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NAS BORDAS VERAS
Quando fala do Veras, Mattos costuma
referir-se no plural, “nosso projeto”, o que
inclui sua companheira e outros quatro
amigos, “que não são do campo da arte”
jurídica da maioria dos museus privados no aproximar experiências antes experimentadas
Brasil”, como define o curador. apenas no contato com buscadores de cami-
O edifício de 1.100 m foi concebido pelos nhos espirituais. Foi quando me deparei com
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escritórios Terra e Tuma Arquitetos Associados a obra de artistas que pareciam ir no mesmo
e Gabriella Ornaghi Arquitetura de Paisagem, sentido e tive a sensação de pertencer a uma
ambos de São Paulo. Terra e Tuma ganhou, em vasta comunidade”, afirma o curador.
2016, o prêmio de melhor casa do mundo pelo Para ele, referências para o trabalho no novo
ArchDaily, graças à moradia de Dona Dalva, na centro cultural serão, entre outros, os experimen-
Vila Matilde. tos de Joseph Beuys (1921 – 1986), o misticismo
O nome Veras vem da rua onde ele se de Mondrian (1872 – 1944) ou de Agnes Martin
encontra, Vera Linhares, no centro da Ilha (1912 – 2004), a condição clínica dos últimos
de Florianópolis, que não coincide com o experimentos de Lygia Clark (1920-1988) assim
centro da cidade, mas está a 500 metros como o criador dos happenings, Allan Kaprow
das duas universidades públicas da capital, (1927 – 2006) ou o suprassensorial Hélio Oiticica
a Federal e a Estadual. Contudo, Veras tam- (1937 – 1980) com a arte ambiental. Da atualida-
bém poderia ser uma referência aos Vedas, de, ele aponta Jorge Menna Barreto, “que fez
os quatro livros que formaram o sânscrito e da escultura social do Beuys o que ele chama
de onde, de fato, vem a inspiração para os escultura ambiental, envolvendo comunidades
quatro pilares conceituais do espaço: ciên- pouco convencionais no sistema de arte”, Mônica
cia, filosofia, Yoga e arte. “Nos Vedas, elas Nador, com sua noção de autoria compartilha-
são as bases que sustentam uma comuni- da, Sandra Cinto, Ernesto Neto, Bené Fonteles,
dade”, explica Mattos. No Veras, no entanto, Rodrigo Bueno, com quem preserva fortes elos.
foi feita uma tradução livre de dois desses No campo das exposições, “o que a gente
conceitos: ciência foi alterada para educação pretende desenvolver aqui são imersões de
e sustentabilidade ficou no lugar de filosofia. alguns artistas com a comunidade, muito pouco
Mattos observa que, no Brasil, essa trans- familiarizada com o estatuto desse artista que
versalidade já ocorre em outros espaços cultu- não precisa desenvolver objetos”, afirma. Uma
rais, como o SeSC. “Eu acredito muito na trans- referência é a bienal Manifesta, que ocorreu em
versalidade como forma de superar o desafio de Zurique, em 2016, onde artistas foram criar pro-
formação de público em nossa região”, conta jetos na cidade. “Em Florianópolis, nós temos
o curador, a partir de sua experiência como quarenta e poucas praias, duas comunidades
diretor do Museu de Arte de Santa Catarina rurais, um centro urbano minimamente desen-
por dois anos, em 2017 e 2018. Ele saiu de lá volvido, e a questão é como criar mecanismos
para uma residência artística no Japão. de arte contemporânea que façam valer essa
topografia singular. O que nós queremos é
Diálogos dar voz a artistas que estejam dispostos a criar
“Quando decidi dar início ao processo de con- relações e promover diálogos, independente
cepção de um centro cultural, então solitário de se o que for realizado possa ser chamado
e silencioso, não podia imaginar quanto o de arte, porque creio que essa questão hoje
contato com a História da Arte me permitiria não é mais pertinente”, conclui.
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