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EXPOSIÇÃO SÃO PAULO
POUCAS HORAS DEPOIS de chegar em São Paulo, advinda de ações gentrificadoras como a construção do
Carlos Garaicoa foi caminhar pelos Campos Elíseos, na complexo Nova Luz, as indefinições sobre um possível
zona central. Apesar de visitar a cidade já há 20 anos, parque Minhocão e a expulsão mal-sucedida e criminosa
era como se nunca tivesse estado por aqui. Nesta região, da população da Cracolândia. “É evidente que a arte de
marcada por algumas das principais tensões sociais da Carlos não é descompromissada. Ela se torna mais com-
capital paulista, o artista cubano montou sua primeira plexa, com outras camadas, por não apontar apenas os
individual do ano, no Espaço Cultural Porto Seguro. problemas do autoritarismo político mas também como
“Quando se trabalha em uma cidade diferente, muitas o mercado financeiro e sua agenda econômica impõem
vezes o tempo é limitado e estranho. Os artistas, no controle social e violências tão catastróficas quanto”
mundo da arte, ficam atrapalhados com uma ideia um afirma o curador.
pouco falsa da cidade, distante da realidade. Estou gos- Em Saving the Safe (2017), o artista guarda uma escultura
tando de poder trabalhar aqui”, ele diz. A mostra Ser do Banco Central do Brasil feita de ouro em um cofre -
Urbano, com curadoria do também cubano Rodolfo de metáfora sobre como as instituições financeiras, pela
Athayde, destaca a produção mais recente de Garaicoa própria acumulação de riqueza e controle das economias,
por meio de desenhos, fotografias, maquetes e instala- provocam crises que asseguram seu poder sobre as pes-
ções realizadas nos últimos dez anos. soas e as cidades. Outras obras articulam exercícios de
Desde suas primeiras obras, o artista reflete sobre movi- linguagem mais amplos, como na subversão que o artista
mentos de construção e desmanche dos tecidos urbanos. faz do Haus der Kunst, icônico edifício neoclássico de
As noções de memória, ruína, poder e utopia que herda de Munique construído durante o regime nazista para abrigar
sua Havana natal estão presentes, por exemplo, naquele a “verdadeira” arte. Garaicoa cria uma maquete, antítese
que talvez seja o trabalho mais conhecido de Garaicoa do original, feita de metal e vidro translúcido, esvaziando
no Brasil, Ahora Juguemos a Desaparecer II (2002), a lógica autoritária de Hitler ao utilizar os materiais da
uma miniatura de cidade feita com velas em constante arquitetura moderna, inclusive da Bauhaus. Operando
reposição instalada no Instituto Inhotim. O conjunto de poéticas que partem de molduras urbanas distintas, são
obras apresentadas agora, ainda que concebidas sob trabalhos que abrem um arco de relações possíveis entre
um contexto europeu para cidades como Lisboa e Turim, arte e política na dinâmica contemporânea que fogem de
dialogam diretamente com a situação socioeconômica uma convocação imediatista ao ativismo. “Eu venho de
de São Paulo e, sobretudo, brasileira. Afinal, o entorno um país onde sempre fomos perguntados por um posi-
dos Campos Elíseos sofre com a especulação imobiliária cionamento político preciso, uma definição que de tão
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