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CAPA RUBEM VALENTIM
Como explicam os curadores, Valentim foi um artista
engajado não só no conteúdo de sua obra visual, mas
também nas posições políticas que assumiu em textos
e entrevistas ao longo da vida. Em seu manifesto, por
exemplo, escrito em plena ditadura militar, Valentim se
posiciona como defensor do intercâmbio entre todos
os povos e nações, mas contra o colonialismo cultural
e a subserviência aos padrões vindos de fora; defende
uma poética visual brasileira que beba na iconografia
afro-ameríndia-nordestina, mas que fuja de modismos
e das “violentações caricatas do folclore e do genuíno”;
e afirma, por fim, que “a arte é uma arma poética para
lutar contra a violência como um exercício de liberdade
contra as forças repressivas.”
“Diferentemente do discurso purista do modernismo,
Valentim representa a possibilidade real de construção
de uma linguagem que reflita especificidades brasi-
leiras”, diz Lontra. E são essas especificidades, para
o curador, que devem ser identificadas e destacadas,
especialmente no contexto atual. No momento em que
o Brasil elege um presidente que ofende quilombolas e
despreza os direitos humanos, em que o país vivencia
assassinatos como o da vereadora negra e feminista
Marielle Franco e do mestre de capoeira Moa do Katendê,
retomar a obra de Valentim e seu caráter político ganha
nova potência e significado.
“Nós estamos diante de violências constantes, com o
Brasil revelando toda sua maldade, o horror de uma
classe média reacionária. E tem essa ideia do país cordial,
RELEVO EMBLEMA 78, 1978,ACRÍLICA SOBRE MADEIRA. ACERVO DA PINACOTECA
DO ESTADO DE SÃO PAULO. COMPRA DO GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO, 2013 da nação boazinha, que é o discurso do opressor e que
não engana mais. Antes de aceitar nossa miscigenação
temos que aceitar que a mulher negra foi estuprada”,
amizades pessoais com alguns dos seus integrantes. diz Lontra, ressaltando a importância de identificar os
Mas logo percebi, pelo menos entre os paulistas, que elementos negros como fundamentais na história da
o objetivo final de seu trabalho eram os jogos óticos arte brasileira e na compreensão de um país mestiço.
e isto não me interessava. Meu problema sempre foi “E acho que o Rubem assumiu essa questão política de
‘conteudístico’ (a impregnação mística, a tomada de modo muito forte e importante. Ele nunca escondeu a
consciência dos valores culturais de meu povo, o violência”. Sobre o futuro próximo, o curador conclui:
sentir brasileiro)”. Neste sentido, tanto o movimento “Agora temos que enfrentar a ameaça à democracia.
de enquadrá-lo em correntes construtivas como o de E a arte sempre enfrentou isso: ditadura, perseguição,
chamar sua obra de mágica e sobrenatural acabaram ausência de apoio. E seu papel vai continuar sendo esse,
por tirar de Valentim seu caráter político, retomado de mostrar o Brasil de verdade”.
agora de modo atento nas duas mostras paulistanas.
No Masp, a discussão ganha profundidade também Rubem Valentim: Construções Afro-Atlânticas
em um grande catálogo que, além de apresentar De 14/11/2018 a 10/03/2019
a exposição, reúne textos históricos, desenhos e MASP – Av. Paulista, 1578, São Paulo
anotações de cadernos do artista e ensaios inéditos “Rubem Valentim: Construção e Fé” FOTO ISABELLA MATHEUS
de Lilia Schwarcz, Helio Menezes, Lisette Lagnado e De 07/10/2018 a 06/12/2018
Marta Mestre, entre outros. CAIXA CULTURAL – Praça da Sé, 111
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