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ARTIGO ARTE E PSICANÁLISE
inconsciente, sua animalidade, se fazer jovem, macrocéfala
tudo o que ele mesmo ignora e com mãos desproporcionais e
que nós, postos em seu ponto de vestuário inapropriado, como
vista imaginamos saber. a que vemos no quadro de
O terceiro movimento da empa- Quinten Metsys (1465-1530)
tia refere-se ao retorno dos tendemos a dizer que ela é
traços de não identificação, os antipática. Contudo é aqui e
traços inhumanos ou desaper- não nas pacificadoras telas
cebidos ao próprio sujeito. Aqui de Spitzweg que colocamos a
empatia é conflito e indetermi- prova nossa empatia. A empa-
nação. Aqui está a relação com tia se forma na relação com o
este outro que Lacan chamou conflito, não na simpatia pelos
de inconsciente. O Outro como nosso próprios espelhos. A
lugar de onde recebemos nossa figura retratada na tela, pro-
própria mensagem e maneira vavelmente uma pessoa que
invertida, e por isso não a reco- sofria de osteíte deformante
nhecemos. Isso retroage sobre representa o que há de mais
o espectador produzindo dis- QUENTIN MACEYS, UGLY DUCHESS, 1513 inhumano em cada um de nós,
tância ou aproximação, envol- a perda de nossas aparên-
vendo uma primeira fase do que cias. Mas a mera informação
pode ser compartilhado. É o enquete, é justamente a obra de que se trata do retrato de
que se observará nas telas que de Spitzweg chamada “Pobre uma doença parece bastar
fazem da paisagem uma estra- Poeta” (1839): para mudar nosso sentimento
tégia de aproximação entre os Reduzido a um cubículo com ético inicial com a persona-
personagens. goteiras, com sua caneta e seu gem. Aqueles que querem
O quarto tempo da empatia é roupão amarrotado ele tem uma uma empatia barata, feita de
a retribuição do percurso ao face compenetrada, que nos faz gostos que eu quero pagar,
próprio outro que se produziu pensar no ridículo da situação que deixam nossas crianças a
nestas três passagens anterio- daquele que quer pensar os pro- salvo do sexo e da brutalidade
res. A partilha do sensível não é blemas mais grandiloquentes são aqueles que querem criar
necessariamente uma partilha tendo diante de si as mais óbvias cordeiros sem conflitos. Cor-
amorosa, nem mesmo de admi- e iminentes llimitações. Mas não deiros para os quais a empatia
ração ou aprovação. Empatia é é essa a condição de todos nós? será impossível. Este, aliás,
justamente uma experiência que Vê-se assim como a empatia é um dos aspectos mais inte-
envolve um momento de desi- parte do particular, descobre ressantes da teoria de Judith
dentificação e estranhamento. O dentro dele a sua singularidade Butler, a saber, a ideia de que
marco desta separação é minha própria para terminar em um longe de existirem apenas dois
própria condição de objeto, exi- movimento de universalização, gêneros há muitos gêneros
lada no outro. É esse o núcleo que bem se expressa na vertente indiscerníveis, gêneros que
traumático que não estamos da compaixão. foram historicamente tratados
dispostos a admitir: o gozo do Os limites de nossa capacidade como abjetos.
outro como fonte e perturbação de empatia são também os Aqueles que queimam bruxas
e minha própria segurança onto- limites de nossa experiência de em nossa época, valendo-se
lógica. Este quarto momento linguagem, de nossa forma ótica do cristianismo para perseguir
envolve, portanto, uma espécie e mais ainda, de nossa própria formas estranhas ou surpre-
de crítica do juízo, uma sus- condição de objeto. Por isso endentes. Aqueles que veem
pensão da determinação que quando encontramos uma figura pedofilia em qualquer nudez,
encerra o outro em sua imagem. grotesca, meio homem, meio ou os que julgam uma pintura
Um recurso ou sinal de que isso mulher, meio velha tentando pelo seu tema estão destruindo
se efetua pode ser encontrado a experiência, mas extensa da
na emergência do humor e do SPITZWEG, POBRE POETA, 1839 empatia. Com isso privam-se de
cômico. Afinal é em sua teo- um recurso fundamental para
ria sobre os chistes que Freud tratar conflitos em geral de
desenvolve a noção de empatia modo a torná-los produtivos. O
(Einfüllung). Não seria por outro cuidado pode ser difícil de ensi-
motivo que o quadro preferido nar, mas sabemos quando ele
dos alemães, em uma recente está sendo maltratado.
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Book_ARTE41.indb 78 11/29/2017 4:53:21 AM