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EXPOSIÇÕES SÃO PAULO
o prédio do MAM do Rio e exigiram o cancelamento da
exposição. Inclusive houve o início de um inquérito policial
militar envolvendo todos os artistas. E eu, que naquela
exposição tinha trabalhos formais, sem cunho político,
a partir dali me senti quase na obrigação de me referir a
essas questões políticas na minha obra”, recorda.
Ao relacionar o contexto atual e o período ditatorial, o
artista se diz indignado com os episódios recentes de
censura e com o tipo de tratamento que a cultura tem
recebido do governo. “A gente está testemunhando
esse tipo de coisa, um idiota como esse cara que era da
Funarte (o atual secretário de cultura Roberto Alvim) vir
à público dizer que a Fernanda Montenegro é sórdida e
0 A 9, SÉRIES B E 4B, 1996, COMPOSTO POR TRENAS COMUNS DE MADEIRA mentirosa. Ela que é uma espécie de tesouro nacional.
E vem um carinha qualquer e acha que pode defecar em
público. Isso se tornou a característica desse governo”.
E ele conclui: “Mas tem uma lei de física que diz que à
durante os anos da ditadura militar (1964-1985), Cildo é toda compressão corresponde uma explosão. Então
enfático ao denunciar os abusos do atual governo federal quanto mais você espremer uma coisa, vai provocar
e as semelhanças com o período militar. “Mas esse de uma reação maior, isso é uma coisa básica”.
hoje é ainda mais sinistro e mais ridículo, porque é de
uma ingenuidade paradigmática”, dispara. A repetição Cildo Meireles: Entrevendo
da história nas mortes do jornalista Vladimir Herzog, em Até 2 de fevereiro de 2020
1975, e da vereadora Marielle Franco, em 2018, ambos Sesc Pompeia
frutos de perseguições políticas, aparece nas célebres Rua Clélia, 93, São Paulo
Entrada gratuita
Inserções em Circuitos Ideológicos, série iniciada pelo
artista em 1970 e desenvolvida até os dias de hoje.
Ao carimbar, durante a ditadura, cédulas de cruzeiro com
a pergunta “Quem matou Herzog?” e, nos dias atuais,
notas de real com o rosto de Marielle, Cildo propõe INSERÇÕES EM CIRCUITOS IDEOLÓGICOS: PROJETO CÉDULA, 2019
colocar em giro símbolos, críticas sociais ou palavras
de ordem em objetos do cotidiano (o projeto começou
com garrafas de Coca-Cola retornáveis), criando uma
espécie de rede de contrainformação em circuitos pre-
existentes. Como explica o próprio artista, as Inserções
têm a capacidade de dar “voz ao indivíduo diante da
macroestrutura”, além de levantar questionamentos
sobre a autoria artística e sobre o lugar da obra de arte,
fora de ambientes especializados.
Ainda que resistente à qualquer enquadramento de seu
trabalho como “arte engajada” – “tenho ojeriza por arte
panfletária”, já disse certa vez – Cildo não receia destacar a
preocupação política presente em sua obra. E conta como
ela surgiu. “Foi em 1969 que eu me senti impelido mesmo a
tratar mais contundentemente de temas políticos”, afirma,
sobre o ano em que participou de uma mostra de onde
seria selecionada a representação brasileira para a Bienal
de Jovens de Paris. “Três horas antes da inauguração, com
a exposição já montada, os agentes do DOPS cercaram
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