Page 78 - ARTE!Brasileiros #48
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EXPOSIÇÃO SÃO PAULO








             testemunha seu grande apreço pela figura humana,
             dedicando-se quase que exclusivamente aos retra-
             tos e nus. Seu interesse não era pela fisionomia
             mas pelo aspecto psicológico do retratado, o que
             torna sua obra próxima das vertentes surrealistas
             e, posteriormente, expressionistas. A mostra tam-
             bém traz à tona experiências desenvolvidas por
             ele nos anos 1970, utilizando tinta fosforescente
             que brilha sob luz negra, reforçando seu interesse
             pela pesquisa de novos meios e materiais. Carvalho
             pintou e escreveu a vida inteira. E há, mesmo em
             seus trabalhos mais revolucionários, muitas vezes
             associados a um temperamento impulsivo, uma
             base teórica e uma reflexão conceitual aguda,
             lembra Kiki. Em diferentes momentos, e lançando
             mão de estratégias distintas (arquitetura, teatro,
             ação performática), o artista demonstra como se
             antecipa, e de forma bastante precoce, ao estado
             geral das artes no País. “Seus projetos de cunho
             conceitual atestam seu extraordinário feito de
             expandir o campo da arte para além de territórios
             e formas conhecidos, ampliando assim a própria
             definição daquilo que pode ser considerado arte”,
             explica a curadora.
             Tais momentos de grande potência criativa, muitos
             deles efêmeros ou não realizados, estão repre-
             sentados na mostra por meio de uma farta docu-
             mentação. Carvalho foi, por exemplo, pioneiro   e uma meia arrastão, para esconder as varizes.
             dentre os primeiros modernistas da arquitetura   Em diálogo com seu trabalho mais plástico, a
             paulista e conquistou a admiração de vanguar-  diversidade de experiências e o caráter muitas
             distas como Mário e Oswald de Andrade com o   vezes rebelde e performático de sua obra, difícil
             projeto que apresentou em concurso realizado   de ser traduzida em elementos expositivos por
             para o Palácio do Governo de São Paulo em 1927,   seu caráter efêmero e conceitual, torna-se mais
             sob o sugestivo pseudônimo de Eficácia. Em 1931,   concreto. As réplicas das máscaras usadas na
             realiza Experiência n. 2, um ato contundente contra   peça O Bailado do Deus Morto (originalmente
             falsa moral católica, andando provocativamente   escrita em 1931) e reencenada pelo Teatro Oficina
             na contramão de uma procissão de Corpus Christi   Uzyna Uzona em algumas ocasiões, inclusive no
             com a cabeça coberta por uma boina, sendo quase   vernissage da mostra, convivem por exemplo com
             linchado pela população. Na Experiência n. 3, rea-  um seleto conjunto de pinturas também dos anos
             lizada quase trinta anos depois, atinge em cheio   1930, logo na abertura da exposição.
             a moral patriarcal quando decide desfilar pelas   É impressionante sua capacidade de subverter
             ruas da cidade usando o New Look, traje que havia   padrões e tentar estabelecer novas bases de
             desenvolvido como roupa ideal para os homens,   reflexão sobre o lugar do homem e da arte no
             trocando o tradicional terno e gravata por uma   mundo. Não tinha medo do combate. Desafiava
             saia plissada, uma blusa de tecido leve, bufante,   a sociedade, se colocava contra a hipocrisia


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