Page 18 - ARTE!Brasileiros #50
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BIENAIS MERCOSUL



                    margens, mas também se pode fazer isso nos       AG – Sim, apenas uma, já que não quero diminuir o
                    próprios espaços que concentram o poder. Por     anúncio dxs artistas: Rosana Paulino, que mais que
                    que renunciar aos museus? Com Ferrari no Centro   bordar, sutura. Ela usa a agulha e a costura como uma
                    Cultural Recoleta, com Mulheres Radicais no Ham-  poderosa marca simbólica da opressão, o racismo e
                    mer, Brooklyn e Pinacoteca de SP, conseguimos    a violência contra as mulheres negras no Brasil. Ela
                    friccionar o poder da Igreja, do patriarcado e dos   nos revolta em relação a serenidade do doméstico.
                    discursos misóginos encarnados no poder político.   Faz suas costuras com os arquivos do racismo das
                    Nunca desvalorizo que as obras atuem frente a    fotografias de Auguste Stahl [1824–1877] compi-
                    cem mil espectadores para privilegiar um círcu-  ladas por Louis Agassiz [no livro Viagem do Brasil,
                    lo de 25 agentes culturais que sustentam uma     1865/6], na pretensão da ciência europeia do século
                    pequena conversação. Workshops, seminários,      19, que se articulou como instrumento do racismo.
                    residências são laboratórios extraordinários, que   Ela cruza esta crítica fundamental para entender o
                    utilizamos na preparação da bienal, e o programa   Brasil (a violência da raça, não a harmônica coexis-
                    educativo foi uma plataforma constante em 2019,   tência) com as agendas do feminismo, a violência
                    mas não tememos nem descartamos os espaços       contra os corpos das mulheres negras. E também
                    irradiantes dos museus.                          é fundamental seu foco no cânon da história da
                                                                     arte brasileira, uma arte que se coleciona e hie-
                  Entre os cinco femininos elencados no site da bie-  rarquiza como exemplo da união entre abstração
                  nal, — aliás, por que não femininas? —, o #2 fala de   e progresso. Conceitos de limpeza e assepsia que
                 “todas as sensibilidades não binárias, fluidas, não   ocultam a tragédia da escravidão cujas matrizes
                  normativas”.  Galerias de arte estão começando     seguem vigentes.
                  de forma muita lenta e discreta um processo de
                  inclusão de artistas não binárias. Como foi realizar   Lucy Lippard, em um lindo texto para a Bienal
                  esse mapeamento fora do circuito comercial?     Sesc_Videobrasil, defende a necessidade de redu-
                    AG – Atribuímos à palavra do título muitos sentidos.  zir escalas como forma de se contrapor ao atual
                    Os femininos porque o feminino não é assunto ape- sistema econômico-social. Bienais costumam ser

                    nas de mulheres.  Femininas reforçaria o binarismo.  eventos em grade escala. É possível ou mesmo
                    Creio que é falso que as galerias estão incorporando   necessário repensar esse formato de Bienal?
                    artistas não binarias. O mundo da arte tem mar-  AG – Compartilho plenamente com a ideia de Lucy
                    ginalizado sujeitos que transitam por identidades   Lippard. Iniciativas opostas ao espetáculo contri-
                    fluidas. Menos na arte contemporânea. O que a arte   buem para implodir as bases simbólicas do sistema
                    e o mercado estão fazendo é incorporar sujeitos que   econômico-social dominante. Sempre me interessei
                    se empoderam a partir de identidades não binarias,   pelo poder do precário, em até que ponto uma obra
                    fluidas, não normativas. Então eles as tematizam,   que se afasta da abundância que se pode ver nos
                    investigam desde matrizes filosóficas, e o fazem   parques temáticos das instalações possui um poder
                    em primeira pessoa. Cabe voltar a nos perguntar   de fricção que não se baseia em seu tamanho, mas
                    se o mercado domestica. Ao mesmo tempo, tam-     em seus afetos. Com afetos, poderosas revoltas
                    bém me interessa a lenta inclusão no mercado de   foram criadas.
                    artistas negros, de artistas afro latino-americanos.   Ao mesmo tempo, as bienais são espaços de inter-
                    É um processo tão incipiente que o poder do mer-  venção pública, que não parece estratégico aban-
                    cado não pode ainda suavizar seu criticismo, sua   donar. Não creio que articular uma bienal como
                    intensa revolta. Estamos ante uma situação nova   crítica às bienais agregue ao poder crítico da arte na
                    por completo. Estou cheia de expectativas frente   sociedade. Se trata de uma crítica institucional que
                    a este cenário, que considero o mais estimulante   por comunicar-se com um círculo muito reduzido e
                    da arte brasileira.                              privilegiado pode terminar engolida em sua lógica
                                                                     estratégica. Temos visto bienais com poucas obras,
                 Já no #4 dos femininos, você fala de “materiais e   frias, distantes. Não vejo interessantes os exercícios
                  técnicas tradicionalmente atribuídos às artes do   curatoriais retóricos ou se fechar em uma bienal
                  feminino”. Você pode dar exemplos de artistas ou   para debater com um círculo seleto de especialistas.
                  obras com essa premissa?                           Esses temas, prefiro discutir em um café.


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