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EXPOSIÇÃO RECIFE






             NHEË NHEË NHEË, GENEALOGIA


             DO ÓCIO TROPICAL





             LÚDICO, CORAJOSO E EXISTENCIAL, MÁRCIO ALMEIDA RECOMENDA
             O ÓCIO PARA CHEGAR A UM MOMENTO CRIATIVO DE VERDADE


             POR LEONOR AMARANTE
















             ESTOU SEM TEMPO! Não podemos perder tempo!        o risco de ser eliminado pelo governo. Não trabalhar
             Esqueça essas expressões antes de entrar na exposi-  formalmente é visto pelo sistema como vagabundagem,
             ção Nheë Nheë Nheë, Genealogia do Ócio Tropical de   preguiça, ócio. Hanna Arendt, em A Condição Humana,
             Márcio Almeida, no Sesc Santo Amaro, no Recife. Tente   nos lembra que todas as palavras europeias para trabalho
             mergulhar no ócio, relaxar e pensar que a vida é uma   significam também dor e esforço - em latim e inglês labor,
             aventura existencial.                             em grego ponos, em francês travail, em alemão Arbeit.
             Se tiver vontade sente ou deite no espaço expositivo,   O que se distingue nessa obra é a forma de combinar
             afinal este pode ser seu momento de descobertas, gozo,   elementos que brotam no espaço expositivo, desde o
             prazer de se encontrar consigo mesmo. Estar no ócio   título da mostra nascido nas origens de nossa língua
             é estar no sossego redesenhando a vida e mediando o   indígena. Ñheé, segundo o antropólogo Adolfo Colom-
             lugar da transgressão criadora. A vadiagem experimen-  bres, significa fala. Portanto, Nheë, Nheë, Nheë, pode
             tal se nutre de um não fazer nada criativo. Em síntese   ser uma tradução livre de tagarelice. Também se refere
             é o que transmite essa mostra sutil, de limpeza formal   a uma forma de controle exercida pelos religiosos na
             marcante, e que reflete sobre as relações de trabalho,   tentativa de unificar as linguagens tribais para facilitar
             desde o período do Brasil colônia até os dias de hoje.  O   a catequese forçada.
             conceito traz outros contornos e reafirma o pensamento   No texto de apresentação, o curador Beano de Borba
             de Antonio Negri, filósofo marxista italiano quando   comenta o trabalho de Márcio Almeida como um ócio
             define:  “O trabalho é capacidade de produção, atividade   tradicional e um rito selvagem, sustentados por uma
             social, dignidade, mas por outra parte é escravidão,   insurgência do tempo liberto. A intenção do artista
             comando, alienação”.                              é “realizar um paralelo entre a questão do trabalho
             A exposição é alinhada com três trabalhos anteriores e   ocidental e o ócio tropical”. Nesse contexto, ele tem
             o mais recente, Nheë Nheë Nheë, é fruto da residência   como base a interferência das religiões e as estratégias
             de Márcio Almeida na Usina de Arte Santa Terezinha, na   dos colonizadores na catequização os indígenas. Ócio
             Zona da Mata, sul de Pernambuco. Por alguns dias ele   e liberdade é o binômio que atravessa todas as quatro
             experimentou momentos de ação e descanso. Produziu   instalações que compõem a mostra. “No processo de
             dentro de um tempo livre, que nos dias de hoje corre   curadoria partimos do novo trabalho, Nheë Nheë Nheë,


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