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Aline Motta, (Outros) Fundamentos #3, 2017-2019



            porque reconhecemos a chamada arte euro-         como a exigência de “releitura crítica dos modos
            brasileira como sendo apenas arte brasileira?    de representação”, a “revisão das políticas de
            Segundo a artista e pesquisadora Grada           branqueamento” e o “combate do anonimato” de
            Kilomba,  isso não ocorre por acaso. De acordo   diversos artistas.
            com a autora, a universalização e predominância    Evidenciar tal disparidade no tratamento dado
            da pessoa branca nas artes é parte de uma        a determinados grupos torna-se importante e
            construção ideológica, colonial e racialista que   urgente. Presenciamos nas últimas semanas
            define  o ser branco e europeu como o padrão das   debates em torno dos racismos e as disparidades
            narrativas do mundo, atribuindo a ele noção de   sociais que afetam a vida das pessoas negras no
            neutralidade e normalidade. Em contraposição,    mundo. Desde o dia 25 de maio, data do assassinato
            abordam os demais como específicos e diferentes,   do afro-estadunidense George Floyd, um intenso
            elaborando nesse “outro” a sua oposição. Esse    conjunto de ações demonstraram a necessidade
            debate foi realizado recentemente pelo curador e   de combate ao racismo estrutural e sistemático
            pesquisador Hélio Menezes, em sua dissertação    como uma responsabilidade de toda a sociedade
            de mestrado Entre o visível e o oculto: a construção   contemporânea. Nesse período, diversas instituições
            do conceito de arte afro-brasileira, defendida em   utilizaram suas redes para demonstrar apoio a
            2018, na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências   campanha Black lives matter, inclusive instituições e
            Humanas da Universidade de São Paulo. Para ele,   profissionais das artes.  Entretanto, mais que apoio
            as discussões sobre os “direitos civis, identidade   verbal, a luta antirracista precisa de ações efetivas
            negra, combate às desigualdades racializadas     e permanentes, que, no campo das artes, vão para
            de renda e de acesso a bens e serviços, direito   além de escrever uma mensagem nas redes sociais,
            à memória e a diversidade têm se avolumado       incluir um artista em uma exposição, citar um autor
            na agenda política do país”,  e, no campo das    ou ser amigo de alguém cuja identidade foi marcada
            artes, têm sido reivindicadas por algumas vias,   pela racialização. Essas ações são válidas e merecem

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