Page 52 - ARTE!Brasileiros #49
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EXPOSIÇÕES SÃO PAULO
EUREKA/BLINDHOTLAND, 1970–1975
como tino. E é muito importante entender que na obra intenção de libertar a arte apenas do domínio retiniano.
do Cildo essas formas de percepção do mundo estão Aqui no Brasil, a partir dos anos 1950, sobretudo a par-
aí se afirmando, mas estão também se contradizendo, tir do neoconcretismo, isso se tornou uma coisa muito
se desafiando”, diz ela. importante. Exercitar essa plurisensorialidade passou
Entrevendo, obra que dá título à mostra, propõe que o a ser uma especificidade da produção brasileira a partir
público coloque na boca duas pedras de gelo, uma doce do Oiticica, da Lygia Clark... E algumas das minhas peças
e uma salgada, adentre uma grande instalação cilíndrica também lidam com isso”.
e caminhe em direção a uma fonte de ar quente. O tra- Os contrastes, ambiguidades, paradoxos ou subversões,
balho, projetado em 1970 e realizado pela primeira vez que se mostram também convites à imaginação, são
em 1994, aciona no próprio corpo do visitante diferentes notáveis ainda em outras obras que, por vezes, expli-
sensações e formas de compreensão ao lidar com os citam em seus próprios títulos essas características.
contrastes entre doce e salgado, quente e frio, claro e Seja em Espelho Cego (1970), feito de uma massa cinza
escuro. “E curiosamente é um trabalho que exige muito e disforme sem reflexo; Descala (2003), com escadas
pouco da visão. A ideia de que a visão é o sentido pri- disfuncionais; Volumes Virtuais (1968-969), em dese-
mordial da experiência artística é muito desafiada na nhos que apresentam volumes sem fisicalidade; Esfera
obra do Cildo”, afirma Rebouças. O artista concorda: “No Invisível (2012), com uma caixa de alumínio que, quando
início do século passado, Marcel Duchamp já falava da aberta, sugere uma esfera pela ausência interna de
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