Page 49 - ARTE!Brasileiros #39
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era um bom lugar para se instalar”, explica Carlos Urroz,
diretor da tradicional feira ARCO Madrid e agora de sua
versão lusitana, a ARCO Lisboa.
Gadanho segue a mesma linha: “Com a crise, houve
muita gente saindo do país, por falta de oportunidades,
mas, para aqueles que ficaram, houve também uma
necessidade de se reinventar e criar outro tipo de ati-
vidade criativa. Lisboa era também uma cidade muito
barata, o que atrai artistas e gente inventiva. Acho
que a combinação desses dois fatores criou uma nova
efervescência, considerando as culturas mais jovens,
que produzem certo equilíbrio com o que é a oferta
cultural mais tradicional da cidade”.
Foi com a percepção desse ambiente criativo e a cons-
tatação de que a economia começava a se recuperar
– o PIB voltou a crescer e o desemprego que atingiu
17% em 2013 está hoje em 10% – que a ARCO decidiu
realizar sua primeira edição em Lisboa em 2016. Com a
presença de 45 galerias nacionais e estrangeiras, a feira
teve bons resultados no ano de estreia. Todas as casas
retornam neste ano ao evento, que apresenta um cres-
cimento de 30% na sua segunda edição, com um total
de 58 galerias participantes – incluindo as brasileiras
Vermelho, Baró, Anita Schwartz e Jaqueline Martins.
Para Urroz, Lisboa reúne todas as características para
ser um polo de destaque da arte contemporânea, “pri-
meiro porque tem uma cena local muito interessante,
mas também por causa de sua capacidade de atrair
gente de todo o mundo. Há grandes galerias e institui-
ções de peso, como as fundações Calouste Gulbenkian
e Serralves, a Coleção Berardo e o MAAT. O que falta
CRISE ECONÔMICA E ARCO ainda é uma recuperação do colecionismo da classe
Se MAAT e Boca são dois casos de grande destaque no média, algo que existiu, mas retraiu com a crise. E acho
panorama português, estão longe de serem os únicos. que a feira pode ajudar nesse sentido”.
Enquanto dezenas de mostras estreiam semanalmente Assim como os espanhóis da ARCO, artistas, galeristas,
nas instituições, novas galerias portuguesas abrem as colecionadores, diretores de museu e curadores de
portas, assim como filiais de casas estrangeiras. Espa- vários cantos do mundo também passam a olhar com
ços para residências artísticas se multiplicam em várias mais atenção para Portugal e seu intenso desenvolvi-
cidades do país, e não parece ser à toa que Lisboa foi mento cultural. “Em parte, Portugal continuou a ser
escolhida Capital Ibero-americana de Cultura em 2017. como um lugar a se descobrir até muito recentemente”,
Paradoxalmente, muitos enxergam essa efervescência afirma Gadanho, relembrando que o país permaneceu
no cenário artístico como um tipo de consequência quase isolado até o fim da ditadura fascista em 1974
colateral positiva da crise econômica que desestruturou e sofreu ainda grandes consequências – econômicas e
o país a partir de 2011, após a crise financeira global de sociais – nas décadas seguintes. “E acho que o que está
2008. “A verdade é que a crise nos últimos anos tam- acontecendo, finalmente, junto a um boom turístico, é
bém criou oportunidades de negócio no país, por conta
uma aproximação de novas camadas de pessoas com
FOTO RODRIGO GATINHO de aluguéis baratos e da disponibilidade de espaços outro tipo de interesse pelo país, por sua cultura.”
grandes que já não havia em outras cidades europeias. O interesse de instituições brasileiras pela arte con-
E isso fez com que artistas e galerias percebessem que temporânea portuguesa é outro exemplo notável desse
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