Page 65 - ARTE!Brasileiros #51
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refletir em seu trabalho sobre a situação que estamos Tal proximidade não é apenas física. Em seus tra-
vivendo sem sair de sua casa, seu bairro ou sua cidade. balhos publicados nesta matéria, Rodrigo Abd lida
Não só a sua segurança, mas a de outras pessoas é com o tema da morte, tanto em seus registros nos
algo desafiador nesse processo criativo. cemitérios Nueva Esperanza e El Angel quanto na mis-
O brasileiro Victor Moriyama concorda, ao notar sa rezada pelo Arcebispo Carlos Castillo. Ao retratar
que “por mais que nós tomemos os cuidados, há sem- temas delicados como esse, ele preza: “Sempre tente
pre uma preocupação, um medo de contrair o vírus, se aproximar deles [os retratados] antes de começar
de contaminar outras pessoas, isso é extremamente a fotografar”. Abd confessa que isso o ajudou a ser
preocupante: você ser um transmissor silencioso”. Para bem-vindo a fotografar um momento de muita dor
ele, o risco de contágio faz com que fotografar no meio que é um enterro. “No cemitério de Nueva Esperanza,
da pandemia traga um perigo análogo ao de cobrir um conversei bastante com os parentes das vítimas fatais
conflito, embora o compromisso com o jornalismo o de Covid-19. É essencial para mim explicar às pessoas
mantenha motivado a continuar. Moriyama integrou a a importância da fotografia para criar uma memória
iniciativa Covid Latam, criada pelo fotógrafo Sebastian histórica sobre o que acontece conosco como socie-
Gil Miranda, que une 18 fotógrafos de 13 países na Amé- dade. Isso abre portas, os parentes entenderam muito
rica Latina com o propósito de fornecer uma cobertura bem, por exemplo.”
mais ampla e concreta, como também apoiar o trabalho Embora tenham abordagens diferentes, esses fotó-
desses profissionais. grafos compartilham uma característica que é evitar o
Cobrindo o Covid no Irã, Arash Khamooshi reflete uso do choque como recurso narrativo. Fazendo isso
sobre o valor histórico da fotodocumentação da eles negam dizer o que nós devemos sentir e nos per-
crise: “As fotos que tiramos durante a pandemia mitem sentir coisas que nós não entendemos muito
para capturar esses momentos definitivamente bem, como afirmou a teórica cultural Susie Linfield. “Às
terão um valor maior no futuro. O mundo moderno vezes, tenho que ser direto com o meu público através
não passou por nada assim. Talvez possamos com- das minhas imagens para alertá-los” afirma Khamooshi,
pará-lo à pandemia de gripe de 1918, mas estamos complementando: “Eu não acho que é preciso fazer
experimentando algo diferente”. Ele relata que teve uma imagem chocante para mostrar isso. Em geral, a
que se adaptar a todas as medidas de segurança: presença de pessoas nas minhas fotos é muito deter-
máscara e luvas o tempo todo. Mas revela que se minante”. Essa escolha, para Abd faz com que a leitura
tivesse que se aproximar para ter um retrato mais das imagens pelo observador seja enriquecida, porque
autêntico ele faria o necessário. “Talvez seja isso nos força a pensar sobre o registro, ao contrário das
que gera empatia, não apenas com o retratado, mas imagens meramente descritivas que “convidam a um
também com quem vê a fotografia”. consumo rápido e passivo”.
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