Page 80 - ARTE!Brasileiros #41
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CRÍTICA FRESTAS
FRESTAS CONSOLIDA-SE
COMO EVENTO DE PONTA
Mostra trienal organizada pelo Sesc reúne obras
que discutem pós-verdade e contexto local
POR FABIO CYPRIANO, EM SOROCABA
O PRINCIPAL ESPAÇO EXPOSITIVO da mostra Frestas, a trienal
de arte organizada pelo Sesc em Sorocaba, é uma garagem. O
que poderia representar um certo desprezo pela arte contem-
porânea, escondendo-a em um setor que regularmente abriga
automóveis, revela-se como uma estratégia acertada. O pé direito
alto e os grandes espaços sem paredes possibilitam às obras um
acolhimento adequado enquanto o aspecto um tanto marginal
do local tem tudo a ver com a temática da exposição deste ano:
“Entre pós-verdades e acontecimentos”.
Pós-verdade é a maneira técnica de se referir a boatos inten-
cionalmente criados para disseminar falsas verdades, ou seja,
surgem de lugares um tanto “invisíveis”, como as garagens,
para espalhar mentiras. Desde 2016, quando o dicionário Oxford
a escolheu como palavra do ano, “pós-verdade” tornou-se um
objeto de estudos e debates. PÚBLICO INTERAGE NO FRESTAS
Por isso, ponto para Daniela Labra, a curadora de Frestas, que
trouxe a questão para o campo da arte, um lugar perfeito para
o debate da linguagem. Nesse sentido, muitas obras apontam
exatamente para esse momento de verdadeira fadiga, quando Mais política é a intervenção de Maria Thereza Alves, que pesqui-
não só o discurso nas redes sociais, mas também dos grandes sou vestígios de comunidades indígenas na região, mas o único
veículos de comunicação estão em suspeita. registro encontrado foi uma urna mortuária em um museu da
Na mostra, a obra que sintetiza melhor essa questão é “O ano cidade que não tem acesso ao público. A partir desse contexto,
da mentira, 2017”, de Matheus Rocha Pitta. Nela, um calendário ela criou o projeto “Um Vazio Pleno”, para o qual o ceramista
de 365 dias estampa de fato apenas uma data em todos os dias, indígena Maximino Kalipety, de Dourados, confeccionou réplicas
1º de abril, com imagens de manifestações populares. Difícil da urna enterradas em pontos no centro da cidade, entre eles
melhor imagem para quem lê jornal diariamente e se vê diante o pé da estátua do bandeirantes Baltasar Fernandes, fundador
de notícias que, mesmo quando verdadeiras, parecem mentiras, de Sorocaba.
dada a desgraça em seu conteúdo. É com obras assim que Frestas ganha especial relevância, criando
Sendo assim, obviamente o tom político da mostra é alto, como o um diálogo de fato com a cidade, e não apenas exibindo traba-
momento de fato pede, mas nem sempre tão explícito. A mexicana lhos que falam do presente, de forma genérica. Mesmo obras de
Teresa Margolles, por exemplo, comparece com uma coleção grande formato, como dos grafiteiros Nunca e Panmela Castro
de joias, compostas por ouro 18 quilates e estilhaços de vidros foram realizados em prédios da cidade, ele também tratando da
extraídos de corpos assassinados, em vez de diamantes. Aqui, a questão indígena, ela do empoderamento feminino.
violência que envolve narcotráfico seduz, tanto quanto as carreiras Ao criar tal experiência fora da capital, o Sesc contribui para
de cocaína que embalam uma sociedade hipócrita, que condena que a arte contemporânea mais radical não seja vista apenas em
os cartéis, mas consome seus produtos. grandes centros, como também as Gorilla Girls, que lá são vistas
Há um caráter de urgência em “Frestas”, que se percebe não só de forma muito mais dinâmica que no Masp, aliás. É a partir desse
pela temática, como pela natureza dos trabalhos: mais de metade tipo de compromisso com o contexto que a pós-verdade pode ser
dos 60 selecionados comparece com obras comissionadas pela combatida e evitada.
Trienal. Com isso, artistas produzem na temperatura do tempo
presente, e o Sesc cumpre importante papel na cena, que é ser
também um espaço para o fomento e não apenas de exibição. FRESTAS
Nesse sentido, ganham também destaque obras que lidam com De 12 de agosto a 3 de dezembro
a cidade de Sorocaba, como no procedimento quase ingênuo, Sesc Sorocaba
mas de grande efeito plástico, do cubano Reyner Leiva Novo, que R. Barão de Piratininga, 555, Sorocaba
montou um imenso painel com escovas de dente usadas, trocadas frestas.sescsp.org.br/2017/
por novas com moradores de um bairro da cidade.
Book_ARTE41.indb 80 11/29/2017 4:53:27 AM