Page 70 - ARTE!Brasileiros #40
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EXPOSIÇÃO ENTREVISTA

             culturais e intermediários que estão ali só para lucrar e   naquela ocasião, muito embora tenham encomendado
             ter cada vez mais poder. Pela Lei Rouanet o artista faz   um trabalho, mais voltado a uma antropologia visual que
             um livro e ele mesmo não pode ganhar dinheiro com sua   fiz, em 1973, em São Fidélis, no estado do Rio. Durante
             obra, porque a contrapartida é a divulgação. O artista   um ano, fiquei registrando a vida de uma família. Ia para
             está sempre “promovendo” o trabalho dele e quem ganha   lá, de dois em dois meses, e passava 15 dias com eles.
             mais é o produtor e o intermediário.              Estudei fotografia em Nova York por apenas um mês – o
             E o que você pensa sobre o fotojornalismo praticado hoje?  suficiente, para mim – e nesse período que vivi lá, de 1970
             Hoje, quem tem um telefone celular com câmera pode   a 1972, não tive contato algum com pessoas do meio
             fazer fotojornalismo. Como isso também já está total-  da fotografia. Meu contato era com o pessoal das artes
             mente controlado, o que sai na televisão é o mesmo que   plásticas. Americanos e brasileiros como o Hélio Oiticica,
             sai nos jornais. Nunca achei que fazia fotojornalismo. Para   que morava lá e chegou a me acolher por oito meses.
             mim, o que fazia era mais uma espécie de “fotodocumen-  Nesse período você fez uma série de filmes em Super 8 que foram
             tarismo” com uma interpretação poética, uma construção   perdidos em um incêndio. Quantos eram ao todo?
             diferente, como em uma exposição que eu fiz no Parque   Em Nova York, fiz oito filmes em Super 8, mas perdi
             Lage, em 1978, chamada Negativo Sujo, que já era isso.   todos eles nesse incêndio. Eram filmes feitos de situa-
             Trabalhei para a National Geographic em 1979, fazendo   ções que eu criava e outras que eram tomadas ao vivo
             um trabalho sobre menores abandonados que, depois, me   mesmo. Tinha um, de três minutos, só com luvas que eu ia
             levou a conhecer o Pelourinho e a fazer o trabalho com   achando no inverno da cidade e depois tacava fogo nelas.
             as prostitutas. Eu estava morando em Salvador, casado   Tem um outro, que fiz quando morei na rua 3, em cima
             com a irmã do Mário Cravo – com quem eu tenho um filho,   de uma base dos Hell Angels. Eu vivia com minha amiga
             que é músico e tem 33 anos, Gerônimo Cravo Rio Branco,   Patricia Nolan, que também é fotógrafa, e certa noite ela
             ele é baterista, vivia na Bahia e há onze meses foi para o   estava sentada na janela, meio lânguida. Lá embaixo, um
             Canadá. Nunca fiz, realmente, fotojornalismo. Tem uma   hell angel tentava fazer a motocicleta andar, querendo
             moça, que era jornalista e hoje virou uma respeitada   impressioná-la, mas a moto não pegava. Um filme de
             curadora, que uma vez me chamou de “fotorrepórter”.   três minutos, mas que dizia muito sobre machismo e
             Fotorrepórter é a vovozinha dela! Eu nunca fiz fotorre-  impotência.  Esse filme era lindo, se chamava Waiting for
             portagem. Se a pessoa não tem capacidade de enxergar   The Man, que era uma música do Lou Reed.
             isso, como é que consegue se tornar curadora?!    Composta por ele nos tempos do Velvet Underground…
             As divisas entre a foto publicitária, o fotojornalismo dos veículos   Sim, da fase Velvet Underground. Aliás, não conheço todo
             diários e das revistas semanais, defendem alguns críticos, parecem   o trabalho do Warhol, mas suspeito que a melhor coisa que
             estar cada vez mais tênues. Você concorda?        ele fez foi justamente ter lançado o Velvet Underground,
             Concordo e digo mais: essas coisas se misturam há   porque os filmes que ele produziu, simplesmente não dá
             muito tempo. Vem também da paginação das revistas   para ver. Nem naquela época nem hoje. Eram tempos em
             americanas, que sempre foi assim. Se você pegar uma   que surgia também a body art. Hoje, o pessoal da body
             das primeiras edições da Playboy americana verá que   art está pegando aquelas imagens, trabalhos que não
             já naquela época tudo era misturado. Naturalmente, a   eram para ser comercializados, e estão vendendo tudo.
             única coisa que não era misturada era aquele folder do   Um absurdo! Por exemplo, aquele filme meu Nada Leva-
             meio com o poster da playmate. Minha cultura fotográ-  rei Quando Morrer, Aqueles Que Mim Devem, Cobrarei no
             fica veio justamente de revistas como Playboy, Timelife,   Inferno não é comercializável, mas já houve mais de um
             Elle. Era o que eu via de fotografia. Cartier Bresson, por   galerista querendo fazer daquilo uma série limitada. Eu
             exemplo, eu fui saber quem era por volta de 1979, 1980,   me recuso. Não tem nada a ver. O mundo todo só pensa
             por meio de amigos de São Pulo. Meu primeiro contato   em dinheiro e essa coisa ainda vai dar merda. Aliás, já está
             com a agência Magnum foi em 1972. Fiz um trabalho para   dando muita merda, e é por isso que eu acho que esse
             eles em 1973, mas ninguém sabe disso, porque foi um   é o momento mais indicado de pensar em todas essas
             contato passageiro. Eu estava voltando de Nova York e   coisas. Uma das grandes proteções que, a meu ver, ainda
             levei um portfolio para a Magnum, várias pessoas viram   existe, é ficar fora das cidades, voltar para a natureza e
             meus trabalhos, e Charlie Harbutt – não sei se ele era o   não entrar numas de guerra, porque não vamos chegar
             presidente na ocasião, não me recordo – gostou muito   a lugar nenhum. É por isso que escolhi viver aqui… Esse
             do que viu. Mas não cheguei a entrar para a Magnum   lugar serve muito para eu tentar me acalmar um pouco.


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