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ARTIGO COLONIZAÇÃO NA ARTE








            o reconhecimento, mas precisam ser ampliadas para  gênero feminino. Um vasto grupo de produções,
            que possam alcançar dimensões que modifiquem as  linguagens, idades, origens e identidades, são
            estruturas e dinâmicas do funcionamento das artes  mulheres que se destacam na cena contemporânea,
            no país. É necessário que, tanto no micro quanto  mas que ainda enfrentam barreiras para se
            no macro, façamos a defesa de políticas que gerem  estabelecerem. No caso das artistas negras, o
            permanência da mudança.                         desafio é ainda maior. Em 2018, o Coletivo Mulheres
               Nessa perspectiva, destacamos aqui algumas   Negras nas Artes realizou uma pesquisa acerca das
            iniciativas recentes que têm apontado caminhos   participações de mulheres negras em três edições
            possíveis para o combate a hegemonia branca nas   da Bienal de São Paulo (30ª, 31ª e 32ª). Segundo o
            artes brasileiras. Com projetos que falam para além   coletivo, dos 390 artistas que participaram das três
            das já conhecidas ausências, pesquisadores, artistas   edições, 154 eram brasileiros, 45 mulheres, e, desse
            e curadores, principalmente negros, indígenas e de   total, apenas 4 eram negras.
            ascendência asiática, se empenham em trabalhos     O número é assustador. Mas, para a curadora
            que constroem um cenário artístico crítico e diverso.   Fabiana Lopes, apontar esses percentuais, apesar
            São projetos que primam pelo profissionalismo e   de importante, é insuficientes se não houver um
            conhecimento de pesquisa em arte, que revelam   compromisso de ir além da estatística. Segundo
            novos processos para as artes contemporâneas e   a curadora, “a produção intelectual e artística de
            suas movimentações.                             autoria negra oferece um vasto campo de referências
               A 12ª Bienal do Mercosul é um exemplo salutar.   que contribuem para um entendimento expandido
            A mostra, que em decorrência da pandemia de     da arte brasileira, além de deixar pistas importantes
            Covid-19 está sendo realizada virtualmente, por meio   sobre o contexto social contemporâneo”. Para ela,
            de uma plataforma online, conta com a curadoria   “pensar a equidade no espaço expositivo deve ser
            geral da argentina Andrea Graciela Giunta e tem   responsabilidade de todo curador comprometido
            como título Feminino(s). visualidades, ações e   com uma transformação social tão necessária”.
            afetos (leia na pág. 10). Para essa edição, a   Por outro lado, “o compromisso com equidade não
            curadora formou uma equipe composta por mais    deve nos deter de um aprofundamento nos debates,
            três curadores adjuntos, Dorota Biczel, Fabiana   referências e propostas que tal produção apresenta,
            Lopes e Igor Simões,  sendo dois deles negros.   nem nos privar de engajar numa leitura generosa e
            Além da contribuição relevante que esse curadores   ampliada que essa produção merece”.
            deixam para o projeto da bienal, suas presenças    Outra ação recente que merece destaque é o
            já são históricas por ser uma das poucas vezes   Projeto Afro, uma plataforma digital idealizada e
            que a equipe curatorial de uma bienal no Brasil foi   criada pelo pesquisador Deri Andrade. Lançado
            composta 50% por curadores negros. Esse dado    em 21 de junho, o site tem como propósito ser um
            é simbólico, representativo e respeitoso com a   local de armazenamento e difusão do estudo das
            população brasileira, composta majoritariamente por   produções de autoria negra, tanto práticas quanto
            pessoas negras.                                 teóricas, servindo para experimentações e mutações
               Apesar desse avanço, ainda há muito o que ser   curatoriais e artísticas. Segundo Andrade, o Projeto
            feito. Tanto a Bienal do Mercosul  como a Bienal de   Afro “servirá para consulta e divulgação da produção
            São Paulo, as duas maiores exposições com esse   artística do país, entendendo a produção de autoria
            perfil no país, nunca contaram com a curadoria geral   negra como fundamental na compreensão das
            de uma pessoa negra. Essa é uma discussão antiga,   artes brasileiras, atribuindo a elas um tratamento
            uma questão já levantada por diversos curadores,   adequado as suas complexidades e especificidades”.
            mas que, insistentemente, se repete.            O pesquisador acrescenta que “a abertura do
               Além de marcar a presença de profissionais   site já estava em desenvolvimento e que foi uma
            negros na equipe curatorial, a 12ª Bienal do    grande coincidência que o seu lançamento viesse ao
            Mercosul conta também com a histórica lista     encontro com o atual período de manifestações
            de artistas majoritariamente composta pelo      antirracistas”. Para ele, o Projeto Afro é “uma via

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