Depois de 20 anos sem trabalhar no cinema brasileiro, a atriz volta ao cartaz com uma atuação sublime em "Aquarius", segundo longa-metragem de Kleber Mendonça Filho. Do “topo da montanha” de sua trajetória vitoriosa, Sonia diz enxergar com clareza a própria vida e os expedientes que levaram o Brasil ao que considera uma afronta à democracia
Sonia Braga nas ruas do Chelsea, em Nova York, em ensaio exclusivo para CULTURA!Brasileiros. Foto: Alcir N. da Silva
Sonia Braga vive momento feliz. Aos 66 anos, duas décadas depois de participar das filmagens de Tieta do Agreste, de Cacá Diegues, a atriz voltou a atuar no País em 2015. Protagonista de Aquarius, novo longa-metragem de Kleber Mendonça Filho, que estreou nos cinemas de todo País na última quinta-feira (1), ela diz que, ao constatar a dimensão heroica e altiva da personagem Clara, foi arrebatada pelo roteiro original do diretor pernambucano. Viúva, jornalista aposentada e escritora, Clara reside no edifício que dá nome ao filme, um charmoso prédio de três andares construído na década de 1940 na orla da praia de Boa Viagem, um dos metros quadrados mais caros do Recife.
Culta e serena, Clara vive sozinha no apartamento, onde desfruta de sua enorme paixão pela música. Da porta da sua sala para fora, no entanto, o Edifício Aquarius é um campo de batalha. Aguerrida, ela permanece isolada no prédio, depois de todos os vizinhos terem vendido seus imóveis para a construtora Bonfim, que pretende erguer ali um arranha-céu e faturar milhões. A luta contra a especulação imobiliária é, para Clara, um embate de preservação do espaço físico e de sua própria memória afetiva.
De Nova York, em longa entrevista à CULTURA!Brasileiros iniciada por Skype e, depois, por telefone, Sonia revela que recentemente enfrentou um imbróglio jurídico, semelhante ao de Clara, com a Rede Globo. O processo foi motivado pela reprise do folhetim Dancin’ Days. Depois de um ano lutando para ser remunerada pelos direitos sobre o uso diário de sua imagem como Julia, protagonista na novela de 1978, a atriz foi derrotada na Justiça. Ironicamente, ela presidiu a comissão de profissionais do meio que, em 1979, lutou para que fosse aprovada uma lei de proteção aos direitos de artistas do audiovisual.
Embora feliz, Sonia vive também momento de apreensão. Amplificando o protesto feito no Festival de Cannes com a equipe de Aquarius, ela também demonstra indignação com o governo interino de Michel Temer (tornado efetivo dias depois, com o impeachment de Dilma Rousseff), para Sonia, “um golpe administrativo” que afronta a Constituição de 1988.
Na conversa a seguir, um recorte de quase três horas de prazeroso e bem-humorado bate-papo, a atriz também fala dos motivos que, desde o sucesso mundial de O Beijo da Mulher Aranha (1985), de Hector Babenco, fizeram com que ela trabalhasse cada vez menos no Brasil. Sonia também se diverte ao descobrir duas coincidências entre ela e dois colaboradores desta redação. Em 1983, quando filmava a versão cinematográfica de Bruno Barreto para Gabriela, Cravo e Canela, em Paraty (RJ, ela foi fotografada, em diversas situações, por Hélio Campos Mello, diretor de redação de Brasileiros (“diga a ele que quero cópias dessas fotos, caso contrário não autorizo publicar a entrevista”, brinca). Em 2011, este repórter esteve em Niterói e passou quatro dias na casa da atriz. O motivo? Nas páginas a seguir…
CULTURA!Brasileiros –Por que Aquarius convenceu você a voltar a filmar no Brasil, 20 anos depois de ter feito Tieta do Agreste?
Sonia Braga – Quando li o roteiro de Aquarius, havia nele tamanha força que não restaram questões em relação à personagem e ao filme. O convite de Kleber era irrecusável. Tive uma reação que jamais tive com qualquer outro roteiro que li. Compreendi as palavras de Clara e as situações que ela enfrentava, como se aquela mulher fosse eu.
Que características levaram à constatação de que você e Clara são parecidas?
Tive de criar uma imagem para poder explicar essa semelhança. Primeiro, porque ela e eu tivemos trajetórias muito diferentes, mas a idade que temos, emocionalmente e como cidadãs, nos levou a um mesmo lugar. Foi então que cheguei à seguinte imagem: somos mulheres que escalaram dois pontos diferentes de uma mesma montanha, mas que chegaram à mesma conclusão. Estamos no topo da montanha, temos agora uma visão mais ampla de nossas vidas e enxergamos muito mais longe. Essa imagem dá a dimensão do significado de Clara para mim. Deixei de fazer filmes no Brasil, mesmo amando meu País, porque não estava feliz com minha vida profissional por aí. Há uma questão muito grave, e mesmo distante sei disso, que é a situação dos nossos artistas.
Neste momento, a comunicação via Skype fica insustentável. Depois de muitas falhas nas transmissões de vídeo e áudio, Sonia decide telefonar para a redação de Brasileiros.
Alô, Sonia, está me ouvindo?
Agora sim. Sorte nossa que não somos astronautas…
Sim. Estaríamos orbitando dispersos um do outro… Você se lembra do que estávamos falando?
Claro que lembro. A pessoa que mente é que tem problemas de lembrar do que diz. Quem fala a verdade nunca se encrenca com a memória.
Você falava dos motivos que justificam o hiato de 20 anos sem trabalhar em cinema no País…
A verdade é que nunca quis me afastar do Brasil, mas não é fácil passar por duas gerações de cineastas que, simplesmente, ignoram quem eu sou. Enquanto isso, os convites para trabalhar fora só aumentavam, ao mesmo tempo que a televisão brasileira começou a ser um meio cada vez mais difícil para mim, algo irônico, porque ela foi muito importante para minha carreira.
Telenovelas demandam meses de gravação. Isso influenciou sua decisão de parar de fazê-las aqui?
Nunca tive problema com relação a isso. Passei a ter problemas com a TV brasileira a partir do momento em que percebi que, apesar de nós, artistas, termos uma lei que, bem ou mal, nos protege, há no País uma grande dificuldade de as pessoas entenderem que ser ator é também uma profissão. Dias atrás, escrevi em minha página pessoal do Facebook o absurdo que é alguém como Joana Fomm ter de se expor na internet para desabafar que está procurando emprego. As pessoas deviam sentir constrangimento de saber que uma atriz como ela tem de passar por isso – felizmente, ela já recebeu convites. Então, a ideia de trabalhar no Brasil ficou bem complicada, porque sempre respeitei o ofício de ator, uma profissão que, como todas as outras, tem de ser tratada com dignidade. Mas veja, por exemplo, o que aconteceu quando a Rede Globo decidiu reprisar Dancin’ Days: mesmo com picos de audiência e retorno publicitário, ninguém veio tratar do direito de uso da minha imagem – e fui protagonista da novela! Foi então que decidi mover uma ação contra a Globo e o Canal Viva, e saí em busca da palavra de um juiz para saber se é isso mesmo, se não tenho direitos conquistados. Quando acessei o Supremo Tribunal Federal o que ouvi foi: “Sonia, seus direitos são válidos. Existe uma lei que os assegura”. Mas quando fui ao Ministério do Trabalho, ouvi, pasma, algo como: “Sim, a lei existe, mas, infelizmente, não é executada”. Isso me deixa muito constrangida. Comecei a pensar na minha própria vida e, muito abalada, percebi novamente que meu problema com o Brasil é profissional e não pessoal. Só eu sei o quanto amo meu País.
Esse processo judicial durou quanto tempo?
Pouco mais de um ano…
Ou seja, um embate exaustivo, parecido com a batalha enfrentada por Clara em Aquarius…
Exatamente. Veio daí minha clareza sobre a dimensão da personagem e essa imagem: eu e ela estamos no topo da montanha. Dediquei anos e anos de minha vida ao Brasil. Por ser uma artista que representa o País, fui recebida na Casa Branca. Em 2011, quando o presidente Bill Clinton estava prestes a ir ao Brasil, ele fez questão de conversar comigo. Minha função naquele jantar era, como atriz, representar o Brasil. O fato de o próprio País não me reconhecer dessa forma é uma coisa bem estranha. Veja só o que aconteceu. Tudo parecia esgotado, mas o roteiro de Aquarius caiu nas minhas mãos e foi emocionante descobrir cada cena do filme e ler cada palavra de Clara. Para mim, Aquarius é como uma plataforma de resistência. Tanto que, graças a ele, fizemos o que fizemos nas escadarias do Festival de Cannes.
Aliás, parte da imprensa daqui disse que você foi cooptada a participar do protesto…
Para quem me conhece, essa argumentação não faz o menor sentido. Na minha vida, sempre fiz e faço somente as coisas que quero. Desde namorar alguém que eu sei que vai estragar alguns dos meus dias, até participar de atos políticos. Ninguém nunca me convenceu a fazer nada. Quem me conhece nem tenta.
Quando o protesto começou, você subia a escadaria. E essa imagem foi usada para afirmar que você foi convencida a participar do ato…
É bom falarmos sobre isso, porque vou explicar direitinho o que aconteceu. Enquanto eles imprimiam os cartazes no escritório, eu estava me maquiando, me preparando para a cerimônia. Eles vieram perguntar se eu iria participar do protesto. Disse que sim, mas que eu não precisava de um cartaz, porque iria sem bolsa e não teria onde levar. Um pouco antes de a gente pisar na escadaria, perguntei para o Kleber quando tudo ia começar. Ele disse que era preciso esperar o melhor momento. Não vi quando eles abriram os cartazes, porque estava de costas, posando para os fotógrafos, e aquele homem, da organização do festival, ao ver que eu estava de salto alto, decidiu me ajudar a subir a escadaria. Percebi que o protesto havia começado e pedi que ele, imediatamente, me levasse de volta.
E veja a narrativa que foi feita disso…
Um absurdo! Sabe o que penso sobre as pessoas que acreditam em manipulações como essa? Número um, elas não me conhecem; número dois, tenho pena delas; número três, elas têm de entender que, não só no Brasil, mas no mundo todo, vivemos um momento histórico perigoso. Minha posição sobre o que está acontecendo é afirmar que, mesmo não sendo um golpe como o de 1964, estamos diante de um golpe de estado administrativo. Não podemos aceitar um precedente desse. Quem não enxerga isso, que tente enxergar. Do topo da minha montanha, enxergo muito bem.
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Sonia, em cena de “Atenção Perigo”, de José Rubens, de 1968. Foto: Arquivo pessoal
Em cena de “O Bandido da Luz Vermelha”, de Rogério Sganzerla. Foto: Arquivo pessoal
Em cena de “O Bandido da Luz Vermelha”, de Rogério Sganzerla. Foto: Arquivo pessoal
Na novela “A Moreninha”, com David Cardoso. Foto: Arquivo pessoal
Com Claudio Marzo, em cena do filme “Capitão Bandeira Contra Doutor Moura Brasil”, de Antonio Calmon. Foto: Arquivo pessoal
Em cena da novela “Dancin' Days”. Foto: Arquivo pessoal
Em cena de “O Beijo da Mulher Aranha”, de Hector Babenco, filme que projetou a atriz no cenário internacional. Foto: Arquivo pessoal
Sonia, como Clara, em cena de “Aquarius”, de Kleber Mendonça Filho. Foto: CinemaScope / Divulgação
Clara, pesquisando processos jurídicos que podem comprometer seus oponentes, em cena de “Aquarius”. Foto: Victor Jucá
Sonia, ao lado de Irandhir Santos, que interpreta o salva-vidas Roberval, amigo de Clara em “Aquarius”. Foto: CinemaScope / Divulgação
Sua vivência no País, nos anos 1970 e 80, influenciou a forma como você interpreta essa situação?
Não tenho dúvida. Tudo que sofremos para chegar onde chegamos faz com que eu entenda perfeitamente o que acontece agora. Tenho 66 anos, não sou ativista, não sou militante, mas sei da importância das minhas convicções e dos meus atos. Em Niterói, fui dia após dia à Secretaria do Meio Ambiente até conseguir a retirada de um lixão instalado em lugar indevido. Nunca estive nos holofotes da militância, não acordo militante, mas cidadã. Ninguém se lembra que presidi a comissão que foi ao Supremo Tribunal Federal lutar pela lei que defende os direitos de atores e atrizes. Recentemente, com muito esforço, consegui, por meio do arquivo digital de uma edição da Veja, de 1979, encontrar uma foto de minha luta contra Jece Valadão, que se opunha à criação da lei, por que era produtor e, claro, defendia o seu lado. Lamento não ter encontrado fotos da visita que eu, Betty Faria, Nelson Pereira dos Santos e Reginaldo Farias fizemos ao presidente Figueiredo. Fomos deixar bem claro para ele a importância de aquele artigo ser sancionado. Coisas como essa ninguém sabe, entende? E não estou aqui dizendo: “Ah, eu fiz isso, eu fiz aquilo”.
Você sempre agiu assim?
Desde sempre. Sei dos meus direitos e sempre irei defendê-los. Algo que me assusta e que faz parte da história do Brasil é que não temos um sistema judiciário que funcione. Sem ele o País não caminha. Quem coordena e faz a Justiça no Brasil não assegura ao cidadão que as leis sejam cumpridas. Esse é um quadro complicado de explicar, mas que me parece óbvio: em qualquer país que tem um poder judiciário que não garante os direitos de seus cidadãos, como acontece no Brasil, é previsível que tudo saia do controle.
Voltando ao protesto do Festival de Cannes, como foi a reação das pessoas com a sua participação?
Um horror! Voltei de Cannes e passei cinco dias consecutivos sentada diante do computador por dez, 11 horas, até conseguir limpar todos os ataques que recebi na minha página do Facebook. Claro, demorei tanto porque fiz questão de ir, de página em página, saber quem eram essas pessoas.
E quem eram elas, Sonia?
Gente infeliz, que me faz perceber o quanto o País vive um retrocesso horrível. Não lembro agora quem disse isso, mas, nesta semana, acompanhei quase todos os discursos das convenções do Partido Democrata, e lembro que, ao dizer que esse retrocesso é um fenômeno mundial, alguém questionou: “Até quando eles querem ir? Até derrubar os direitos civis? Até antes de as mulheres poderem votar?”. O mesmo vale para o Brasil. Até onde vamos retroceder? Até a volta da escravidão?! Vamos mesmo considerar normal um golpe que ofende e fere a Constituição brasileira?
Vivendo fora do País há mais de 20 anos, a evolução desse processo era perceptível para você?
Sempre procurei me informar sobre o que ocorre no Brasil. Quero deixar claro que a Rede Globo não é a única responsável por tudo que está acontecendo, mas, em um País com mais de 200 milhões de habitantes, o fato de uma emissora de TV ter mais de 70% de audiência é muito perigoso. Isso jamais deveria acontecer em uma nação onde as condições de trabalho são tão injustas que não permitem sequer que as pessoas criem diálogo com seus companheiros para que possam defender seus interesses.
O que acha da nova gestão do Ministério da Cultura?
Simplesmente que ela não tem credibilidade. Aliás, você viu o que eu falei para o ministro interino? Dias depois de ele assumir o MinC – com a pasta ressuscitada, graças à pressão dos artistas –, a imprensa perguntou o que ele achava sobre o protesto que fizemos. Ele teve o disparate de chamar o ato de “criancice”. Veja o nível do debate. Soube disso quando estava na rua. Voltei imediatamente para minha casa e escrevi um texto aberto, em meu Facebook, que começava assim: “Ministro Marcelo, você tem 33 anos de idade. Só de profissão e contribuição para a cultura do País, tenho mais de 50 anos. Desculpe dizer isso, mas é que acho que você não deve saber quem eu sou”. Se ele estivesse verdadeiramente preparado para ser um ministro da Cultura, teria defendido e não atacado todos nós de forma tão cínica.
Você diria o mesmo para quem pediu boicote ao filme?
O que disse ao ministro vale para eles da mesma forma. Não consigo entender de onde surgem pessoas tão desinformadas e raivosas. Não compreendo de onde vem tanto ódio. Como é que alguém que age assim pode dizer que é brasileiro? A bandeira do Brasil virou um símbolo para essa gente, mas não entendo como eles podem dizer que amam nosso País ao mesmo tempo que pedem o boicote de um filme que representou o Brasil, com grande sucesso, no Festival de Cannes, um dos mais respeitados do mundo. Que atitude esquizofrênica é essa?!
Kleber contou que Aquarius já foi vendido para mais de 60 países. Você acha que, no Brasil, existe um ambiente de alienação que transforma em algo coerente o pedido de boicote a um filme de tamanho interesse mundial?
Acho que sim. Essas pessoas não fazem a menor ideia de quantas críticas incríveis foram publicadas sobre o filme ao redor do mundo. Isso é o Brasil sendo visto aqui fora com grandiosidade. Isso é o mundo descobrindo que o Brasil também faz cinema lindo, que nossos filmes emocionam o mundo. Isso é saber que o Brasil tem um diretor tão talentoso, que, sobre ele, a imprensa mundial afirma: “Aguardamos com grande expectativa Aquarius, o novo filme de Kleber Mendonça Filho”. Uma pessoa como ele não ser reconhecida em seu próprio País, por total ignorância das pessoas, é um absurdo. Quando Kleber e a equipe voltaram do Festival de Cannes – sobretudo depois de ele também ter feito uma carreira brilhante com O Som ao Redor –, eles tinham de ser recebidos pela imprensa local, no desembarque do aeroporto, como se fossem um time de futebol que é recebido com festa. Defendo Kleber incondicionalmente. Amo o que ele faz, da mesma forma que amo meu País.
Com o sucesso internacional de Aquarius, não acha um desperdício você ter deixado de fazer filmes por aqui? O cinema brasileiro não perdeu com isso?
Concordo, e espero que isso mude, porque sou uma mulher de cinema, uma atriz que pertence ao audiovisual, minha essência é essa. Quando fazia telenovelas, gostava de pensar que a TV era a melhor maneira de levar meu trabalho às pessoas que não podiam pagar para ir ao cinema. Ficava muito feliz por saber que milhões de famílias estavam reunidas vendo Gabriela ou Dancin’ Days. E foi essa consciência que me deu a alegria de ser quem eu sou. Não sei se você sabe, mas deixei a escola quando tinha 14 anos de idade. Não tenho formação acadêmica alguma, nem mesmo de atuação, da mesma forma que nunca participei de grupos politicamente organizados. É por isso que insisto: as ideias que tenho são verdadeiras, elas vêm de mim. Em 1988, fiz um filme com Robert Redford (Rebelião em Milagro, dirigido pelo ator) e viemos, de Hollywood, lançar o longa no Brasil. Os jornalistas telefonavam para a casa da minha irmã e perguntavam: “Maria, onde podemos encontrar a Sonia? Em que festas ela e Robert estão indo?!”. Maria dizia: “Gente, a Sonia está na minha casa. Agora mesmo está dormindo no quarto de minha filha, Daniela”. Os jornalistas respondiam: “Ah, Maria, deixe de brincadeira e diga logo a verdade…”. Ela dizia: “Acreditem ou não, é essa a verdade”.
Sonia, você falou de Maria, e devo dizer que, em 2011, fiz, para Brasileiros, uma reportagem com Jards Macalé, que durou cinco dias, porque acompanhei as filmagens que seriam exibidas em um show dele no Teatro Oficina, em São Paulo. Como Maria é produtora do Jards, a conheci nessa ocasião. A convite dela, fiquei quatro dias na sua casa em Niterói…
Mas que bela coincidência! Não te falei que quem mente não consegue lembrar como quem fala a verdade? Pois essa sou eu, essa é minha família. Maria e Carlinhos (cunhado de Sonia) são gente como eu. Como você pôde ver, minha casa é grudada na deles. Adoro ir a Niterói (a atriz nasceu em Maringá, no Paraná). Quando estou lá, tem dias que acordo, pego uma caneca de café, saio na rua, encontro as pessoas e fico de bate-papo: “Oi, Fátima, tudo bem?! Como está sua mãe?”. Fátima é manicure, nossa vizinha. Gosto de gente assim.
Enquanto isso, a imprensa estava atrás de você e de Robert Redford no Copacabana Palace?
Exatamente. No Copa e na porta de outros hotéis. Veja só o que aconteceu: Carlinhos é paisagista. Ele me levou para conhecer uma palmeira que só dá flores de 60 em 60 anos. Depois, fomos a um parque lindo, em frente ao aeroporto Santos Dumont, criado pelo Burle Marx. O lugar estava uma coisa horrível, caindo aos pedaços…
E vocês decidiram cuidar do parque?
Sempre digo que meu departamento é o sanitário (risos). E vendo o estado deplorável do parque, perguntei: “Carlinhos, você sabe se o ato de varrer uma rua ou uma praça pode fazer com que alguém seja preso”?. Ele respondeu: “Acho que não. Isso não faz o menor sentido, Sonia”. Então propus: “Vamos limpar esse parque?!”. Ele topou na hora, marcamos tudo para o dia seguinte. Saímos para comprar vassouras, luvas, chamamos amigos para ajudar e convidamos um grupo de músicos para tocar chorinho enquanto a gente trabalhava. Tive também a ideia de dizer: “Maria, a imprensa não quer saber onde estou? Avise a eles que a gente estará lá amanhã, varrendo o parque”. Ela achou a ideia boa, telefonou para algumas redações, mas as pessoas derrubavam a ligação, não acreditavam na história.
Ninguém teve a capacidade de checar se era mesmo trote?
Ninguém deu a menor bola para ela. Foi preciso que eu telefonasse para eles e dissesse algo como: “Alô, aqui é Sonia Braga. Por favor, acredite e não desligue o telefone. Amanhã, domingo, eu e amigos estaremos no parque em frente ao Santos Dumont varrendo o local”. Eles, enfim, acreditaram e foi aí que nasceu o movimento Loucos Varridos. Uma ideia tão bem aceita que o prefeito espalhou cartazes na cidade para incentivar pessoas a fazerem o mesmo.
Quem era o prefeito do Rio, nessa época?
Era o César Maia. Dias depois, ele veio me procurar. “Sonia, que história é essa de você e o povo estarem varrendo as ruas?!”. Provoquei: “Prefeito, desculpe, mas se as ruas estão sujas, nós vamos limpar”. Um amigo, publicitário, criou cartazes incríveis com a seguinte frase: “De longe o Rio de Janeiro é a cidade mais linda do mundo. De longe, bem de longe…”. Quando o prefeito me procurou, meio constrangido, disse: “Sonia, tem alguma coisa que eu possa fazer por vocês?”. Respondi: “Claro que tem! A prefeitura tem quantos outdoors na cidade?!”. Não lembro quantos eram, mas fizemos ele colocar o slogan do movimento em um por um e também em relógios. Conseguimos muitos voluntários, mas depois de um tempo o movimento foi esvaziado.
Falando em articulações sociais, alguns cientistas políticos defendem que, nos últimos anos, a direita brasileira se uniu de maneira mais objetiva do que a esquerda. Você concorda?
Concordo plenamente. E acho que as pessoas precisam perceber que o futuro do Brasil não é questão de direita ou de esquerda, mas sim de pensar que, como cidadãos, temos de defender a Constituição do nosso País. E fazer isso não transforma ninguém em comunista. Quem acredita nisso e sente orgulho de dizer que é de direita logo vai ter de explicar o que, afinal, quer do País. Não sou de direita nem de esquerda, mas sei bem o que quero. Quero que a ordem, a democracia e a Constituição sejam respeitadas. Quero que Temer saia imediatamente, que Dilma volte ao lugar em que o povo a colocou e que daqui a um ano e meio cada um resolva, nas urnas, o que quer para o País. Se essa tal direita quer dar fim a tudo que conquistamos, ela que reconheça que são eles os agitadores decididos a levar o Brasil ao buraco. Essa direita é feita daqueles que não querem a felicidade de todos, que não querem a alegria de um País inteiro. Uma minoria ridícula, egoísta.
No próximo domingo haverá passeatas em defesa da permanência ou da saída de Michel Temer do poder. Se estivesse aqui, também iria às ruas?
Provavelmente sim, mas, como sou uma figura pública penso que isso funciona de forma diferente. Sei bem que poderia acontecer comigo algo parecido com o que fizeram com o Chico.
Você se refere ao episódio em que Chico Buarque foi hostilizado por um grupo de jovens no Leblon?
Sim, e pergunto: faz algum sentido uma pessoa com a história do Chico ser tratada daquela forma?! Não conheço os caras que fizeram aquilo, mas conheço Chico muito bem. Se a pessoa diz que ama o Brasil e trata alguém como Chico com tamanha hostilidade, no meio da rua, essa pessoa vive um delírio. Chico é um dos artistas que mais defenderam e divulgaram o Brasil. Da mesma forma que eu, ele está preocupado com o pedreiro, com o padeiro, com o marceneiro, com as pessoas do bairro, com os mais desprotegidos.
Voltando ao filme, desde que vi Aquarius, frequentemente lembro de alguma cena, sobretudo pela força de sua atuação. Nos países onde o filme já foi exibido essa reação de empatia com Clara tem sido comum?
Sim, e espero que o mesmo aconteça no Brasil. E o que você disse é maravilhoso, porque também estou sempre lembrando do filme. Aliás, isso aconteceu comigo desde que Aquarius existia somente no papel. Tudo que estamos passando agora devia servir de aprendizado para a necessidade de encontros como esse que eu e Kleber tivemos. Juntos, seremos mais fortes.
A exposição “Pinacoteca: Acervo” é feita do acervo de arte brasileira da Pinacoteca, ocupa 19 salas do Edifício Pinacoteca Luz com cerca de mil obras de mais de 400 artistas.
Aberta
Detalhes
A exposição “Pinacoteca: Acervo” é feita do acervo de arte brasileira da Pinacoteca, ocupa 19 salas do Edifício Pinacoteca Luz com cerca de mil obras de mais de 400 artistas.
Aberta ao público em 2020, substituiu a mostra de longa duração anterior, “Arte no Brasil: uma história da Pinacoteca de São Paulo”, que ficou em cartaz entre 2011 e 2019.
O PROJETO CURATORIAL
O acervo mescla tempos históricos e técnicas artísticas, debate a representatividade de artistas mulheres, afrodescendentes e indígenas no acervo, investiga as relações entre arte e sociedade, bem como a representação da paisagem e do espaço urbano. Assim, a mostra abandona as recorrentes narrativas lineares e cronológicas, em favor de novas perspectivas sobre a arte.
A exposição reúne itens de todas as coleções que hoje se encontram sob a tutela da Pinacoteca, incluindo os comodatos Nemirovsky e Roger Wright, mais alguns comodatos propostos especialmente para a mostra, como é o caso da obra da Adriana Varejão.
A narrativa expositiva está organizada em três núcleos, cujo fio condutor é a figura do artista. O primeiro, Territórios da Arte, aborda como artistas representam a si mesmos e aos outros, explorando, em seguida, as diferenças entre técnicas artísticas e entre as próprias definições de arte.
No segundo, Corpo e território, as abordagens se modificam e se centram na relação dos artistas com o mundo físico ao seu redor, as visões da paisagem e do ambiente urbano.
O último núcleo, Corpo individual / corpo coletivo, investiga as relações entre o artista e a coletividade, como questões de gênero e identidade.
NOVAS OBRAS NO ACERVO
Por meio de uma Doação do Programa de Patronos de Arte Contemporânea da Pinacoteca de São Paulo, o museu adquiriu, pela primeira vez, em 2019, obras de dois artistas indígenas contemporâneos: “Feitiço para salvar a Raposa Serra do Sol”, de Jaider Esbell, do povo Makuxi de Roraima, e “Voyeurs, Menu, Luto, Vitrine”; “O antropólogo moderno já nasceu antigo”; e “Enfim, Civilização”, de Denilson Baniwa, artista do povo Baniwa do Amazonas, que estão presentes na mostra.
Em 31 de outubro de 2020, a Pinacoteca de São Paulo inaugurou a exposição de longa duração de seu acervo ao mesmo tempo em que abriu a primeira exposição dedicada à arte dos povos originários, “Vexoá: Nós Sabemos”, que ocupou três salas para exposições temporárias localizadas no segundo andar do Edifício Pina Luz e teve a curadoria de Naine Terena.
O PROCESSO DE CONCEPÇÃO DE PINACOTECA: ACERVO
O Núcleo de Pesquisa e Curadoria deu início ao projeto da nova coleção da Pinacoteca de São Paulo, em 2017. A reformulação da exposição de longa duração foi elaborada pelo Núcleo de Pesquisa e Curadoria em conjunto com as outras áreas do museu.
Além de pesquisa de opinião realizada com visitantes do museu, um seminário realizado em 2018, “Modos de ver, modos de exibir”, trouxe muitos subsídios de reflexão para a equipe curatorial, especialmente no que diz respeito aos debates sobre o pós-colonialismo e a representatividade étnica e de gênero.
O projeto contou também com a interlocução com outros profissionais externos à Pinacoteca, como Moacir dos Anjos, Julia Rebouças, Renata Bittencourt e Denilson Baniwa.
Serviço
Exposição | Pinacoteca: Acervo De 31 de outubro a 31 de dezembro 2028
Quarta a segunda, das 10h às 18h, quintas estendidas das 10h às 20h
Depois de atrair quase 1 milhão de visitantes com a exposição “Dos Brasis – arte e pensamento negro” – considerada uma das maiores mostras dedicadas exclusivamente à produção negra nacional -, o Centro Cultural Sesc Quitandinha, em Petrópolis, abrirá, neste sábado (24/5), um novo projeto expositivo que promete grande repercussão. Trata-se de “Insurgências Indígenas: Arte, Memória e Resistência“, que reunirá obras e performances de artistas indígenas aldeados de diferentes partes do país.
A mostra será aberta em etapas – ou em “fogueiras”, terminologia utilizada pela curadoria do projeto. Ela é assinada pela antropóloga e ativista indígena Sandra Benites e pelo curador-chefe do Museu de Arte do Rio (MAR), Marcelo Campos, com a assistência de Rodrigo Duarte, artista visual e ativista socioambiental. O termo fogueiras (TATA YPY, a origem do fogo, em guarani) faz referência às práticas culturais ancestrais de reunião ao redor do fogo. Para a mostra, a palavra se refere aos encontros e debates que abrem cada etapa da exposição.
“É nas fogueiras que há compartilhamento e diálogo aquecido pela força e afeto. É o lugar de encontro de uma comunidade, um lugar de debate, tomadas de decisões, recontar nossas histórias e acordar memórias”, explicam os curadores.
Andrey Guaianá e debate com lideranças indígenas
A primeira fogueira, neste sábado (24/5), será marcada pela inauguração da obra comissionada de Andrey Guaianá Zignnatto, na Galeria Brasil, e por uma conversa entre público, artistas e lideranças indígenas no Salão das Convenções. Participarão Lutana Kokama, Vanda Witoto, Iracema Gãh Té Kaingang e Alice Kerexu Takua, além da curadora Sandra Benites. A atividade, que acontece das 14h às 17h, tem entrada franca. Também haverá transmissão ao vivo através de um link que será disponibilizado em www.sescrio.org.br.
Nascido em Jundiaí (SP), descendente de povos Tupinaky’ia e Gûarini, Andrey é reconhecido por trabalhos que fazem referência ao universo do labor. Neto de pedreiro, do qual foi ajudante quando criança, Andrey utiliza em suas obras materiais como sacos de cimento, tijolos, juntas de argamassa e fragmentos e sobras de intervenções urbanas. Sua intenção é provocar uma reflexão sobre a relação instável e dinâmica que o ser humano estabelece com o meio que o cerca.
Diversidade de povos
A fogueira seguinte será no dia 7 de junho, com o desenvolvimento das obras comissionadas, ou seja, desenvolvidas exclusivamente para a mostra. O público poderá acompanhar o processo de criação dos trabalhos, que envolverá instalações, pinturas e ilustrações. As peças serão criadas por artistas e coletivos de Amazonas, Mato Grosso do Sul, Pará, Pernambuco, Rio Grande do Sul e Santa Catarina, dos povos Desana, Baniwa, Anambé, Guarani Nhandeva, Xavante, Guarani, Mbya e Karapotó.
A composição do projeto prossegue no dia 10 de julho, coincidindo com o Festival Sesc de Inverno, quando serão apresentadas obras audiovisuais, incluindo mapping, e inaugurada a obra da artista Tamikuã Txihi no entorno do lago Quitandinha. Para o dia 9 de agosto está prevista a última fogueira, que completa a exposição, com obras que remetem à arte e à memória. A mostra se estenderá até fevereiro de 2026.
Serviço Exposição | Insurgências Indígenas: Arte, Memória e Resistência De 24 de maio a 24 de fevereiro
Terça a domingo e feriados, das 10h às 16h30
Período
24 de maio de 202510:00 - 24 de fevereiro de 202616:30(GMT-03:00)
Local
Centro Cultural Sesc Quitandinha
Avenida Joaquim Rolla, 2, Petrópolis, Rio de Janeiro - RJ
Uma exposição coletiva multidisciplinar que contempla artes plásticas visuais, com artistas indígenas e periféricos. Serão apresentadas ao público de maneira gratuita, pinturas, fotografias, vídeos e um painel artístico, além
Detalhes
Uma exposição coletiva multidisciplinar que contempla artes plásticas visuais, com artistas indígenas e periféricos. Serão apresentadas ao público de maneira gratuita, pinturas, fotografias, vídeos e um painel artístico, além de uma programação com bate papo, visita guiada e uma oficina de arte.
O projeto visa apresentar uma parte da riqueza cultural e ancestral dos povos originários e conscientizar e mostrar a importância da defesa e preservação das florestas e dos povos indígenas.
A proposta é trazer um pouco do Alto Xingu e do universo do povo indígena Kuikuru para dentro da galeria. As paredes da galeria serão pintadas com pigmentos extraídos de terra coletada no Alto Xingu durante a imersão cultural realizada em 2023. Grafismos da etnia Kuikuru será reproduzidos e artesanatos e utensílios locais serão expostos. Cânticos locais e sonidos da fauna local farão parte da sonorização do ambiente.
Serviço Exposição | Rio Acima – Uma Jornada pelo Xingu De 12 de julho a 12 de outubro
Terça a sábado, de 10h às 17h
Período
12 de julho de 202510:00 - 12 de outubro de 202517:00(GMT-03:00)
Claudia Andujar é um paradigma internacional de humanismo construído ao longo de décadas de dedicação a seu trabalho com a fotografia. Seu foco sempre esteve, sobretudo, nos
Detalhes
Claudia Andujar é um paradigma internacional de humanismo construído ao longo de décadas de dedicação a seu trabalho com a fotografia. Seu foco sempre esteve, sobretudo, nos segmentos da população brasileira que viveram à margem da vida, como os migrantes nordestinos, mulheres, afrodescendentes e indígenas do Brasil, entre outros. Nascida numa família judia em 12 junho de 1931 em Neuchâtel na Suíça. Quando ela tinha 5 anos sua família se mudou para a Hungria. Grande parte de sua família era judia. Seu pai foi aprisionado pelos nazistas e morreu num campo de concentração. Com sua mãe, a jovem Claudia se exilou em Nova York durante a Segunda Guerra Mundial, em fuga do Holocausto. Claudine Haas se tornou Claudia Andujar ao se casar com o espanhol Julio Andujar nos Estados Unidos. Em 1955, ela veio morar em vieram para São Paulo.
Desde a infância, Claudia Andujar escrevia poemas e depois passou a pintar até que descobriu a fotografia. “Na pintura, eu me fechava. Na fotografia, eu me abri” Sua entrega política mais surpreendente foi em prol da mudança da consciência coletiva sobre a violência das formas de hegemonia imperantes no país, por grupos que chegaram ao ponto de praticar o genocídio, como no caso dos garimpeiros historicamente espoliados de suas terras e bens e eliminados como povos.
Para Claudia Andujar, a fotografia foi sua arma de “violentação da violência” social, dimensão tomada emprestada de Michel Foucault. O regime ótico de sua produção foi primeiramente marcado pelo compartilhamento de valores éticos necessários ao olhar de compaixão, simpatia e aliança com os dominados e à defesa da vida. Só depois, caberia pensar na excelência estética de sua fotografia.
Sustentabilidade. A conservacionista Claudia Andujar colocou sua câmera a serviço da natureza. Sua produção fotográfica denunciou diante do mundo o genocídio dos povos indígenas da América do Sul, o genocídio, a espoliação das terras e dos saberes indígenas, o garimpo ilegal, inclusive como o envenenamento dos rios amazônico pelo uso do mercúrio.
Ciência. Aconselhada por Darcy Ribeiro, Claudia Andujar se encaminhou para documentar sociedades indígenas sobre o prisma do conhecimento antropológico, incluindo a vida simbólica e a cultura material dos povos originários. Claudia Andujar compõe uma história de mais de 150 anos de emprego da fotografia nesse processo investigativo, ao lado de Sebastião Salgado, Milton Guran, Elza Lima, entre outros – aqui referidos por conta da dimensão estética de suas imagens.
Espiritualidade. Em seus primórdios, algumas sociedades não brancas, consideravam que a fotografia “roubava a alma” dos retratados. Ademais, as sociedades indígenas foram catequizadas por missionários católicos, uma guerra simbólica hoje acirrada pelo exacerbado proselitismo de seitas evangélicas. O delicado respeito ético de Claudia Andujar pelas diferenças e especificidades das crenças resultou numa “arte sacra” sui generis ao registrar com formidável qualidade plástica cerimônias, adereços ritualísticos, cerimônias como a da ingestão dos alucinógenos religiosos, observando teogonias e unidade entre todos os seres que compõe a terra: água, pedras, montanhas, vegetais, animais, um reino da natureza no qual os humanos se inscrevem sem hierarquização de qualquer espécie.
Serviço
Exposição | Claudia Andujar e seu Universo De 18 de julho a 04 de novembro
Quinta a terça-feira, das 10h às 18h
Período
18 de julho de 202510:00 - 4 de novembro de 202518:00(GMT-03:00)
O IMS Paulista abre a mostra Paiter Suruí, Gente de Verdade: um projeto do Coletivo Lakapoy. A exposição apresenta um acervo inédito de fotografias familiares tiradas majoritariamente pelo povo indigena Paiter Suruí, reunidas e digitalizadas pelo Coletivo Lakapoy. Esse acervo inclui cenas e retratos tirados desde a década de 1970, quando as câmeras chegaram ao território pelas mãos de missionários, mas passaram a ser utilizadas pela população local para registrar seu dia a dia. Além do acervo histórico, a exposição apresenta fotos e vídeos atuais, reforçando o papel da fotografia como importante ferramenta de afirmação dos direitos indígenas.
As imagens do acervo histórico estavam armazenadas nas casas das famílias, guardadas em álbuns, caixas e estantes das diferentes aldeias do território indígena, localizado entre os estados de Rondônia e Mato Grosso. Para preservá-las, o Coletivo Lakapoy – grupo formado por comunicadores indígenas, com o apoio de não indígenas, com o objetivo de fortalecer a cultura Paiter Suruí – reuniu, catalogou e digitalizou as fotografias. Em 2021, o projeto foi publicado na revista ZUM e, em 2023, selecionado pela Bolsa ZUM/IMS, de fomento à produção artística. O resultado dessa pesquisa agora se desdobra nesta exposição, que ocupa o 6º andar do IMS Paulista, com entrada gratuita. (Saiba mais sobre o Coletivo Lakapoy no serviço.)
A mostra tem curadoria da líder e ativista Txai Suruí, que integra o Coletivo Lakapoy, da arquiteta, pesquisadora e curadora Lahayda Mamani Poma e de Thyago Nogueira, coordenador da área de Arte Contemporânea do IMS, além de supervisão do cacique-geral Almir Narayamoga Suruí, nome fundamental da história da luta indígena no Brasil. No sábado (26/7), às 11h, os curadores participam de uma conversa com Almir Suruí e Ubiratan Suruí, do Coletivo Lakapoy, no cinema do IMS Paulista. No domingo (27/7), às 15h, um grupo de anciãos do povo Paiter Suruí conduz uma atividade sobre os cantos tradicionais da sua cultura. Os eventos são gratuitos e abertos ao público.
Na exposição, o público encontra reproduções de cerca de 800 fotografias analógicas, da década de 1970 até 2000, que documentam o dia a dia do território, registrando aniversários, casamentos, batizados e competições esportivas, mas também os desafios decorrentes dos contatos com os não indígenas. Este acervo histórico ocupa todas as paredes da exposição, transformando-as em um grande álbum de família, composto de registros informais e pessoais.A mostra apresenta ainda cerca de 20 retratos recentes do povo Paiter Suruí tirados em maioria por Ubiratan Suruí, primeiro fotógrafo profissional do povo e integrante do Coletivo Lakapoy, além de depoimentos e vídeos dos influencers Oyorekoe Luciano Suruí e Samily Paiter. A exposição também apresenta redes, cestos e colares produzidos pelas artesãs do território, valorizando o conhecimento ancestral e artístico das mulheres Paiter Suruí.
Contatados oficialmente pela Funai em 1969, os Paiter Suruí resistiram a invasões, doenças e à omissão governamental até obterem, em 1983, a homologação da Terra Indígena Sete de Setembro, localizada entre os estados de Rondônia e Mato Grosso. Hoje, são aproximadamente 2.000 pessoas, distribuídas em mais de 30 aldeias. Com um modo de vida integrado à floresta amazônica, mas também profundamente transformado desde o contato com a sociedade não indígena, os Paiter Suruí seguem lutando para garantir sua soberania e a integridade de seu território, ameaçado pelo garimpo, pela pecuária e pelo extrativismo predatório. A fotografia e as redes sociais, entre outras ferramentas tecnológicas, foram apropriadas pela juventude como formas de difundir sua cultura, denunciar invasões e fortalecer a resistência.
Txai Suruí comenta a exposição e a importância de preservar essa memória: “A vontade de guardar, registrar e contar a história do povo Paiter Suruí é um sonho que agora se realiza, antes de os últimos anciãos nos deixarem, antes de essa história se ocultar de vez em algum canto esquecido do tempo, na memória dos que viveram essa saga. […] Com as câmeras nas mãos, vemos um olhar diferente daqueles que vieram de fora, podemos notar a espontaneidade e naturalidade de quem tira fotos para um álbum de família. São imagens cheias de amor, carinho e afetividade, mas também de conhecimento, de amor à humanidade e à natureza, de orgulho de pertencer ao povo Paiter Suruí.”
A maioria das pessoas retratadas nas imagens foram identificadas e contatadas, autorizando a reprodução das fotos, num movimento de propor novas lógicas de construir, guardar e expor acervos indígenas, como pontua a curadora Lahayda Mamani Poma: “De modo geral, o contato entre instituições de arte e culturas originárias abre não apenas para conhecimento de novas produções e linguagens artísticas, mas para a reflexão sobre modos de fazer museologia”.
O curador Thyago Nogueira também ressalta que o acervo é um “documento inédito da história Paiter Suruí, muito diferente das imagens oficiais e etnográficas produzidas sobre os povos indígenas brasileiros”. Segundo o curador do IMS, “montar um acervo visual de um povo é uma forma de refazer laços e dinamizar a própria cultura, criando pontes entre as novas e velhas gerações. É também uma forma de mostrar que as fotografias atuam como ferramenta de resistência e afirmação − uma estratégia que pode interessar a outros povos indígenas e grupos minorizados ou excluídos de sua própria história”.
Essa lógica aparece nas legendas da exposição, elaboradas coletivamente pelos Paiter Suruí, com coordenação de Ubiratan Suruí (ver exemplo abaixo). Essa opção reforça o trabalho coletivo, em contraponto à ideia de autoria individual, já que é frequentemente difícil determinar quem bateu cada foto, pois a câmera circulava entre várias mãos. Outro aspecto importante é a presença de intervenções manuais nas fotografias. Rasuras, desenhos e anotações mostram que estas fotografias são fragmentos de memória vivos, e não apenas documentos do passado.
Ubiratan Suruí, integrante do Coletivo Lakapoy, comenta o processo de construção deste acervo: “Essas fotos foram coletadas nas casas de vários Paiter. Quando muitas delas foram feitas, eu era apenas uma criança. Assim, para entender melhor o que estava vendo e o porquê de cada registro, passamos a ir atrás dos personagens ou seus familiares. Às vezes, a fotografia era brincadeira de criança ou até um disparo acidental de alguém que não estava tão acostumado com a câmera. Mas, como a máquina era analógica, com a limitação dos filmes, a maioria dos cliques era de momentos realmente importantes.” Segundo o fotógrafo, o “acervo catalogado já passou das centenas de registros, e cada um deles traz outra centena de narrativas. Quando um álbum novo é encontrado na aldeia, vários parentes se sentam em volta dele para trocar relatos e lembrar do passado.”
Ubiratan é o autor de parte das fotos contemporâneas exibidas na mostra, tiradas a partir de 2024. As imagens mostram o cotidiano atual das aldeias do território Paiter Suruí, marcadas tanto por costumes tradicionais quanto por novas sociabilidades e pelo uso das tecnologias. A exposição traz também vídeos de entrevistas com lideranças e integrantes da comunidade, como Almir Narayamoga Suruí. Nos depoimentos, as pessoas falam da importância do acervo e comentam temas como política, espiritualidade e alimentação.
Outro destaque, feito especialmente para a exposição, é uma projeção audiovisual que documenta o contato de anciãos do território com as imagens históricas do fotógrafo Jesco von Puttkamer. Jesco participou do contato da Funai com os Paiter Suruí na virada dos anos 1960 para os 1970, e, ao longo da vida, reuniu um dos acervos audiovisuais indígenas mais importantes do país, depositado no IGPA da PUC Goiás. A maioria dos Paiter Suruí, no entanto, nunca havia visto as imagens, que retornaram ao território pela primeira vez depois de uma colaboração entre o Coletivo Lakapoy e o IGPA da PUC Goiás.
Em cartaz até 2 de novembro, a exposição apresenta ao público um conjunto inédito de imagens de grande importância histórica e política. Trata-se de um acervo em expansão, que, em 2026, também será exposto no próprio Território Sete de Setembro.
Serviço
Exposição | Paiter Suruí, Gente de Verdade De 26 julho a 2 novembro
Terça a domingo e feriados das 10h às 20h (fechado às segundas).
Última admissão: 30 minutos antes do encerramento.
Período
26 de julho de 202510:00 - 2 de novembro de 202520:00(GMT-03:00)
A Casa de Cultura do Parque inaugura seu II Ciclo Expositivo, que segue até 26 de outubro. A programação gratuita inclui as exposições “Palavra e gesto“, coletiva na Galeria do Parque, “Carolina Colichio: Substrato“, no Gabinete, e “Antonio Pulquério: É de SANTO, é de BARRO“, no Projeto 280X1020. A abertura contará ainda com performances de Antonio Pulquério e da artista indígena colombiana Julieth Morales.
A coletiva “Palavra e gesto”, com texto crítico de Camila Bechelany, reúne trabalhos de Fabio Miguez, Maíra Dietrich, Marcelo Cipis, Marilá Dardot, Monica Barki e Rafael Alonso. As obras exploram a intersecção entre pintura e escrita, tensionando imagem e texto em poéticas verbo-visuais singulares, que remetem à visualidade vernacular e cotidiana.
No Gabinete, a mostra “Substrato” apresenta a pesquisa de Carolina Colichio (Ribeirão Preto, 1977). A artista utiliza fragmentos e imagens de paisagens em cerâmica e pintura, buscando dar visibilidade a existências e propor uma mediação da matéria. Suas peças, que remetem a fósseis e minerais, convidam à percepção do potencial ilimitado das coisas, fomentando uma natureza comum e interconectada.
O Projeto 280X1020 recebe “É de SANTO, é de BARRO”, de Antônio Pulquério (Campos Sales, CE, 1967). A intervenção, que tem performance de abertura do artista em 2 de agosto, subverte a lógica modular minimalista ao usar módulos artesanais de barro queimado. As peças, que remetem a Espadas de São Jorge ou Santa Bárbara, entrelaçam o terreno e o divino, refletindo o sincretismo cultural brasileiro onde santos católicos e divindades africanas se confundem. O texto de apresentação da mostra é de autoria de Tadeu Chiarelli.
Completa a programação de abertura, às 17h, a performance “ANINPI (Agua y sangre)”, da artista indígena Julieth Morales (Colômbia, 1992). A ação ritual, conduzida com sua mãe, explora a identidade cultural feminina e a ancestralidade. As duas recriam o ritual das Mojigangas, usando telas fúcsia e azul – da bandeira Misak – que simbolizam a luta, fertilidade, água e origem de seu povo. A performance harmoniza memória e presente, conectando mundos espiritual, físico e territorial ao som da música tradicional Misak.
As mostras contam com direção artística de Claudio Cretti e são uma idealização do Instituto de Cultura Contemporânea (ICCo). A CASA DE CULTURA DO PARQUE
A Casa de Cultura do Parque, localizada em frente ao Parque Villa-Lobos, no Alto de Pinheiros, em São Paulo, é um espaço plural que busca estimular reflexões sobre a agenda contemporânea, promovendo uma gama de atividades culturais e educativas que incluem exposições de arte, shows, palestras, cursos e oficinas. A Casa de Cultura do Parque tem como parceiro institucional o Instituto de Cultura Contemporânea – ICCo, uma OSCIP sem fins lucrativos. As duas iniciativas, de natureza socioeducativa, compartilham a mesma missão de ampliar a compreensão e a apreciação da arte e do conhecimento.
Serviço
Exposição | II Ciclo Expositivo da Casa de Cultura do Parque De 02 de agosto a 26 de outubro
Quarta a domingo, das 11h às 18h
Período
2 de agosto de 202511:00 - 26 de outubro de 202518:00(GMT-03:00)
Local
Casa de Cultura do Parque
Av. Prof. Fonseca Rodrigues, 1300 - Alto de Pinheiros, São Paulo - SP, 05461-010
Mendes Wood DM tem o prazer de apresentar Nazarethana, exposição individual de Paulo Nazareth, nascido em Nak Borun (território indígena Borun do Vale do Watu [Rio Doce]), Minas Gerais. O artista, que se apresenta como homem velho, traz um vasto corpo de trabalhos inéditos retirados de seus guardados e outros recentes que ocupará todo o galpão da Barra Funda, em São Paulo, promovendo expressivas intervenções no seu espaço através de instalações, fotografias, desenhos, bordados, pinturas, esculturas, objetos e vídeo. Dividida em capítulos, a exposição narra o caminhar do artista somado a trajetória de suas ancestrais: Ana Gonçalves da Silva, sua mãe, e Nazareth Cassiano de Jesus, sua avó, além de divindades, como deuses greco-romanos, africanos e indígenas. Em um diálogo entre as narrativas individuais, familiares e plurais, a mostra cria uma trama entre a oralidade e a história oficial.
A avó de Paulo Nazareth, que trabalhou em fazendas constituídas sobre terras indígenas Boruns, foi enviada por seu “empregador”, (“coronel”, “doutor” delegado, grileiro das terras indígenas) a Colônia de Barbacena (hospital psiquiátrico muito conhecido recentemente devido ao chamado Holocausto Brasileiro revelado há não muitos anos), onde permaneceu internada por duas décadas até ser declarada desaparecida em 1964. Com poucas lembranças de sua mãe, Ana realizou, anos depois, uma viagem organizada por Paulo em busca de suas origens. Em reverencia a sua avó, Paulo Nazareth carrega o seu nome como trabalho de arte preceito e o leva consigo em suas caminhadas ao redor do mundo. “Nazarethana é essa viagem, esse retorno, essa epopeia dentro de nós mesmos. Em Nazarethana, está Nazareth e está Ana, minha mãe e a mãe da minha mãe, juntas, as quais eu levo comigo e sou levado por elas”, pontua o artista.
O prólogo da exposição traz a obra Assembleia de Deuses, um letreiro luminoso que anuncia não somente a pluralidade de deuses, mas reflete a diversidade humana, e a possibilidade de modos de existências múltiplas. Inserido no espaço da galeria, o letreiro transforma o ambiente em templo – casa de reza, lugar de encontro com o intangível, reforçando a arte como um lugar de atingir o não físico e material. Nas palavras do artista, “A Assembleia de Deuses é um letreiro, um anúncio, que se torna instalação, pois ele transforma o lugar e é uma brecha, uma fresta, um desvio do lugar comum.”
A relação com o imaginário coletivo e afetivo reaparece em Cinema tropical, instalação composta por um vídeo e cartazes de filmes. A obra cria uma relação entre ícones visuais da paisagem tropical – imagens e vídeos de coqueiros e palmeiras – criando um cenário imaginado que poderia ser qualquer lugar nos trópicos ou próximo a eles. Projetado para ser exibido durante o inverno, o trabalho carrega imagens para “aquecer corações”, em um cinema como uma promessa de concretude do sonho.
Em diálogo com o seu passado, Paulo Nazareth aposentou há alguns anos as havaianas e passou a produzir os seus próprios calçados, os quais também recebem o nome de Nazarethana – até então, o artista estava andando com os pés descalços e ainda é possível vê-lo caminhando por aí desse modo. Essa prática remonta a história de sua mãe que, quando pequena, não tinha sapatos para usar na fazenda em que trabalhava e confeccionada seus próprios calçados a partir de sobras de couro. O gesto se repete agora como ação artística e política, um fazer que carrega o trabalho de gerações, inclusive do próprio artista, que também trabalhou nessa fazenda durante a juventude. “É esse jogo: Havaiana, sandália usada inicialmente por trabalhadores, bem comum no canteiro de obras: nos pés de pedreiros, serventes, camponeses e trabalhadoras domésticas, e Nazarethana, que seria essa sandália feita por mim mesmo, e ainda tá sendo adaptada, experimentada, muitas vezes me verão descalço enquanto a sandália ainda vem sendo feita… Havaiana remete a um lugar e Nazarethana a outro, ambas são promessas”, esclarece. Nazarethana é mais que tudo uma conversa entre o artista, sua mãe, a mãe de sua mãe e seus infantes, Nazareth aprende consigo enquanto jovem e menino, aprende com a maestria de sua mãe, desde menina até a velhice, e aprende com sua avó em espírito que partiu e se faz presente.
Ao longo da mostra, figuram ainda um caderno de desenhos de sua mãe feitos todos os dias nos últimos meses, uma série de bordados, desenhos e esculturas em bronze de divindades diversas. A conversa com sua herança afro aparece em toda a mostra e é retomada nas fotografias marcadas com pontos riscados feitos com pó de pemba (as fotos são do acervo imaterial do Centro Espírita Caboclo Pena Branca da Comunidade Quilombola Namastê na cidade de Ubá, Minas Gerais). Esses trabalhos expandem o universo da Nazarethana e conduzem ao seu epílogo, que não é o fim, mas movimento de cura e reconfiguração: um convite a imersão em um espaço fechado. No epílogo dessa epopeia, uma piscina de areia dialoga com um bordado na parede onde se lê “Nós podemos nadar / We can swim”. Como parte de sua história, Paulo ainda não aprendeu a nadar por receio de sua mãe dos espíritos das águas e o medo imposto pelos invasores grileiros das terras – contam que o dia em que enviaram Nazareth ao manicômio, ela caminhava em direção ao rio com a filha nos braços, e lutou para que a criança não fosse levada. No piso, bloquetes advindos de Dakar, que representam símbolos da realeza e o baobá que traz a memória ancestral, complementam o ambiente. “Em frente a Ilha de Gorée, Senegal, de onde inúmeras pessoas foram “partidas”, escravizadas y enviadas as Americas, atravessando o Atlântico convertido em cemitério onde muitas adoecidas foram jogadas na boca do Oceano y seus habitantes”, pontua Nazareth.
Nazarethana apresenta-se como uma cartografia das narrativas de Nazareth e de suas linhagens –familiares, divinas e territoriais que atravessam e são atravessadas por histórias locais e universais. Ao reunir o que o artista define como “arte de preceito” – aquilo que é feito como fala, reza, ato sagrado e existência múltipla e “multiversa, pluriversal” –, a exposição propõe um espaço-tempo de comunhão, reflexão e aprendizado de “tempo plural”.
Serviço
Exposição | Nazarethana De 10 de agosto aa 28 de setembro
Terça a sábado, das 11h às 19h
Período
10 de agosto de 202511:00 - 28 de setembro de 202519:00(GMT-03:00)
A obra de Joseca Mokahesi Yanomami (1971, Rio Uxi u, Terra Indígena Yanomami, Brasil) tem como ponto central a tradução da cosmologia yanomami em narrativas visuais, especialmente no desenho, dando corpo às histórias dos tempos ancestrais e às múltiplas dimensões da terra-floresta, conceito que vai além de um espaço físico e une a floresta, os rios, os espíritos, os animais e os humanos em um sistema vivo e interdependente, visível somente aos xamãs. É nessa atmosfera quase onírica que a Almeida & Dale inaugura, a partir de 16 de agosto, Urihi mãripraɨ – Sonhar a terra-floresta, individual do artista com curadoria de Bruce Albert, antropólogo franco-marroquino e autor, junto a Davi Kopenawa Yanomami, dos livros A Queda do Céu (2015) e O Espírito da Floresta (2022).
Os desenhos e telas de Joseca apresentam, com minúcias e cores vibrantes, entidades, lugares e episódios evocados pelos cantos dos grandes xamãs de sua comunidade, nos conduzindo por universos onde humanos e não-humanos se entrelaçam em uma rede complexa, cujas imagens são reveladas aos xamãs por meio de sonhos e cantos. Inspirado pelos seus sonhos, o artista transpõe, sobre papel ou tela, suas próprias imagens sonhadas, alcançando os múltiplos universos que constituem a “terra-floresta-mundo”, urihi a. Assim, seus sonhos se transformam um após o outro em “peles de imagens” (utupa siki) que nos dão acesso à saga dos ancestrais do “primeiro tempo” yanomami.
A exposição Urihi mãripraɨ – Sonhar a terra-floresta nos apresenta cerca de 30 obras que são espécies de “capturas de tela” oníricas, stills do filme metafísico desenrolado pela trama narrativa ancestral dos cantos xamânicos yanomami. “Para tornar visível e fazer conhecer o poder desse pensamento onírico para além de seu próprio mundo, Joseca Mokahesi Yanomami se apropriou de certos traços de nosso realismo figurativo com o qual foi confrontado na escola de sua comunidade quando adolescente. Desde então, ele passou a transformálos a serviço de um estilo radicalmente original que poderíamos qualificar de “realismo xamânico”, em alusão ao célebre “realismo mágico” literário”, explica o curador Bruce Albert.
Parte fundamental da mostra, os trabalhos da série Urihi a në mari vêm acompanhados de títulos-descrições escritos por Joseca na língua yanomami e que partilham sua cosmovisão. Para além do gesto artístico, sua produção é também um movimento de tradução entre mundos. Trata-se de uma linguagem híbrida, mas enraizada na cosmologia yanomami, que visa comunicar com os mais jovens de sua comunidade e sensibilizar os não-indígenas (napë pë) para a beleza, profundidade e urgência de preservar esse modo de vida ameaçado.
Serviço
Exposição | Urihi mãripraɨ – Sonhar a terra-floresta De 16 de agosto a 11 de novembro
Segunda a sexta-feira, das 10h às 19h, sábado, das 11h às 16h Entrada gratuita
Período
16 de agosto de 202510:00 - 11 de outubro de 202519:00(GMT-03:00)
o Museu A CASA do Objeto Brasileiro recebe a exposição Xingu – Reflexos Indígenas no Design Contemporâneo, que revela o resultado de um processo colaborativo entre a designer Maria Fernanda Paes de Barros, da Yankatu, e os artesãos do povo Mehinaku, do Alto Xingu (MT), em uma potente confluência entre o design e os saberes indígenas. Realizada pela Yankatu e pelo Ministério da Cultura, por meio da Lei de Incentivo à Cultura, a ação conta com patrocínio da Sherwin-Williams do Brasil.
“A ideia do projeto nasceu há cerca de cinco anos, a partir de uma imersão que realizei sozinha na aldeia Kaupüna para desenvolver uma coleção de peças em parceria com a comunidade. Durante esse processo, tive a ideia de fazer o tingimento natural de fios de algodão utilizados na produção de algumas peças — o que despertou neles um interesse genuíno pela técnica. A partir dali, ficou evidente o potencial de um diálogo que respeitasse profundamente os modos de fazer tradicionais, sem modificá-los, mas ampliando suas possibilidades de aplicação em novas criações”, explica Maria Fernanda, idealizadora do projeto.
A exposição propõe uma imersão do visitante pelo território artístico dos Mehinaku, reunindo objetos tradicionais – como bancos zoomorfos, cestarias e esteiras – e peças inéditas desenvolvidas em conjunto com a designer. Nas novas obras, Maria Fernanda evidencia o buriti, palmeira nativa que é a principal matéria-prima do trabalho das mulheres da etnia, e também os fios de algodão que ganham tingimentos naturais a partir de cascas de árvores nativas do entorno da aldeia. As obras refletem uma convivência imersiva e uma escuta sensível ao tempo e às necessidades da comunidade. Segundo a designer, a exposição apresenta como as criações ganham corpo, e o repertório da arte e do design brasileiros se expande, quando as interações são construídas de maneira ética, cuidadosa e horizontal.
Oficinas de tingimento natural aproximam técnicas ancestrais e inovação sustentável
Durante o processo de criação, o projeto promoveu oficinas de tingimento natural com mulheres da aldeia Mehinaku, reforçando seu caráter formativo e colaborativo. Para conduzir as atividades, foi convidada a pesquisadora Maibe Maroccolo, da Mattricaria, uma especialista em tingimento que tem mapeado o potencial tintorial de diferentes biomas brasileiros. A oficina propôs um intercâmbio de conhecimentos entre as técnicas ancestrais de tingimento já utilizadas pelos artesãos e práticas contemporâneas, despertando interesse e protagonismo das artesãs. O resultado gerou uma paleta de 12 cores que aparecem entrelaçadas em diferentes obras da mostra.
Além da exposição, o público terá acesso a um minidocumentário inédito, que narra a trajetória do projeto e apresenta seus principais agentes e processos criativos. Também será disponibilizado gratuitamente um catálogo virtual, que contextualiza as ações do projeto e a parceria entre a Yankatu e os Mehinaku, com imagens, depoimentos e reflexões sobre o fazer artesanal e suas transformações.
A expografia da mostra será feita com tonalidades do catálogo da Sherwin-Williams, líder mundial em tintas e revestimentos, cuidadosamente escolhidas para valorizar as obras e aumentar o destaque das peças. “Acreditamos no poder da cor como ferramenta de expressão e conexão, e é uma alegria as nossas estarem presentes na exposição Xingu, ajudando a contar essa história tão rica de saberes, trocas e criatividade. Projetos como esse reforçam a importância do diálogo entre passado e presente, tradição e inovação, e nos mostram como a cultura pode inspirar novas formas de ver e viver o design.”, afirma Patrícia Fecci, gerente de Color Marketing e especialista em cores da Sherwin-Williams.
A mostra foi pensada para garantir plena acessibilidade ao público. O minidocumentário contará com tradução em LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais), os textos da exposição estarão disponíveis em Braile, e o espaço expositivo do Museu A CASA dispõe de rampas e banheiros adaptados para pessoas com mobilidade reduzida. Além disso, os monitores foram capacitados para atender visitantes com deficiências cognitivas, promovendo uma experiência acolhedora, inclusiva e sensível às diferentes formas de percepção.
A exposição Xingu – Reflexos Indígenas no Design Contemporâneo poderá ser visitada gratuitamente no Museu A CASA (Av. Pedroso de Morais, 1216 – Pinheiros, São Paulo/SP), de quarta a domingo, das 10h às 18h, e fica em cartaz até o dia 26 de outubro.
Serviço
Exposição | Xingu – Reflexos Indígenas no Design Contemporâneo De 17 de agosto a 26 de outubro
De quarta a domingo, das 10h às 18h
Período
17 de agosto de 202510:00 - 26 de outubro de 202518:00(GMT-03:00)
Local
Museu A CASA do Objeto Brasileiro
Avenida Pedroso de Morais, 1216, Pinheiros, São Paulo, SP