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CRÍTICA CCBB
VAIVÉM TRATA DA
CULTURA BRASILEIRA
PARA ALÉM DA ARTES
Exposição com
curadoria de Raphael
Fonseca aborda a rede
de dormir sob múltiplas
perspectivas no CCBB
POR FABIO CYPRIANO
VISTA DA EXPOSIÇÃO, VAIVÉM, 2019
“NÃO CABE MAIS VER AS REDES COMO ESPAÇO DE Vem deles, aliás, algumas das imagens mais potentes da
DESCANSO E DECORAÇÃO. Necessita-se admirar sua mostra, grande parte delas comissionadas pelo curador,
representação e compreender que materialidade é a prova entre elas produzidas por Yermollay Caripoune, Alzelina
da resistência ameríndia. Que por trás da beleza e da forma Luiza, Carmézia Emiliano e Jaider Esbell, entre outros. No
existem focos de resistência. Que tecer ou criar a partir delas catálogo, Clarissa Diniz cita uma fala de Esbell, aliás, que
é arte, ativismo. É atividade. É sobrevivência. É ser.”, afirma aponta de maneira exata porque a mostra alcança alta
Naine Terena no catálogo da mostra Vai e Vem, vista até julho voltagem política: “Não há como discutir descolonização
no Centro Cultural Banco do Brasil de São Paulo e, agora em sem adentrar as portas das cosmovisões dos povos
setembro, sendo aberta em sua sede de Brasília, seguindo originários”.
depois para o Rio e Belo Horizonte. Há aí um acerto curatorial imenso, afinal, mesmo que
Vai e vem é dessas mostras que vão além do campo da arte artistas contemporâneos tenham se apropriada da rede em
para tratar da cultura de forma mais ampla, e aí está seu suas obras, de Hélio Oiticica a Tunga, de Paulo Nazareth
maior valor. a OPAVIVARÁ – todos presentes na mostra, é no contexto
Mais do que simplesmente apresentar de forma sequencial indígena que ela ganha caráter de resistência e manifesto
várias representações de um dos mais típicos objetos da anti-hegemônico.
cultura brasileira, a exposição com curadoria de Raphael A exposição ainda é generosa ao apresentar as diversas
Fonseca apresenta diversos aspectos dos significados da representações da rede ao longo dos séculos, seja nos
rede, como aponta Naine na citação acima, indo muito além artistas viajantes da época da monarquia do Brasil, seja por
do clichê da preguiça que o colonialismo a demarcou. sua revisão crítica, tão bem realizada por Denilson Baniwa.
Isso fica claro logo na primeira sala da mostra, quando se A exposição é sem dúvida audaciosa, ao apresentar mais de
contextualiza a importância da produção do artefato de 300 obras de 140 artistas, em um período de cinco séculos,
origem indígena no nordeste, mais especificamente em São do 16 ao presente. Contudo, seu foco é preciso, e passar por
Bento, na Paraíba, onde são produzidas por ano nada menos ela uma experiência efetiva.
que 12 milhões de redes. Os números aí já deixam claro que É essencial lembrar que a mostra é fruto de um doutorado
o impacto do comércio vai também além do estereótipo que realizado pelo curador ao longo de cinco anos, portanto
se pode ter. O portal da cidade possui um imensa rede para uma pesquisa de fôlego, que se materializa no espaço
marcar posição. expositivo de forma adequada e realmente como uma
Assim, a mostra segue em uma sucessão de narrativas um vivência, isso é, não se trata de uma transposição ilustrativa
tanto surpreendentes ao longo de seis módulos, que abordam de uma tese. Em tempos de questionamento da ciência e
desde as distintas formas de representação da rede, seja no da academia, Vai e vem serve ainda para apontar como o
modernismo brasileiro, seja nos quadrinhos de Walt Disney com ambiente universitário segue essencial para a reflexão da FOTO EDSON KUMASAKA
o Zé Carioca, até sua função de geradora de identidade, como cultura brasileira, assim como capaz de transpor o ambiente
bem aponta Naine Terena em relação aos povos indígenas. acadêmico para um diálogo potente com a sociedade.
BOOK_ARTE_48_AGOSTO2019.indb 88 30/08/19 19:35