Page 71 - ARTE!Brasileiros #41
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Já a cultura não. A cultura é um pouco aquele eixos principais – as cosmovisões, a educação, a
vocabulário que nós criamos coletivamente para ideia de narrativas, as identidades múltiplas e a
poder falar disso, entender nosso ser no mundo, ecologia – são exatamente esses assuntos que
de uma forma mais complexa. estão sendo ameaçados diariamente.
Gosto de usar esse paralelo mais óbvio, entre
cultura e agricultura. Quando a gente joga veneno Exatamente. São por essas frentes que identificamos o
num terreno, não cresce mais nada e a gente perde retrocesso?
essa riqueza e a consciência dessa riqueza. Estou Tudo que a gente tem vivido, o retrocesso ou o
mais preocupado com a dita cultura, a partir da controle pelo capital, o desejo de poder pelo poder,
qual a gente consegue estabelecer, defender e é tudo por aí. Nossos recursos do Brasil estão todos
resistir a essas invasões super radicais e ultra em jogo. A ecologia, a diversidade, a multiplicidade,
conservadoras. Estou muito mais preocupado com a questão indígena... Mas a discussão não acabou.
perder essas memórias – perder por exemplo essa E é curioso, porque durante a Bienal, nesses três
noção que falávamos de integração entre uma meses em que ela teve 900 mil visitantes, não
poética, uma política, um conceito e uma forma- tivemos nenhum problema desta ordem aqui em
lização, algo que é tão diferencial e tão único na São Paulo. Mas tenho certeza de que se a gente
arte brasileira. Isso é muito triste. abrisse hoje a mesma Bienal era o que aconteceria.
Isso porque não foi nem um ano atrás.
Como enfrentar isso?
Acho que a gente tem que fazer muito esforço Com relação à programação da Pinacoteca, é possível notar
para defender nossas instituições como espaço algumas linhas de força e um peso de questões candentes
plural. A diversidade é o único jeito, A gente pode como as discussões de gênero e raça. ‘Radical Women’ se
aprender por exemplo com culturas indígenas que apresenta como um dos grandes destaques?
claramente cultivam a terra em múltiplos cami- Acho importante entender que é uma exposição
nhos, sempre visando a diversidade. Se alguma histórica, que está sendo organizada pelo Hammer
coisa está sendo ameaçada, tem outras formas que Museum, de Los Angeles. São duas curadoras, a
seguram a cultura em conjunto. Estamos vivendo Cecilia Fajardo-Hill e a argentina Andrea Giunta,
uma situação histórica na qual a diversidade está que há sete anos vem fazendo uma pesquisa,
sendo atacada, a multiplicidade está sendo redu-
zida para que se tenha uma só narrativa predomi-
nante e isso é muito perigoso. O papel principal
que quebrou vários paradigmas e a noção de incerteza, ‘‘
das instituições culturais é promover a diversidade,
a pluralidade. Criar formas, programas inclusivos
para todos, entender que as linguagens são mui-
ESTAMOS VIVENDO UMA
tas, que os discursos são muitos. É nosso papel.
SITUAÇÃO HISTÓRICA NA QUAL A
DIVERSIDADE ESTÁ SENDO ATACADA,
Você poderia fazer um balanço da 32 Bienal? Foi uma bienal
a
que balizou a mostra, parece cada vez mais presente hoje. A MULTIPLICIDADE ESTÁ SENDO
REDUZIDA PARA QUE SE TENHA UMA
Para mim é muito curioso isso, é um processo que SÓ NARRATIVA PREDOMINANTE E
ainda está em andamento. Em vez de fechar em ISSO É MUITO PERIGOSO. O PAPEL
dezembro, ela se desdobrou num monte de outros
diálogos. Passou por doze cidades brasileiras, PRINCIPAL DAS INSTITUIÇÕES
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foi para Bogotá, para o Porto, em Portugal, ela é CULTURAIS É PROMOVER A
muito viva. Os assuntos que desenvolvemos como DIVERSIDADE, A PLURALIDADE
Book_ARTE41.indb 71 11/29/2017 4:53:08 AM