Page 17 - ARTE!Brasileiros #50
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Desde 2018, quando estabelecemos dois dos eixos bastante histórico. O que devemos esperar da
da bienal, o feminismo e a cultura afro-brasileira, 12ª Bienal?
inauguramos na Feira do Livro de Porto Alegre o AG – Mulheres Radicais, sim, tinha uma perspectiva
seminário “Arte, feminismos e emancipação”, com histórica. Um de seus propósitos era desenterrar
artistas, curadores e agentes culturais de diversos artistas mulheres que tinham sido erradicadas das
campos. As apresentações ali realizadas foram a histórias oficiais. Não foi assim em Verboamérica,
plataforma crítica inicial da bienal. onde desordenamos a história. A bienal é distinta.
Porto Alegre não é uma cidade airbnb . 70% da bienal Posso antecipar que há obras históricas e obras de
ocorre ao redor de uma praça repleta de gente que artistas muito jovens. Mas o que nos interessou não
vive e trabalha na cidade. Ao redor dessa praça se foi cobrir uma grade de países ou de idades. Nos
sucedem infinitos tempos. Não interessa tanto o interessa pensar uma proposta de problemas e nos
lugar de Porto Alegre no mapa geopolítico mundial, aproximarmos também a uma experiência de beleza.
mas o lugar que vai ter arte, durante quatro meses, Gozo e pensamento. É isso que queremos oferecer ao
no coração de uma cidade de um milhão e meio de público de Porto Alegre e a quem vier visitar a bienal.
habitantes. Durante 2019, o programa educativo,
que tem uma extraordinária tradição nesta bienal, O feminismo, e mais especificamente o feminismo
pôs em funcionamento um tornado de perguntas negro vem se tornando um movimento de crítica
que permitiram tornar visível o que vemos, o que às teorias pós-coloniais e provocando um impor-
pensamos, o que sentimos. tante empoderamento de mulheres artistas até
então apagadas na história da arte. Você vem
O termo Mercosul já foi problematizado em algu- realizando importantes mostras que repensam
mas edições da Bienal. Você pretende fazer um as narrativas oficiais da história da arte. Como
recorte de artistas que abarca essa região ou o feminismo negro se insere nesta Bienal?
também será flexível para ira além das frontei- AG – Gostaríamos que essa fosse a contribuição mais
ras geográficas limitadas pelo acordo comercial? forte da bienal. Negro, não exclusivamente feminista.
AG – O Mercosul está amplamente representado Uma arte realizada por femininos negros, comple-
na bienal por artistas brasileiros, argentinos e, em tamente expulsos da história patriarcal, racista e
menor medida, uruguaios. Mas nos interessou mais classista que domina o conceito de arte moderna
trabalhar a ideia de região cultural do que região e contemporânea: uma geografia do poder que
estabelecida por um acordo econômico. Neste universalizou, impondo-se como parâmetro frente
sentido, é importante a participação do Chile, e ao qual todas as outras formas de pensamento
também de Peru, Equador, Bolívia. Consideramos e de afeto que envolvem a arte ficam marcadas
também artistas do Caribe. Além de interrogar as como “casos”, “curiosidades”, “exceções”, “parti-
representações dos feminino(s), nos interessou a cularidades”. Não vamos falar de nosso projeto em
aproximação aos legados coloniais, que se tradu- porcentagens, apesar de ser muitas vezes que se
zem em termos de estereótipos ou de racismos, espera de uma bienal, mas queremos apresentar
e que tragam geografias culturais que envolvam ao público um conjunto de obras completamente
a América em sua totalidade. Uma perspectiva envolvidas com aqueles que representam mais da
decolonial, uma perspectiva hemisférica e uma metade da população latino-americana. A cultura e
perspectiva transatlântica e transpacífica, em meio a linguagem sofisticada das artistas afro-brasileiras
a tantos estereótipos que servem de fundamento terão uma ampla presença na bienal.
ao racismo e à discriminação, não são exclusivos
da América e menos do Mercosul. Neste sentido, A Bienal ocupa espaços tradicionais da arte em
há uma presença estratégica de artistas da Europa, Porto Alegre, como o Museu Iberê Camargo, o
Ásia, África considerados mais em função do con- Margs, o Memorial do RGS e mesmo o CHC Santa
ceito de diáspora que de geografias continentais. Casa. A exceção é a praça da Alfândega. Como se
pode “friccionar limites e condicionamentos” e
Mostras como Mulheres Radicais ou mesmo a “inventar novas formas de fazer, dizer, pensar e
reorganização do acervo do Malba (Verboamérica), criar” em espaços tão convencionais?
que tiveram sua participação, tinham um caráter AG – É possível intervir no poder a partir das
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