Page 77 - ARTE!Brasileiros #41
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não se dá sem angústia e incer-  conflitos por oposição simples,   Colocar-se no ponto de vista é
                     teza. Não é preciso mais ponde-  suja solução é a eliminação do   fazer um reconhecimento geo-
                     rar sobre qual conflito pode ser   ponto de vista do outro. Nada   métrico do outro. Aqui o outro
                     mais produtivo e qual conflito é   mais natural do que evocar a   não tem corpo, não tem pedras
                     apenas expressão de um gozo      empatia neste contexto. Ela      no sapato ou calos, nem corpo.
                     estético com a denúncia ou piro-  seria o antídoto natural contra   Tomemos a pintura de Carl
                     tecnia do ódio. Perdemos nossos   a intolerância, a perseguição de   Spitzweg (1808-1885) que exem-
                     curadores. Tanto no sentido da   estrangeiros, imigrantes e todos   plifica a paisagem estética que
                     curadoria museológica quanto     estes que estariam “em excesso   Vischer tinha à sua disposição.
                     do cuidado de si, como atitude   no mundo”, e cuja eliminação     Ele consegue despertar extrema
                     filosófica de critica ao poder.    tornaria tudo mais fácil.      simpatia ao produzir a ilusão
                     Nesta hora muitos clamam pela    A polêmica terminológica seria   de um mesmo ponto de vista
                     empatia, pelo retorno a solida-  apenas um preciosismo senão      quando o espectador também
                     riedade ou pela lembrança de     atentássemos para a importân-    contempla solitário as nuvens e
                     temas fraternos.                 cia da diferença entre identifica-  a paisagem distante. O franco
                     O termo empatia foi introdu-     ção e empatia. Uma cultura da    contraste com as plantas que
                     zido por Robert Vischer em       simpatia dissemina-se pela popu-  mimetizam a vida no campo,
                     “Sentimento ótico da Forma”      larização de imagens digitais    estabelecem a saudade como
                     (1873) como “projeção do sen-    e pela condição, cada vez mais   sentimento empático projetado
                     timento humano para o mundo      importante, de uma afinidade     na natureza. Uma vida simples,
                     da natureza”. Tietchner traduziu   estética preliminar como condi-  com relações orgânicas, sem
                     o termo alemão “Einfüllung”,     ção para a produção de senti-    tanta preocupação, despertará
                     usando a derivação grega de      mentos de admiração, respeito    certamente simpatia.
                     pathos, em “empathy”.  Pathos    e interesse: animais de estima-  A mesma solidão que se percebe
                     em grego remete tanto a pai-     ção, crianças felizes e sorvetes   nesta tela na qual o personagem
                     xão, quanto sofrimento e ainda   de morango são simpáticos.       é esmagado pelo peso dos livros
                     capacidade de afetar-se com o    Mas o que podemos esperar da     e por sua improvável posição de
                     outro. Menos do que doença,      simpatia é a experiência moral   leitura em cima de uma escada.
                     pathos é conflito.  O termo ale-  da tolerância pela partilha das   Mas ocorre que ele não se per-
                     mão continha o radical ein (um)   identificações.                 cebe em perigo, absorto que
                     e o verbo fullen (sentir) o que   Freud leu Lipps, que leu Vischer,   está em sua tarefa. Aqui inter-
                     nos leva o sentimento de uni-    e usava o termo Einfüllung para   vém o segundo tempo da empa-
                     dade. Vischer tentou discernir   designar os encontros mais pro-  tia. Colocar-se no ponto de vista
                     este sentimento de unidade de    missores entre analista e anali-  do outro, sim, mas para depois
                     experiências conexas como o      sante. A empatia, combinando     separar-se dele, enigmatizá-lo,
                     sentir com (Mifüllen), o sentir   sua versão alemã com a inglesa,   perceber que ele mesmo não
                     junto (Zuzamenfüllen) e o sentir   é um percurso de reconheci-    percebe seu ponto de vista, nem
                     próximo (Nachfüllen). Ele tam-   mento, não é apenas um afeto     o olhar de quem o espreita em
                     bém tentou separar sentimentos   pontual. Se a empatia é a atribui-  sua privacidade. Há um conflito
                     (Füllen) de sensações (Empfin-   ção de traços humanos a natu-    entre a geometria do outro
                     dung). A participação do corpo,   reza, podemos dizer que ela é ao   e aquilo que lhe escapa, seu
                     a presença do humor comum e      mesmo tempo psicológica, polí-
                     a compaixão ficam pouco repre-   tica e estética, como é também a       CARL SPITZWEG, THE BOOKWORM, 50 X 79 CM
                     sentadas quando olhamos para a   ideia de catharsis, ou seja, purifi-
                     separação mais tradicional entre   cação ou “cura” que decorria da
                     a empatia e a simpatia.          encenação as tragédias gregas.
                     Portanto quando dizemos que      O primeiro passo da empatia é
                     há uma afinidade baseada em      o reconhecimento de si naquilo
                     identificações, só podemos con-  que é inhumano por definição, a
                     cluir que disso decorre simpa-   natureza, com suas expressões
                     tia, mas afinal é a simpatia dos   paisagísticas, com seus mares
                     grupos e gostos entre si, das    convulsivos, com suas naturezas
                     identidades e das orientações,   mortas. Empatia não é apenas
                     políticas, éticas e estéticas que   colocar-se no lugar do outro,
                     tem nos levado a um estado       (another shoes) mas perceber o
                     de obscurantismo. A proximi-     outro como outro e não apenas
                     dade por identificação produz    como um duplo de si mesmo.



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