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BIENAIS SÃO PAULO
Conversa com a artista Ximena
LINGUAGEM PRÉ-INCAICA
Garrido-Leca, na ocasião da
abertura da sua mostra na
Bienal de SP em 2020. A artista
fala da obra Insurgências
Botânicas: Phaseolus Lunatus
por patriCia rousseaux
Quando surgiu a ideia de desenvolver
esse projeto?
No ano de 2010 visitei a ruína de Pachacamc ,
[1]
perto de Lima. Conversando com o arqueólogo
soube que durante as escavações tinham encon-
trado sementes da espécie Phaseolus Lunatus
brancas e pretas, que não eram nada comuns e
que tinham se perdido. Estavam pensando em
reinseri-las na cultura. Nesse momento ele me
deu várias sementes de presente.
A partir dai fiquei muito curiosa sobre a his-
tória, e comecei a pesquisar. De fato, essas
sementes, espécie de feijões, tinham sido
representadas em várias culturas peruanas,
pré-hispânicas em cerâmicas e peças têxtis,
especialmente na cultura Moche, a cultura
Mochica. Outro arqueólogo, Rafael Arcofuego,
a princípios do século XX desenvolveu uma
teoria onde estas representações seriam um
sistema de escritura. Existem outras teorias No alto, caixa de mdf com sementes: cerâmica
refutando esta ideia, dizendo que não, que e pintura acrílica. Acima, Estrutura hidropônica
seriam jogos ou parte de um ritual agrário, mas e plantas da espécie Phaseolus Lunatus
eu decidi me focar na sua teoria. Ele sustenta
que cada paillard de sementes representa
uma ideia, não seriam ideogramas e sim um uma espécie de manual da colônia de como
sistema de comunicação simbólico. erradicar os costumes indígenas.
Teria existido 100 a 850 a.C., e isso confir- Tomei um capítulo, o Edicto contra la ideola-
maria a ideia de ter existido sim, uma outra tria, que narra os costumes, os rituais e como
escritura peruana, antiga, pré-incaica. aplicar os castigos.
Assim, decidi pesquisar mais e montar um A partir daí, fui montando grupos gráficos
projeto baseado em traduzir um texto colo- com as sementes reproduzidas em cerâmica.
nial, La extirpación de la ideolatria en el Peru, Construindo um novo texto gráfico, a partir de
escrito por Pablo José de Arriaga em 1621, conjuntos de morfologia e de cor.
[1] A cidade foi construída por volta de 200 a.c. Seu nome é uma referência ao “Pacha Kamaq”, deus criador
da Terra segundo a crença da população local pré-inca. Pachacamac foi um importante centro administrativo FOTOS: PATRICIA ROUSSEAUX
e religioso para grandes civilizações pré-coloniais em períodos distintos, como os Limas, os Huaris e, por
final, poderosos Incas; até ser totalmente saqueado e destruído pelos espanhóis. Hoje, 500 anos depois,
os esforços para reconstruir suas inúmeras pirâmides, templos, praças e casas são incessantes.
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