Page 23 - ARTE!Brasileiros #50
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percebida, tanto numa obra realizada já em 1923 – vista   esse tipo de posicionamento do crítico tenha refreado
                  de Veneza – quanto em produções posteriores, como   o interesse de Tarsila em levar adiante esse tipo de
                  uma paisagem com guindaste, de 1924 ou uma vista   produção. No entanto, os projetos de pinturas estão ali
                  de Pireu, de 1926.                              na Coleção, à espera de alguém que tope enfrentá-los
                  Reside justamente nessas possibilidades para um   enquanto ideias/projetos frustrados ainda no nascedouro.
                  entendimento mais complexo do percurso de Tarsila   ***
                  a importância da Coleção. O autorretrato, produzido   Essas questões levantadas acima a partir dessa
                  em 1923, por exemplo. Esse desenho é emblemático da   coleção de obras de Tarsila são apenas algumas de um
                  capacidade da artista em transitar (ou oscilar?) entre a   conjunto muito maior e repleto de potência, no sentido
                  busca de uma grafia inaudita (fruto da miscigenação   de um conhecimento mais aguçado sobre a produção
                  de procedimentos heterodoxos) – caso das paisagens   da artista durante os anos 1920. No entanto, caberia a
                  citadas acima – e a ratificação dos valores do “bom   pergunta: o que nos resta de Tarsila, além dessa produ-
                  desenho” tradicional, embora informado, é claro, por  ção tão rica do início de carreira? Ora, a meu ver, nada
                  certas lições modernistas (convencionais, mas ainda   nos sobra, mas o que a artista produziu durante aquele
                                   [4]
                  assim, modernistas) .                           curto período de mais ou menos uma década, vale por
                  Outro conjunto importante nesse contexto é aquele de   uma obra inteira.
                  estudos não-figurativos produzidos por ela em 1923 e   Circunscrever a obra de Tarsila entre 1923 e, mais ou
                  1925. Tarsila teria levado para a tela algum deles? Creio  menos, 1933, não significa querer instrumentalizar sua
   FOTOS: HUGO CURTI  que não. O apoio da crítica brasileira tinha limites claros   produção para que ela possa bem servir aos ditames

                                                                  de uma historiografia modernista já muito entrada nos
                  e para Mario de Andrade, por exemplo, nenhum artista
                                                        [5]
                  brasileiro deveria “descambar” para a abstração . Talvez  anos. Trata-se de marcar os limites objetivos (e imensos,
                                                                                                              23





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