Page 80 - ARTE!Brasileiros #42
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CRÍTICA EXPOSIÇÃO






           MOSTRA NO MAC-USP                                                                  O PENELOPE,
                                                                                              O RECRUTA,
           REVELA SOBREVIVÊNCIA                                                               O ARANHA, (CA. 1991),
                                                                                              LEONILSON. BORDADO
           PÁLIDA E BUROCRÁTICA                                                               COM LINHA E
                                                                                              LANTEJOULAS SOBRE
           POR FABIO CYPRIANO, DE SÃO PAULO                                                   LONA, 50 X 18CM.
                                                                                              ABAIXO, TESTEMUNHO
                                                                                              (2015), DANIEL
           CURADORIAS com temas genéricos são modelos preguiçosos,                            DE PAULA.
           mas recorrentes no atual sistema da arte. É uma receita fácil:                     TESTEMUNHOS DE
           escolhe-se um tema abrangente, selecionam-se obras de vários                       ROCHA RESULTANTES
           períodos com artistas de várias gerações, nacionais e internacio-                  DE SONDAGENS
           nais, e reúne-se tudo com um texto cheio de citações. “Matriz do                   GEOTÉCNICAS
           tempo real”, que esteve em cartaz no Museu de Arte Contempo-                       EXECUTADAS PARA
           rânea da USP é um ótimo exemplo dessa prática.                                     OBRAS PÚBLICAS
           Organizada por Jacopo Crivelli Visconti, a exposição não só                        DE MOBILIDADE
           revela esse tipo de exercício curatorial de nível básico, como                     URBANA DO ESTADO
           também toda a perversão dos mecanismos de lei de incentivo e                       DE SÃO PAULO,
           da precariedade dos museus públicos brasileiros.
           A começar pelo conceito: O texto que introduz “Matriz do tempo                     DISPOSTOS EM
           real” é pretensioso ao afirmar que ela é “concebida na interação                    ORDEM CRONOLÓGICA
           entre reflexões e inspirações diversas, que vão dos conceitua-                      SEGUNDO PERÍODOS
           lismos dos anos 1960 e suas reverberações a produção artística                     GEOLÓGICOS
           das décadas seguintes”. Espera-se, portanto, uma pesquisa de
           fôlego sobre o tema e, novamente citando o texto curatorial,
           como o tempo “se faz presente de uma maneira quase física”.
           Entre projeto e execução, é normal que existam adaptações, mas
           se há algo que de fato a mostra não entrega é uma presença física
           que se traduza em algum tipo de experiência do tempo efetiva. O
           que se vê, nesse sentido, é uma série de ilustrações do tema, com
           um percurso que banaliza cada obra a apenas uma camada – o
           tempo –, reduzindo toda sua complexidade. É o caso, por exemplo,
           de On Kawara, visto em apenas uma pintura da série “Today”,
           realizada diariamente de 4 de janeiro de 1966 a 12 de janeiro de
           2013, meses antes de sua morte.
           A obra tinha oito tamanhos possíveis, três cores estabelecidas
           pelo artista e se não fosse terminada no mesmo dia, tinha que
           ser destruída. A língua utilizada também dependia do local onde
           o artista se encontrava e teve início em uma época do questio-
           namento dos suportes tradicionais, sendo que Kawara conse-
           guiu pintar mesmo que de forma conceitual. A simplificação de   problemáticos, como ocorreu com “Os desígnios da arte contem -
           uma obra com tantas leituras possíveis, reduzindo-a uma data é   porânea no Brasil”, em abril do ano passado, quando seu curador
           lamentável, assim como falar do tempo sem uma experiência de   expunha suas próprias obras  – dando visibilidade e valor a elas
           duração é ainda contraditório.                   – além de outras identificadas como do patrocinador.
           Mas os problemas não param aí. A primeira obra que se vê na   É compreensível que um museu público sem recursos suficientes
           mostra, “Certificado de autenticidade de Time Spoken”, de Ian   para um programa adequado busque parceiros. Contudo, tercei-
           Wilson, pertence e está identificada como “coleção moraes -  rizar seu espaço, permitindo que mostras sejam ali montadas
           -barbosa”, sendo que Visconti é curador da coleção. Foi por algo   sem qualquer tipo de controle e ainda bancada por dinheiro de
           semelhante que uma das curadoras mais renomadas na Europa,   lei de incentivo – no caso “Matriz do tempo real” tem R$ 750 mil
           Beatrix Ruf, renunciou ao cargo de diretora do museu Stedelijk,   de apoio do Itaú – revela a incapacidade do museu em exercer
           em Amsterdã, quando veio a público que ela misturava atividades   sua função pública.
           privadas com o museu. É o tipo caso de conflito de interesses,   Para um museu com caráter universitário, que nos anos 1960 e
           afinal Visconti está dando visibilidade, portanto valor, a uma obra   1970, sob a direção de Walter Zanini, mesmo sem dinheiro, foi o
           particular com a qual ele tem relação.           centro da produção experimental da cidade, é como ter perdido
           Com isso, novamente, o Museu de Arte Contemporânea da USP   o sentido de sua função e se rendido a uma sobrevivência pálida
           terceiriza seu espaço para projetos externos, com contornos   e burocrática.


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