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não se dá sem angústia e incer- conflitos por oposição simples, Colocar-se no ponto de vista é
teza. Não é preciso mais ponde- suja solução é a eliminação do fazer um reconhecimento geo-
rar sobre qual conflito pode ser ponto de vista do outro. Nada métrico do outro. Aqui o outro
mais produtivo e qual conflito é mais natural do que evocar a não tem corpo, não tem pedras
apenas expressão de um gozo empatia neste contexto. Ela no sapato ou calos, nem corpo.
estético com a denúncia ou piro- seria o antídoto natural contra Tomemos a pintura de Carl
tecnia do ódio. Perdemos nossos a intolerância, a perseguição de Spitzweg (1808-1885) que exem-
curadores. Tanto no sentido da estrangeiros, imigrantes e todos plifica a paisagem estética que
curadoria museológica quanto estes que estariam “em excesso Vischer tinha à sua disposição.
do cuidado de si, como atitude no mundo”, e cuja eliminação Ele consegue despertar extrema
filosófica de critica ao poder. tornaria tudo mais fácil. simpatia ao produzir a ilusão
Nesta hora muitos clamam pela A polêmica terminológica seria de um mesmo ponto de vista
empatia, pelo retorno a solida- apenas um preciosismo senão quando o espectador também
riedade ou pela lembrança de atentássemos para a importân- contempla solitário as nuvens e
temas fraternos. cia da diferença entre identifica- a paisagem distante. O franco
O termo empatia foi introdu- ção e empatia. Uma cultura da contraste com as plantas que
zido por Robert Vischer em simpatia dissemina-se pela popu- mimetizam a vida no campo,
“Sentimento ótico da Forma” larização de imagens digitais estabelecem a saudade como
(1873) como “projeção do sen- e pela condição, cada vez mais sentimento empático projetado
timento humano para o mundo importante, de uma afinidade na natureza. Uma vida simples,
da natureza”. Tietchner traduziu estética preliminar como condi- com relações orgânicas, sem
o termo alemão “Einfüllung”, ção para a produção de senti- tanta preocupação, despertará
usando a derivação grega de mentos de admiração, respeito certamente simpatia.
pathos, em “empathy”. Pathos e interesse: animais de estima- A mesma solidão que se percebe
em grego remete tanto a pai- ção, crianças felizes e sorvetes nesta tela na qual o personagem
xão, quanto sofrimento e ainda de morango são simpáticos. é esmagado pelo peso dos livros
capacidade de afetar-se com o Mas o que podemos esperar da e por sua improvável posição de
outro. Menos do que doença, simpatia é a experiência moral leitura em cima de uma escada.
pathos é conflito. O termo ale- da tolerância pela partilha das Mas ocorre que ele não se per-
mão continha o radical ein (um) identificações. cebe em perigo, absorto que
e o verbo fullen (sentir) o que Freud leu Lipps, que leu Vischer, está em sua tarefa. Aqui inter-
nos leva o sentimento de uni- e usava o termo Einfüllung para vém o segundo tempo da empa-
dade. Vischer tentou discernir designar os encontros mais pro- tia. Colocar-se no ponto de vista
este sentimento de unidade de missores entre analista e anali- do outro, sim, mas para depois
experiências conexas como o sante. A empatia, combinando separar-se dele, enigmatizá-lo,
sentir com (Mifüllen), o sentir sua versão alemã com a inglesa, perceber que ele mesmo não
junto (Zuzamenfüllen) e o sentir é um percurso de reconheci- percebe seu ponto de vista, nem
próximo (Nachfüllen). Ele tam- mento, não é apenas um afeto o olhar de quem o espreita em
bém tentou separar sentimentos pontual. Se a empatia é a atribui- sua privacidade. Há um conflito
(Füllen) de sensações (Empfin- ção de traços humanos a natu- entre a geometria do outro
dung). A participação do corpo, reza, podemos dizer que ela é ao e aquilo que lhe escapa, seu
a presença do humor comum e mesmo tempo psicológica, polí-
a compaixão ficam pouco repre- tica e estética, como é também a CARL SPITZWEG, THE BOOKWORM, 50 X 79 CM
sentadas quando olhamos para a ideia de catharsis, ou seja, purifi-
separação mais tradicional entre cação ou “cura” que decorria da
a empatia e a simpatia. encenação as tragédias gregas.
Portanto quando dizemos que O primeiro passo da empatia é
há uma afinidade baseada em o reconhecimento de si naquilo
identificações, só podemos con- que é inhumano por definição, a
cluir que disso decorre simpa- natureza, com suas expressões
tia, mas afinal é a simpatia dos paisagísticas, com seus mares
grupos e gostos entre si, das convulsivos, com suas naturezas
identidades e das orientações, mortas. Empatia não é apenas
políticas, éticas e estéticas que colocar-se no lugar do outro,
tem nos levado a um estado (another shoes) mas perceber o
de obscurantismo. A proximi- outro como outro e não apenas
dade por identificação produz como um duplo de si mesmo.
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Book_ARTE41.indb 77 11/29/2017 4:53:20 AM