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EXPOSIÇÕES SÃO PAULO






           A MÚSICA ATRAI outros campos da arte e os    vídeo The Clash (2010), ao dar sopro e oxigenação
           envolve pela percepção de sons escritos, sonori-  na relação música/indivíduo/territorialidade. Se
           dade, lugares de afeto e territórios. Mesmo reco-  apropria do sucesso Should I Stay or Should I Go,
           nhecendo conceitos díspares no conjunto da obra   da banda punk inglesa The Clash e o espalha pela
           do albanês Anri Sala e do cubano Carlos Garaicoa,  cidade, com explícita dimensão política e poética.
           chama a atenção ambos se apropriarem da música   O texto da música se desenvolve em um campo de
           como espaço simbólico de território, criado nas   fortes questões e frágeis respostas, divaga entre
           relações de ocupação e sentimento de pertenci-  a dúvida de ficar ou partir e é executado em dife-
           mento, em suas mostras em São Paulo: O Momento  rentes instrumentos como realejo, caixa de música
           Presente, de Anri Sala, no Instituto Moreira Sales, e  e piano. No vídeo, um homem carrega uma caixa
           Ser Urbano, de Carlos Garaicoa, no Espaço Cultural  de música enquanto um casal empurra, com difi-
           Porto Seguro. Ambos tocam poeticamente no coti -  culdade, um realejo que toca lentamente a música
           diano, colocam a música na pele das performances,  homônima da obra. Eles caminham em direção à
           às vezes mergulham em zonas de penumbra e, em  Salle des Fêtes, no Grand Parc de Bordeaux, ex-
           outras, emergem sob o facho de luz. Dois migran-  -catedral francesa do rock punk. Sala relaciona o
           tes de países comunistas. Anri Sala nasceu em   território e a música a partir da memória do lugar
           Tirana e escolheu Berlim para morar. Garaicoa é   e, como define a curadora da exposição, Heloisa
           de Havana, onde mantém um ateliê, além de outro   Espada, o casal que empurra o realejo pode ter
           em Madri. Cada um, a seu modo, reflete sobre o   frequentado a Salle des Fêtes ou isso pode apenas
           estar no mundo como observadores de questões   simbolizar um fragmento de um sonho acordado.
           histórico-político-culturais.                No trabalho de Anri Sala, a banalização do dia a
           Ser Urbano, mostra composta por sete obras, entre  dia se transforma por meio de práticas libertárias
           instalações, vídeos, maquetes e desenhos, tem a   no espaço público, no melhor espírito da Interna-
           curadoria de Rodolfo de Athayde e fecha um ciclo ao  cional Situacionista, movimento surgido em 1957,
           concluir a instalação Partitura (2017). Desenvolvida   que defendia, entre outras coisas, uma vida lúdica
           ao longo de dez anos, tem a participação de mais   e de liberdade permanentes.
           de 70 músicos de rua de Madri e Bilbao. O encontro   A instalação principal de Momento Presente parece
           deles se materializa na instalação composta por   ter encontrado na música sua forma ideal de repre-
           suportes para partituras. Em cada um, estão presos   sentar e experimentar a transitoriedade. A grande
           tablets e fones de ouvido, que reproduzem vídeos   sala mantém dois telões opostos que dialogam,
           desses artistas. As partituras, por sua vez, exibem  tendo como fio condutor Noite Transfigurada, a
           desenhos livres, criados por Garaicoa, inspirados nas   última peça romântica do compositor austríaco
           melodias desses músicos. Cada suporte representa   Arnold Schoenberg (1874-1951), que em seguida
           um deles e seus diferentes instrumentos que podem   rompe com a tradição tonal e cria a técnica do dode
                                                                                                 -
           ser de sopro, cordas, percussão ou metal. Tudo é   cafonismo. A videoinstalação tem curta duração,
           distribuído pelo espaço, como em uma orquestra   com sete minutos iniciais sonorizados e os oito res
                                                                                                 -
           sinfônica. No centro da instalação, ocupa o lugar do   tantes focados no ensaio da orquestra de câmara,
           regente um pequeno palco com três telas com ima-  nos quais os gestos repetitivos dos violinistas, com
           gens dos músicos atuando nos cantos das cidades,   seus braços movendo-se como pistões, tomam conta
           além de caixas de som. Como afirmou o geógrafo   do espaço. O teto central exibe tambores de uma
           Milton Santos, a arte de rua, naturalmente urbana e   bateria desmontada fixados de cabeça para baixo e
           pública, traz forte carga política por ocupar espaços   o barulho cadenciado da repetição das notas alude
           fora dos campos institucionalizados da arte e por   à alienação tecnológica do período pós-fordista.
           tocar as realidades sociais de perto.        Em outra sala, em meio à projeção do vídeo Long
           Navegando em sentido oposto, em Momento Pre-  Sorrow, na primeira semana da exposição, o público
           sente, Anri Sala leva o público a “flutuar” com o   era surpreendido com uma performance ao vivo do


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