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EXPOSIÇÃO SÃO PAULO
FRAME DE O BATEDOR DE BOLSA, DE DALTON PAULA (2011, VÍDEO, 1’30”)
Cultural Videobrasil e idealizadora do Festival Interna- binária. O xis vem como um recurso de atualização.”
cional de Arte Contemporânea Sesc_Videobrasil, que, O título da mostra também faz alusão à histórica revo-
em outubro, chega à vigésima edição, além de exercer lução liderada por Toussaint L’Overture que, após cinco
o papel de vitrine, Agora Somos Todxs Negrxs? tem o anos de conflitos sangrentos, libertou os escravos hai-
caráter de questionar convenções estruturais. “Existe tianos do império francês de Napoleão Bonaparte em
uma produção enorme e potente de artistas que tem 1804. No ano seguinte, instituída a república foi con-
discursos importantes, com uma produção simbólica cluída a constituição do novo país caribenho. No artigo
maravilhosa, mas que é pouco vista e que tem pouca 14, o documento determina: “Todos os cidadãos, de
inserção no circuito de arte. A mostra é também um agora em diante, serão conhecidos pela denominação
lugar para mexer com esses pontos nebulosos da nossa genérica de negros”.
própria cultura. É preciso dar espaço para esses artistas “Isso trouxe a perspectiva de uma aliança, dentro do
e coloca-los em contato com a cena que eles querem conceito de negritude, de todo processo de descoloni-
estar inseridos”, defende. zação, de os não brancos se aliarem em torno de um
A utilização da letra x, adotada para definir a orien- guarda-chuva conceitual de negritude”, explica Lima.
tação não binária de gênero, nas palavras “todos” e Aparentemente irônico, sobretudo se lido por brancos,
“negros”, reverbera, segundo o curador, Daniel Lima, o título da mostra, defende o curador, também tem
discussões irrecusáveis da contemporaneidade. “O proposições afirmativas: “O ponto de interrogação do
uso do xis traz uma perspectiva diferente do que foi título pode ser entendido como ‘sim, agora somos todos
a afirmação do Movimento Negro da década de 1960 negros’, mas nele cabe também a interpretação de que,
e 1970. Hoje é impossível pensar a questão negra sem num processo de exceção, temos uma exposição toda
também equacionar a questão de gênero. Impossível constituída por artistas negros. A ideia é contemplar
pensar essa aliança sem a ideia de resistência contra essa nova geração, dialogar com as gerações anteriores,
um mundo patriarcal, branco e euro-centrado, e sem mas também marcar essa trama única e singular que
equacionar a perspectiva feminina e a perspectiva não existe hoje de artistas negros”, conclui.
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Book_ARTE 40_Bilingue.indb 62 9/21/2017 3:56:33 PM