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EXPOSIÇÃO SÃO PAULO






             MOSTRA NA PINACOTECA


             REVELA PROJETO INDIGENISTA



             DE ERNESTO NETO




             NO OCTÓGONO DA PINACOTECA, CURA BRA CURA TÉ ACOLHE ATIVAÇÕES PARTICIPATIVAS



             POR FABIO CYPRIANO






             POUCOS ARTISTAS CONSEGUEM atualizar a       branco apropriar-se do discurso de outras povos
             radicalidade da produção artística brasileira, onde   e culturas? Entender o lugar de fala é, atualmente,
             o corpo fazia parte da obra, nos anos 1960 e 1970,   um dos desafios de qualquer tipo de discurso que
             como Ernesto Neto. É o que se pode comprovar   busca “representar” o outro.
             na mostra Sopro, em cartaz na Pinacoteca do   Sem dúvida é um tanto estranho quavndo artis-
             Estado até 15 de julho.                     tas se autorretratam como índios e vendem ou
             Em suas obras e de forma original, Neto consegue   expõem essas pinturas sem qualquer compromisso
             reunir tanto as propostas de vivências coletivas   maior com a questão. Estamos aí no terreno da
             de Hélio Oiticica (1937 – 1990) em seus Penetrá-  mera representação, e foi exatamente contra esse
             veis, quando buscava criar espaços de convivência,   tipo de postura que Oiticica e Clark se rebelaram.
             quanto às ativações do corpo por meio de experiên-  Desde 2013, contudo, Neto tem se envolvido com
             cias com diferentes materiais, como propunha Lygia   o povo huni kuin, no Acre, de forma engajada,
             Clark (1920 – 1988) em seus Objetos Relacionais.  participando de seus rituais e os incorporando
             Contudo, enquanto há 50 anos essas práticas bus-  a suas mostras, no Brasil e no exterior, como
             cavam reformular as bases da arte, Neto, já livre   ocorreu em Veneza.
             deste fardo, vem trabalhando em uma agenda mais   Em Sopro essa participação ocorre no octógono,
             atual e necessária: um “projeto de indigenização   nas ativações em torno de um grande tronco “que
             da vida”, na definição de Els Lagrou, antropóloga e   precisa ser curado” e, para tanto, vai sendo engo-
             professora da UFRJ, no catálogo da mostra.  lido por um imenso pingente.
             Na Pinacoteca, essa prática se consubstancia na   “Somos filhos de três continentes, mas sabemos
             instalação do octógono, Cura Bra Cura Té, que   de um, só nos ensinam um, só valorizamos um”,
             acolhe cinco ativações participativas abertos ao   escreve Neto nas paredes da mostra, explicitando
             público ao longo do período expositivo. As próxi-  o deslumbre com a cultura europeia dos “toscos
             mas ocorrem no próximo sábado, dia 1 de junho,   brasileiros”, como brilhantemente definiu Christian
             e depois nos dias 29 de junho e 13 de julho.  Dunker em texto para ARTE!Brasileiros.
             A relação do artista com a questão indígena vem   “Chegou a hora de ouvir a espiritualidade de nossa
             sendo tema de debates, nos últimos anos, espe-  terra, de nossas plantas, rios e árvores, chegou
             cialmente quando de sua participação na Bienal de   a vez de ouvir”, defende o artista. É aqui que se
             Veneza, há dois anos. As polêmicas se resumem   explicita o tal projeto de indigenização, já que os   FOTO LEVI FANAN
             na questão: Qual a legitimidade de um artista   chamados povos das florestas buscam a qualidade


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