosmologia de seu povo, que veio da grande canoa de
            transformação, a Cobra-Canoa. Foi no ventre de uma   natureza-morta
            Cobra-Canoa que os primeiros ancestrais dos povos   Um pouco depois do que havia sido programado, Ailton
            Tukano partiram em uma viagem subaquática pelos rios   Krenak entrou no seminário problematizando um dos
            Amazonas, Negro e Uaupés, no noroeste amazônico, e   gêneros da pintura. “Todos os grandes mestres da
            assim chegaram à região onde atualmente vivem, no   pintura do ocidente deixaram algum rastro de natureza-
            Alto Rio Negro. A canoa foi parando ao longo desse  -morta atrás de si”, contou. E prosseguiu: “Será que eles
            percurso e, a cada parada, esses ancestrais adquiriram   estavam prenunciando um tempo em que a natureza ia
            poderes e conhecimentos que até hoje fazem parte da   se erguer, sair daquelas telas e invadir as nossas vidas
            herança cultural das etnias da família Tukano.   na forma de vírus, na forma de afeto, no sentido de nos
               Naiara contou como, milhares de anos antes dessa   virar pelo avesso, de nos pôr em questão, e denunciar
            viagem, “nós fomos gente peixe, até nos transformar- que não existe uma fronteira entre cultura e natureza, a
            mos em animais que vivem nas florestas, como lontras,  não ser nas nossas mentalidades, convocando a uma
            macacos; aí o criador veio e cortou o rabo dos animais   mudança de mentalidade”.
            e trouxe o homem para a terra, sendo esse o terceiro   Mais tarde, ele explicaria que “como poetas, esses
            tempo da humanidade, quando o homem surgiu”.     artistas estavam prenunciando o que ocorre no século
               O significado dessa ancestralidade animal e desse   21; não é uma reclamação, uma acusação, mas uma
            processo de transformação ao longo do tempo tem um   revelação do que a gente ia viver muito tempo depois”.
            reflexo importante no pensamento Tukano: “Devemos   Mas ele fez um alerta ao mundo da arte: “É como se
            entender que outros seres visíveis e invisíveis que vivem   a ideia das nossas bienais de arte, das nossas galerias,
            na Terra são nossos parentes, eles nos contam como   estivessem todas ficado no passado, vencidas pelo tempo,
            devemos agir sem causar mal e nem receber o mal.  pela urgência de uma nova mentalidade, de nós humanos
            Assim, nunca esquecemos do nosso lugar”, disse Naiara.  aprendermos a pisar com cuidado, a pisar suavemente
               Decorre daí, então, a percepção da importância   na Terra, profundamente marcada pelas nossas pegadas,
            do cuidado com o planeta de forma global, como ela   que nos puseram no limiar desse Antropoceno”.
            afirma: “Quando a gente rompe os fluxos da Terra, a   É mais ou menos nesse momento que começa a
            gente a prejudica, porque ela é um todo, tem uma cons- chuva e o momento mais poético do seminário. Enquanto
            ciência própria e a gente não pode recortá-la como   ele afirmava que “o céu sempre vai nos dar a arte do
            um mosaico, como estamos fazendo. Há centenas de   possível”, passa um caminhão de água, como a lembrar
            anos nossos pajés alertam para cuidar da natureza,  da destruição do Rio Doce pela Samarco, há cinco anos,
            nós somos natureza.”                             e que tornou necessário o abastecimento por veículos
               E conclui sobre a importância de rever atitudes   que percorrem de 200 km a 300 km para abastecer a
            em tempos de pandemia: “É preciso que a gente se   aldeia com 130 famílias.
            reconecte com nossa essência, e através da arte, da   E Krenak concluiu como Naiara: “Quando pus em
            espiritualidade, dos cantos, que a gente se conecte   questão a divisão que nós fazemos entre natureza e
            novamente com a terra. Plantar, diminuir o lixo, buscar  cultura é uma convocação para que a gente viva mais
            uma forma de vida mais simples, buscar outras formas de   imerso na natureza e na nossa própria experiência do
            troca baseadas em outras sabedorias. É pela reconexão   corpo sendo natureza”.

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