Page 24 - ARTE!Brasileiros #50
P. 24
ENSAIO TARSILA
aliás) da sua contribuição para a arte produzida no Brasil,
sem que nos preocupemos com questões exteriores à
obra de arte e suas especificidades. É claro que suas
produções, após Operários (1933), podem ser enten-
didas como “documentos históricos”, tornando-se
fundamentais para historiadores e sociólogos, ou para
historiadores da arte preocupados mais com a vida e
o entorno dos artistas, do que com suas produções,
de fato. Porém, não deveriam ser tidas como obras
de arte dentro dos mesmos padrões de sua produção
dos anos 1920. Tentar relativizar a distância imensa
que separa esses dois grupos de produções, do ponto
de vista artístico e estético, pode resultar em curiosas
biografias, assim como em bons negócios financeiros,
mas dificilmente será suficiente para que, num cotejo
entre uma obra dos anos 1920 e outra dos anos 1950,
por exemplo – mesmo que “pau-brasil” as duas – as
diferenças não sobressaiam de maneira avassaladora.
As diferenças entre os mais importantes anos da
carreira de Tarsila (entre 1923 e 1930) e o despencar de
sua atitude perante a pintura moderna, (iniciado com
sua fase “social”, do início dos anos 1930) é tão grande,
mas tão imensa, que é até possível afirmar que sua
obra, de fato, cumpre menos de uma década. Quando
muito – se quisermos ser generosos –, poderiam ser financeira abastada, ela teria produzido o que produziu
acrescentados mais uns anos, para que se agregue ao porque, afinal, precisava trabalhar para sobreviver e
corpus de suas pinturas “que contam”, a tela Operá- assim por diante. Muitas outras alegações poderiam
rios – seu já combalido, mas definitivo, canto do cisne. ser levantadas aqui para explicar seu malogro, mas
O que ocorreu com sua produção, do início dos anos sejam quais forem os atenuantes, o fato é que nenhum
1930 em diante foi uma paulatina, mas fatal desagregação deles será encontrado fora da condução que a artista
das qualidades que Tarsila conseguira juntar em suas deu para o encadeamento de seu trabalho. Após 1930
pinturas e desenhos da década anterior. De Operários em nota-se que Tarsila simplesmente não conseguiu manter
diante só ocorreram tentativas sempre não exitosas de a pertinência de suas fases anteriores, e nem mesmo
fazer reviver suas fases “antropofágica” (ver algumas de as várias retomadas dessas fases foram capazes de
suas pinturas dos anos 1940) e “pau-brasil” (em que Tarsila fazerem reviver seu antigo vigor, porque foram revisões
insistirá até praticamente seu falecimento), entremeadas fracas, sem nenhuma autoconfiança.
por pinturas em que, ora flertava com o realismo social Anita Malfatti também sofreu processo semelhante,
portinaresco, ora com certo primitivismo, ou então com mas com diferenças importantes. Embora muitos ates-
um franco apelo conservador, “acadêmico”. tem que, após 1917, ela não alcançaria mais a potência
Existem justificativas para essa dissolução: a partir que antecedeu as exposições que fez naquele ano, é
dos anos 1930, Tarsila não teria sido mais tão incentivada importante lembrar que já no final daquela década e até
como de início, em que sua pintura contou com o apoio os anos 1930, Anita pelejou para redirecionar sua poética
de alguns dos mais importantes nomes do Modernismo; para rumos distanciados das vanguardas históricas (com FOTOS: HUGO CURTI
após aquela data, destituída de sua antiga situação quem flertara entre 1910 e 1916/17), unindo-se ao retorno
24
08/04/2020 23:03
BOOK_ARTE_50.indb 24 08/04/2020 23:03
BOOK_ARTE_50.indb 24