Page 60 - ARTE!Brasileiros #42
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ALAFIA, 2005, 70 X 50 CM ESPECTADORES, 1981, DA SÉRIE HELIOGRÁFICAS, 100 X 100 CM
trabalhos. “Percebe-se logo que a chave do ’ativismo’ é textos sagrados judaico-cristãos como perversos cha-
redutora para explicar a monumentalidade de uma obra mados à exclusão, à tortura e ao crime.”
que compreende uma coleção extraordinária de repro- Tudo o que Ferrari produziu, em diversas mídias, de-
duções recolhidas da história da arte”. monstra sua aguçada criatividade e picardia crônica.
A obra de Ferrari ganha rumo na década de 1960, com Relecturas de la Bíblia, iniciada em 1983, consiste em
as esculturas em arame, executadas em Milão e expos- colagens nas quais justapõe imagens da iconografia
tas na galeria Pater, interpretadas como “desenhos no religiosa cristã ou da história da arte com imagens eró-
espaço com mais luz do que o corpo, uma explosão ticas orientais. Em sua série de Brailles, perfura ilus-
cintilante”. Uma instintiva reação à literatura fez de trações e reproduções fotográficas de obras de artis-
Ferrari leitor de Borges, Sade, Gombrowicz, Cortázar tas como Giotto e Michelangelo para escrever poemas
e, nas escrituras com letras deformadas, parece recor- ou passagens bíblicas na linguagem dos deficientes
rer a eles, como na série Carta a um General, de 1963. visuais. Ferrari se dizia influenciado pela cegueira de
As escrituras revelam um artista inconformado com Borges, que escreveu poemas de amor que o encan-
seu tempo. Luis Pérez-Oramas, no catálogo da mostra taram. “Um poema de amor sobre a fotografia de uma
Alfabeto Enfurecido em que a obra de Ferrari dialoga mulher nua, dizia Borges, significa que você tem que
com a de Mira Schendel, afirma que “as crenças ou acariciar a mulher para ler o que o poema diz. Foi aí
descrenças de Ferrari passaram a incluir uma visão de que eu entendi a ideia”. Sob o efeito Borges, cria uma
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