Page 66 - ARTE!Brasileiros #40
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EXPOSIÇÃO ENTREVISTA
FOTOS DE MIGUEL RIO BRANCO, SEM TÍTULO, DA SÉRIE MACIEL, 1979
Escoltado por galos, galinhas, um casal de dachshunds que Miguel Rio Branco é direto, sem meias palavras, como
atendem pelas alcunhas de Café e Cacau, e uma basset podemos constatar na entrevista a seguir, registrada na
chamada Capuccino, o artista nos recepcionou na soleira ocasião em que foi publicada a reportagem de 2011 e até
de seu portão, na manhã de um domingo nublado que então inédita na íntegra.
reduziu o belo trajeto de subida de serra a uma frustrante
visão contínua de nuvens e rajadas de chuva. ARTE!Brasileiros — Quando você passou a morar em Araras e como
Cansado da rotina das grandes cidades, o fotógrafo, pin- tem sido essa fase, Miguel?
tor e artista multimídia, célebre pela profusão de cores MIGUEL RIO BRANCO – Vivo aqui desde 2006. Queria me
em suas obras, encontrou refúgio e serenidade em meio a afastar um pouco da cidade, mas ainda é algo que tenho
um bucólico vale de um verde predominante, que culmina de melhorar em mim. Tenho que me desligar ainda mais
na gigante Maria Comprida, montanha rochosa de quase da questão das cidades e do estresse…
dois mil metros de altura, que, reza a lenda, era habitada, Você teve uma vida de muito trânsito. Como foi viver em tantos
em seu cume, por sacis-pererês e mulas-sem-cabeça. lugares diferentes e, particularmente, no Brasil?
Enquanto coa um café no subsolo da casa repleta de Nasci na Espanha e cheguei no Brasil com 3 anos de
estruturas de madeira e vidro, Rio Branco defende que idade. Pouco depois, fomos morar em Buenos Aires,
sempre esteve à margem de convenções: “De certa forma, vivemos um tempo em Portugal e retornamos um breve
sou marginal na essência. Uma pessoa que trabalha período para cá, até que, dos 10 aos 14 anos, morei
com fotografia, pintura, desenho, cinema, é também um na Suíça. Fui alfabetizado em Portugal e voltei para o
marginal, porque o próprio sistema, o tempo todo, tenta Brasil com um puta sotaque português e sacaneado
definir você como uma coisa só”. por todos. Era chamado de “Bacalhauzinho”. Depois, fui
Diferentemente de suas fotografias, pinturas, filmes para o Colégio Santo Inácio e as coisas por lá também
e instalações, que estimulam subjetividades poéticas, não deram muito certo. Fui ameaçado de ser colocado
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Book_ARTE 40_Bilingue.indb 66 9/21/2017 3:56:44 PM