Page 26 - ARTE!Brasileiros #42
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EXPOSIÇÃO SÃO PAULO




































           POUCAS HORAS DEPOIS de chegar em São Paulo,       advinda de ações gentrificadoras como a construção do

           Carlos Garaicoa foi caminhar pelos Campos Elíseos, na   complexo Nova Luz, as indefinições sobre um possível

           zona central. Apesar de visitar a cidade já há 20 anos,   parque Minhocão e a expulsão mal-sucedida e criminosa
           era como se nunca tivesse estado por aqui. Nesta região,  da população da Cracolândia. “É evidente que a arte de
           marcada por algumas das principais tensões sociais da   Carlos não é descompromissada. Ela se torna mais com-
           capital paulista, o artista cubano montou sua primeira   plexa, com outras camadas, por não apontar apenas os
           individual do ano, no Espaço Cultural Porto Seguro.   problemas do autoritarismo político mas também como

           “Quando se trabalha em uma cidade diferente, muitas   o mercado financeiro e sua agenda econômica impõem

           vezes o tempo é limitado e estranho. Os artistas, no   controle social e violências tão catastróficas quanto”

           mundo da arte, ficam atrapalhados com uma ideia um   afirma o curador.

           pouco falsa da cidade, distante da realidade. Estou gos-  Em Saving the Safe (2017), o artista guarda uma escultura
           tando de poder trabalhar aqui”, ele diz. A mostra Ser   do Banco Central do Brasil feita de ouro em um cofre -
           Urbano, com curadoria do também cubano Rodolfo de   metáfora sobre como as instituições financeiras, pela

           Athayde, destaca a produção mais recente de Garaicoa   própria acumulação de riqueza e controle das economias,

           por meio de desenhos, fotografias, maquetes e instala-  provocam crises que asseguram seu poder sobre as pes-
           ções realizadas nos últimos dez anos.             soas e as cidades. Outras obras articulam exercícios de
           Desde suas primeiras obras, o artista reflete sobre movi-  linguagem mais amplos, como na subversão que o artista

           mentos de construção e desmanche dos tecidos urbanos.   faz do Haus der Kunst, icônico edifício neoclássico de
           As noções de memória, ruína, poder e utopia que herda de  Munique construído durante o regime nazista para abrigar
           sua Havana natal estão presentes, por exemplo, naquele   a “verdadeira” arte. Garaicoa cria uma maquete, antítese
           que talvez seja o trabalho mais conhecido de Garaicoa   do original, feita de metal e vidro translúcido, esvaziando
           no Brasil, Ahora Juguemos a Desaparecer II (2002),   a lógica autoritária de Hitler ao utilizar os materiais da
           uma miniatura de cidade feita com velas em constante   arquitetura moderna, inclusive da Bauhaus. Operando
           reposição instalada no Instituto Inhotim. O conjunto de   poéticas que partem de molduras urbanas distintas, são
           obras apresentadas agora, ainda que concebidas sob   trabalhos que abrem um arco de relações possíveis entre
           um contexto europeu para cidades como Lisboa e Turim,   arte e política na dinâmica contemporânea que fogem de
           dialogam diretamente com a situação socioeconômica   uma convocação imediatista ao ativismo. “Eu venho de
           de São Paulo e, sobretudo, brasileira. Afinal, o entorno   um país onde sempre fomos perguntados por um posi-


           dos Campos Elíseos sofre com a especulação imobiliária   cionamento político preciso, uma definição que de tão

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