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REPORTAGEM FOTOGRAFIA
RETRATANDO
O INVISÍVEL
No momento em que fotógrafos ao redor do globo se esforçam para fornecer
profundidade à documentação da crise de Covid-19, a arte!Brasileiros
apresenta uma série de imagens feitas nos últimos meses em diferentes países
por miguel groisman
“o FotoJornalista é um contador de histórias e Tendo essas considerações em mente - como tam-
ele está na linha de frente, nos mostrando o que está bém a impossibilidade de apresentar uma “face do vírus”
acontecendo no mundo”, afirmou uma vez a crítica de - a arte!Brasileiros realizou uma seleção de trabalhos
fotografia Simonetta Persichetti. A fotografia, através fotojornalísticos notáveis. São registros vindos do Peru
de uma linguagem não textual, pode evocar memória, - com Rodrigo Abd -, do Irã - com Newsha Tavakolian
pode ser uma personificação da natureza das ideias e Arash Khamooshi, da França - com Jean Gaumy - e
questionadoras, a replicação de uma espécie de estado do nosso país - com Victor Moriyama, Hélio Campos
vago que se encontra fora até da linguagem. Neste Mello e Cristina de Middel.
momento, através da promoção de sentimentos diretos
de identificação, empatia ou desaprovação, ela pode presença humana e a barreira Fantasma
driblar as barreiras nacionais que constroem, por cada “Nós, fotógrafos, devemos ter uma proximidade emo-
país, uma resposta muito particular de prevenção e cional com a história que estamos retratando nesses
combate à pandemia de Covid-19. momentos dramáticos. E nossa câmera deve ser a
Pelo entrelace de camadas de significado, as imagens ferramenta para reduzir essas distâncias que surgem
transmitem temas universais como morte, vida, amor da pandemia. As fotos nos unem como profissionais
e medo, mesmo que, pelo momento, sempre acompa- com as pessoas, e os produtos dessa união, que são
nhados de um tema suspenso que é o vírus. Esse, como fotografias, unem os leitores à vida de milhares de
o filósofo Jacques Derrida ensina, é por definição, o fotografados”, afirma Rodrigo Abd.
estranho, o outro, o estrangeiro. Cria-se uma barreira Mas como ter proximidade quando não é possível
entre um “nós” - incontamináveis - e um “eles” - os que chegar fisicamente perto dos respectivos retratados?
estão propensos a contrair o vírus. Nesse cenário, o Cristina de Middel conta que qualquer forma de inte-
bom fotojornalismo tenta eliminar tal barreira simbó- ração se tornou muito mais difícil por conta de uma
lica e discursiva por meio de registros que criem uma “ideia pairante” de desconfiança. No seu caso, a barreira
conexão com quem observa e contempla as imagens. E linguística duplicou o esforço - Middel é espanhola mas
mesmo que não tenham função de documento - como vive em Itacaré, no Nordeste do Brasil, com o marido
o documentarista francês Claude Lanzmann diria: se Bruno Morais -, “percebi muito rapidamente que seria
você sente necessidade de uma prova, por exemplo, difícil para mim trabalhar em Itacaré, porque eu pareço
fotográfica, é porque já está na vertente negacionis- uma gringa e não falo português adequado, então as
ta - esses registros ajudam a retirar a questão de uma pessoas eram um pouco rudes e ninguém queria ser
dimensão particular e levá-la a uma dimensão pública, fotografado ou mesmo falar comigo”. Uma de suas
colaborando para a informação e até mesmo atenuando estratégias para não pensar no quão frustrante é não
um sentimento de pânico. poder viajar e explorar o país como uma fotógrafa é
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