Page 14 - ARTE!Brasileiros #50
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BIENAIS SÃO PAULO


                                  Conversa com a artista Ximena
                          LINGUAGEM PRÉ-INCAICA
                                  Garrido-Leca, na ocasião da
                                  abertura da sua mostra na
                                  Bienal de SP em 2020. A artista
                                  fala da obra Insurgências
                                  Botânicas: Phaseolus Lunatus


                                  por patriCia rousseaux



                                  Quando surgiu a ideia de desenvolver
                                  esse projeto?
                                  No ano de 2010 visitei a ruína de Pachacamc ,
                                                                      [1]
                                  perto de Lima.  Conversando com o arqueólogo
                                  soube que durante as escavações tinham encon-
                                  trado sementes da espécie Phaseolus Lunatus
                                  brancas e pretas, que não eram nada comuns e
                                  que tinham se perdido. Estavam pensando em
                                  reinseri-las na cultura. Nesse momento ele me
                                  deu várias sementes de presente. 
                                   A partir dai fiquei muito curiosa sobre a his-
                                  tória, e comecei a pesquisar. De fato, essas
                                  sementes, espécie de feijões, tinham sido
                                  representadas em várias culturas peruanas,
                                  pré-hispânicas em cerâmicas e peças têxtis,
                                  especialmente na cultura Moche, a cultura
                                  Mochica. Outro arqueólogo, Rafael Arcofuego,
                                  a princípios do século XX desenvolveu uma
                                  teoria onde estas representações seriam um
                                  sistema de escritura. Existem outras teorias   No alto, caixa de mdf com sementes: cerâmica
                                  refutando esta ideia, dizendo que não, que    e pintura acrílica. Acima, Estrutura hidropônica
                                  seriam jogos ou parte de um ritual agrário, mas   e plantas da espécie Phaseolus Lunatus
                                  eu decidi me focar na sua teoria. Ele sustenta
                                  que cada paillard de sementes representa
                                  uma ideia, não seriam ideogramas e sim um   uma espécie de manual da colônia de como
                                  sistema de comunicação simbólico.       erradicar os costumes indígenas. 
                                   Teria existido 100 a 850 a.C., e isso confir-  Tomei um capítulo, o Edicto contra la ideola-
                                  maria a ideia de ter existido sim, uma outra   tria, que narra os costumes, os rituais e como
                                  escritura peruana, antiga, pré-incaica.  aplicar os castigos.
                                   Assim, decidi pesquisar mais e montar um   A partir daí, fui montando grupos gráficos
                                  projeto baseado em traduzir um texto colo- com as sementes reproduzidas em cerâmica.
                                  nial, La extirpación de la ideolatria en el Peru,  Construindo um novo texto gráfico, a partir de
                                  escrito por Pablo José de Arriaga em 1621,  conjuntos de morfologia e de cor.



                                  [1] A cidade foi construída por volta de 200 a.c. Seu nome é uma referência ao “Pacha Kamaq”, deus criador
                                  da Terra segundo a crença da população local pré-inca. Pachacamac foi um importante centro administrativo   FOTOS: PATRICIA ROUSSEAUX
                                  e religioso para grandes civilizações pré-coloniais em períodos distintos, como os Limas, os Huaris e, por
                                  final, poderosos Incas; até ser totalmente saqueado e destruído pelos espanhóis. Hoje, 500 anos depois,
                                  os esforços para reconstruir suas inúmeras pirâmides, templos, praças e casas são incessantes.

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