Page 52 - ARTE!Brasileiros #47
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EXPOSIÇÃO SÃO PAULO
MOSTRA NA PINACOTECA
REVELA PROJETO INDIGENISTA
DE ERNESTO NETO
NO OCTÓGONO DA PINACOTECA, CURA BRA CURA TÉ ACOLHE ATIVAÇÕES PARTICIPATIVAS
POR FABIO CYPRIANO
POUCOS ARTISTAS CONSEGUEM atualizar a branco apropriar-se do discurso de outras povos
radicalidade da produção artística brasileira, onde e culturas? Entender o lugar de fala é, atualmente,
o corpo fazia parte da obra, nos anos 1960 e 1970, um dos desafios de qualquer tipo de discurso que
como Ernesto Neto. É o que se pode comprovar busca “representar” o outro.
na mostra Sopro, em cartaz na Pinacoteca do Sem dúvida é um tanto estranho quavndo artis-
Estado até 15 de julho. tas se autorretratam como índios e vendem ou
Em suas obras e de forma original, Neto consegue expõem essas pinturas sem qualquer compromisso
reunir tanto as propostas de vivências coletivas maior com a questão. Estamos aí no terreno da
de Hélio Oiticica (1937 – 1990) em seus Penetrá- mera representação, e foi exatamente contra esse
veis, quando buscava criar espaços de convivência, tipo de postura que Oiticica e Clark se rebelaram.
quanto às ativações do corpo por meio de experiên- Desde 2013, contudo, Neto tem se envolvido com
cias com diferentes materiais, como propunha Lygia o povo huni kuin, no Acre, de forma engajada,
Clark (1920 – 1988) em seus Objetos Relacionais. participando de seus rituais e os incorporando
Contudo, enquanto há 50 anos essas práticas bus- a suas mostras, no Brasil e no exterior, como
cavam reformular as bases da arte, Neto, já livre ocorreu em Veneza.
deste fardo, vem trabalhando em uma agenda mais Em Sopro essa participação ocorre no octógono,
atual e necessária: um “projeto de indigenização nas ativações em torno de um grande tronco “que
da vida”, na definição de Els Lagrou, antropóloga e precisa ser curado” e, para tanto, vai sendo engo-
professora da UFRJ, no catálogo da mostra. lido por um imenso pingente.
Na Pinacoteca, essa prática se consubstancia na “Somos filhos de três continentes, mas sabemos
instalação do octógono, Cura Bra Cura Té, que de um, só nos ensinam um, só valorizamos um”,
acolhe cinco ativações participativas abertos ao escreve Neto nas paredes da mostra, explicitando
público ao longo do período expositivo. As próxi- o deslumbre com a cultura europeia dos “toscos
mas ocorrem no próximo sábado, dia 1 de junho, brasileiros”, como brilhantemente definiu Christian
e depois nos dias 29 de junho e 13 de julho. Dunker em texto para ARTE!Brasileiros.
A relação do artista com a questão indígena vem “Chegou a hora de ouvir a espiritualidade de nossa
sendo tema de debates, nos últimos anos, espe- terra, de nossas plantas, rios e árvores, chegou
cialmente quando de sua participação na Bienal de a vez de ouvir”, defende o artista. É aqui que se
Veneza, há dois anos. As polêmicas se resumem explicita o tal projeto de indigenização, já que os FOTO LEVI FANAN
na questão: Qual a legitimidade de um artista chamados povos das florestas buscam a qualidade
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