Page 76 - ARTE!Brasileiros #41
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ARTIGO ARTE E PSICANÁLISE






            EMPATIA E CONFLITO NA


            EXPERIÊNCIA ESTÉTICA





            POR CHRISTIAN INGO LENZ DUNKER




             NA RECENTE MOSTRA orga-
             nizada pelo Museu da Empatia,
             em curso no MAM de São Paulo,
             pessoas são convidadas a vestir
             sapatos aleatoriamente ofere-
             cidos enquanto escutam as nar-
             rativas de vida dos seus donos.
             A ideia é uma espécie de litera-
             lização da expressão “walk with
             other shoes”, isto é, colocar-se
             nos sapatos do outro, no lugar
             do outro e assumir seu ponto de
             vista. A experiência inclui-se em
             uma série de iniciativas que pro-
             curam trazer o universo muse-
             ológico mais perto das pessoas,
             diminuindo a impressão popular   CARL SPITZWEG, VERDÄCHTIGER RAUCH (FUMAÇA SUSPEITA)
             de que a apreciação de obras de
             arte é uma tarefa para pessoas   suspeita sobre a legitimidade de   inadequação, nos ajuda a enten-
             muito cultas. Mas será mesmo     nossa própria identidade.        der porque, repentinamente não
             que a experiência estética é     Pierre Bordieu mostrou como      precisamos mais de mediações.
             capaz de tratar conflitos, gene-  o capital cultural tende a se   Os críticos de arte se tornaram
             ralizando e unindo pessoas ou    concentrar, reproduzindo-se e    inúteis, os professores são dis-
             ela apenas confirma e aprofunda   acumulando-se de modo seme-     pensáveis, a imprensa reproduz
             a exclusão de classe, de raça ou   lhante ao capital social e pelo   mal o que a massa digital faria
             de origem?                       capital social. Mas o que dizer    melhor e mais espontaneamente.
             Ressoa ao fundo a tese de que    de uma elite que não consegue    Isso pode nos ajudar a entender
             se conseguimos nos reconhecer    mais ler seu próprio tempo,      a recente onda de repúdio a cer-
             no outro nós poderemos nos       nem se intimida diante de sua    tos artistas e suas exposições
             entender melhor com a nossa      própria mediocridade? Que        (como a Queermuseum de Porto
             própria diversidade. Por outro   entende a universidade e a cul-  Alegre), de ódio aos intelectuais
             lado a mesma obra de arte que    tura como uma ameaça ao seu      e professores, (como a fogueira
             nos transforma, porque sur-      próprio valor central: o dinheiro.   pública na qual a imagem de
             preende e inquieta, pode ser     Até recentemente o dinheiro      Judith Butler foi queimada como
             reduzida a um relato inautêntico,   no Brasil não requeria história.   “bruxa”), de ataques a univer-
             usado apenas como signo de       Ele falava por si mesmo, como    sidades e centros de pesquisa
             pertinência de classe ou como    signo de sucesso e poder auto-   (com redução de verbas e suca-
             espetáculo de consumo. Um sinal   justificado. Contudo, um dos    teamento programado).
             confirmador que confere autenti-  benefícios da crise brasileira é   Tudo se passa como se não fosse
             cidade e legitimidade social para   ter posto sob suspeita genera-  mais necessário qualificar o con-
             a riqueza que se possui pode     lizada o regime das aparências.   flito, trabalhar para que ele crie
             ser, ao mesmo tempo, fonte de    O sentimento de impostura e de   efeitos de transformação, que







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