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EXPOSIÇÃO BERLIM
BERLIM REDUZ RADICALIDADE
DE HUBERT FICHTE
EM AMBICIOSO PROJETO ENCICLOPÉDICO, A CASA DAS CULTURAS DO MUNDO
(HAUS DER KULTUREN DER WELT) NÃO TRATA SEXUALIDADE E ESPIRITUALIDADE
COM MESMO VIGOR DAS NARRATIVAS DO AUTOR ALEMÃO
POR DERECK MAROUÇO, EM BERLIM
A EXPOSIÇÃO Amor e Etnologia: A Dialética Colo- 1970, como o Brasil, Portugal e Chile, ele percebe
nial da Sensibilidade (segundo Hubert Fichte) foi o real antagonista de sua História da Sensibilidade:
realizada em homenagem à série de 19 livros do a tortura e a negligência dos direitos humanos.
autor alemão que, juntos, formam um significativo Para a mostra em Berlim, mais de 170 trabalhos
corpo de trabalho sobre suas experiências de foram agrupados de maneira densa, dentre os
viagem, envoltas entre sexo e espiritualidade. A quais encontram-se desde pintores como André
importância de sua narrativa está, além do caráter Pierre (Port-Au-Prince) e Canute Caliste (Trinidad)
documental e em prosa, na força autobiográfica. e artistas representativos do Harlem Renaissance
O projeto contou com o apoio do Instituto Goethe como Camille Billops, Owen Dodson & James Van
e ocorre após edições prévias em Lisboa, Salva- Der Zee à artistas alemães de mídias contempo-
dor, Rio de Janeiro, Santiago e Dakar. Em Berlim, râneas como Michael Buthe. Conta-se ainda um
o projeto tem curadoria assinada por Diedrich bom número de artistas brasileiros na exposição:
Diederichsen e Anselm Franke, que mesclaram Virgínia de Medeiros, Ayrson Heráclito, Miguel
obras exibidas nas exposições anteriores com Rio Branco, Alair Gomes e o Coletivo Bonobando,
novas adições. expostos de forma agrupada, tendo ao fundo obras
Hubert Fichte (1935 - 1986) viveu de forma radical de artistas americanos como Alvin Baltropp e
em uma época crucial da história recente alemã. Tione Nekkia McClodden. Essas duas partes são
Filho de pai judeu, quando criança teve que se permeadas tanto por entrevistas e publicações
esconder em um abrigo antibombas para esca- de Fichte e outros escritores em parceria com
par da ameaça nazista. Ele esteve no Brasil três fotógrafos como Pierre Verger e a companheira
vezes, entre 1969 e 1972, tendo vivenciado nesse Leonore Mau. Outra sessão é dedicada às influên-
período as práticas espirituais afro-brasileiras, cias literárias de Fichte, com livros de Jean Genet,
além de muitas relações homossexuais, mesmo Isabelle Eberhardt, James Baldwin, Pier Paolo
vivendo com uma mulher, a fotógrafa Leonore Pasolini e William S. Borrough, roteiro literário
Mau. É neste contexto que ele começa a constituir que constitui uma genealogia queer.
a sua História da Sensibilidade, baseada na viagem A abertura da exposição contou com a perfor-
como método investigativo, quando experiências mance Preta Jardim / Omindarewa (2017) do grupo
e impressões são chave para um conhecimento Bonobando, apresentada por Lívia Laso, Vanessa
aprofundado de outras culturas. Fichte era um Rocha e Adriana Schneider. Nela, uma mulher
marginal à medida em que ser gay ainda era crime negra cria uma narrativa a partir do ponto de vista
na Alemanha dos anos 1960. Porém, ao viajar da Casa das Minas do São Luís do Maranhão sobre
para países com regimes ditatoriais, na década de o embate entre religiões e culturas, ao mesmo
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