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EXPOSIÇÃO SÃO PAULO
AI WEIWEI MERGULHA NO BRASIL
ARTISTA CHINÊS TRABALHA COM ARTESÃOS CEARENSES E FAZ PESQUISAS BRASIL ADENTRO PARA A
EXPOSIÇÃO DE OBRAS DE GRANDE DIMENSÕES QUE APRESENTA NA OCA, NO PARQUE DO IBIRAPUERA
POR MARIA HIRZMAN
O ACASO FEZ com que, exatamente num momento Talvez por isso use com tanta falta de cerimônia
em que resistência parece ser a palavra chave para sua própria imagem nos seus trabalhos.
boa parte da população brasileira, esteja em cartaz Desde sua primeira ação mais desafiadora – a que-
em São Paulo uma ampla mostra de Ai Weiwei. bra de um vaso da dinastia Han com mais de dois
A exposição do artista e dissidente chinês, que mil anos de idade – ele coloca-se provocativamente
há décadas desafia o discurso hegemônico com em suas obras. Sua imagem reaparece constan-
ações e obras ao mesmo tempo ousadas e irre- temente, nas milhares de selfies que faz por onde
verentes, ocupa todo o espaço da Oca, no Parque passa (muitas delas mostrando o dedo do meio para
do Ibirapuera. E retraça com bastante detalhe sua símbolos de poder, como a Casa Branca) e que posta
trajetória, incluindo alguns de seus trabalhos mais em sua concorrida conta no twitter. Ou em obras
notáveis, bem como uma série de intervenções polêmicas como a que fez mimetizando a pose do
concebidas especificamente a partir do encontro menino sírio Aylan, encontrado morto nas areias
de Weiwei com a paisagem e a cultura brasileira. de uma praia de Lesbos. Sua ação contundente em
Além de ser uma oportunidade rara de conhecer defesa dos refugiados, que gerou uma profusão
mais de perto sua força iconoclasta, a reunião de ações como o filme “Human Flow”, parece ter
desses trabalhos ajuda a entender as estratégias incomodado parte do circuito das artes, seja por
e poéticas que ele vem adotando nas últimas seu uso excessivo da mídia, seja porque se sentiam
décadas, que conciliam questões universais como mais confortáveis quando o alvo preferencial de
a liberdade de expressão e a perseguição aos Weiwei era o imperialismo chinês.
refugiados, a um universo mais íntimo e pessoal. Em sua temporada brasileira, Weiwei deu ampla
É como se, calejado pelo regime de exclusão vazão a esse uso – para alguns despudorado, para
imposto a sua família ainda em sua primeira infân- outros desafiante – de sua imagem. Nos mais de
cia e por anos de resistência ao regime totalitário 200 ex-votos que encomendou para artesãos cea-
chinês – seu pai, o poeta Ai Qing, foi denunciado renses (trocando provisoriamente o uso recorrente
como inimigo do regime e exilado por 16 anos que faz da cerâmica e carpintaria chinesa pelo
–, Weiwei tivesse se tornado psicologicamente entalhe de madeira típico do nordeste brasileiro)
impermeável à censura social. Indo mais além, há uma série de “retratos” seus realizando suas
nota-se em sua atitude uma estratégia de con- performances. E chegou ao ápice de transformar
fronto às instituições e tradições impostas pela a si mesmo no símbolo de suas causas ao asso-
força e um desprezo provocador pelo status-quo. ciar seu próprio corpo a um símbolo da natureza
“A época em que me preocupava com o que as potente da Amazônia brasileira. FOTO PATRICIA ROUSSEAUX
pessoas pensavam de mim ficou para trás há Um cativante vídeo entrelaça o “making of” de dois
muito tempo”, disse ele em entrevista ao El País. trabalhos distintos: a penosa modelagem do próprio
Book_ARTE45.indb 66 26/11/18 14:10