Page 77 - ARTE!Brasileiros #42
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dinheiro, que pedem uma forma de contemplação mais   construção de uma percepção utópica não estavam no

                   tradicional, tenham ficado de fora da narrativa do livro.  horizonte. As sensações em seu trabalho, daí em diante,
                   A noção de estudo organiza a obra. O estudo seria um  se tornam espaço para a dúvida. Como aprendemos com o

                   refinamento dos enigmas que colocam as convicções ideo-  texto de Frederico, a experiência sensorial é colocada em
                   lógicas em xeque. Seria um teste dessas percepções. Assim,  dúvida. Assim, a aparência das esferas na instalação de

                   faz lembrar o experimento científico, o teste de hipóteses.  Eureka/Blindhotland (1970-1975) é desmentida pelo seu

                   Guy Brett, em um texto de 2005, republicado no livro,   peso e os sons amplificam o que Sônia Salzstein nomeia

                   afirma que a produção brasileira da geração imediata-  como confusão dos sentidos.

                   mente anterior a Cildo Meireles confiou nos sentidos.   Por isso, o espaço dos primeiros trabalhos de Cildo, os
                   Essa investigação da percepção foi uma maneira de   Espaços Virtuais: Cantos (1967-8), não é expansivo. Ele
                   encarar os limites de uma racionalidade burocrática.   se parece como um beco sem saída. O colorido de Desvio
                   A arte devia se haver com esses limites e buscar uma   para vermelho (1967 – 84) não potencializa a percepção
                   nova relação com a vida.                          para além dos limites da racionalidade: o vermelho torna







































                                                                                          CILDO MEIRELES, DESVIO PARA O VERMELHO, 1967-1984

                   Artistas como Lygia Clark e Hélio Oiticica se distanciam da   os objetos homogêneos. As experiências são negativas,
                   contemplação racionalista tradicional para criar relações   de se procurar algo pelas sensações, pelos instrumentos
                   entre sentidos que estavam aparentemente desconec-  da razão e não encontrar. O estudo parece esgotar esses
                   tados. Assim, criaram situações ou ambientes, em que   saberes, em um exercício cético permanente da dúvida.
                   essas formas sensuais de perceber funcionam em alta   Cildo Meireles é provavelmente um dos artistas contem-
                   voltagem. Corpo e mente, razão e sensibilidade, até mesmo   porâneos que mais influenciou a arte contemporânea

                   as formas de convívio seriam refeitas por essas relações  engajada, à sua revelia. Diferente de muitos que usam
                   mais diretas e comunitárias. Essa promessa escapista,   a arte como veículo de convicções, mas é crítica ide-
                   romântica e sensorial, não parece estar diante de Cildo   ológica, a crítica da maneira como pensamos quando
                   quando ele começa os seus primeiros trabalhos.    acreditamos não pensar. A sua força política é a radi-

                   O artista vem da geração batizada por Frederico Morais   calização da incerteza e a indefinição. Esse livro nos
                   de “geração AI-5”. As promessas de modernização e a   traz a força da dúvida radical.


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