Câmara dos deputados - Brasil
Câmara dos deputados, Brasília - FOTO: José Cruz/ABr

Por William Nozaki para a Revista Brasileiros n˚113

Este texto faz parte do especial 2017 x 24 – visões, previsões, medos e esperanças da edição número 113 da Revista Brasileiros, onde articulistas e colaboradores foram convidados a pensarem sobre o que e o quanto podíamos esperar – se é que podíamos – para nosso País em 2017.

O exercício de escrever sobre o futuro é tarefa mais para místicos do que para intelectuais. Sendo assim, por prudência, um esforço de predição sobre o próximo ano poderia partir de um sinal do zodíaco. Para o horóscopo, a passagem para 2017 simboliza o início de um ciclo regido por Saturno, que é também o símbolo da melancolia, portanto, da convivência entre a nostalgia da perda e a ansiedade da recusa, pés ainda fincados no passado, mas olhos mirando o futuro. Assim tende a ser o próximo ano.

Ao que tudo indica, 2017 deve ser marcado por desconfianças, com a permanência das instabilidades econômicas, das incertezas políticas e das insatisfações sociais.

Do ponto de vista econômico, na melhor das hipóteses, devemos transitar de uma recessão profunda para uma estagnação prolongada. O atual governo não conseguiu apresentar um projeto eficiente de recuperação econômica, apenas regride ao liberal-conservadorismo e ao austericídio, reafirma o Estado mínimo para as políticas públicas e o Estado máximo para a manutenção de privilégios e violências. Em 2017, as empresas não devem aumentar os investimentos, pois vão se haver ainda com a capacidade ociosa instalada; as famílias não devem ampliar o consumo, pois ainda estarão ocupadas gerindo a inadimplência doméstica; o governo, por questões econômicas e ideológicas, pouco deve fazer para recuperar o investimento público em infraestrutura; além disso, a apresentação das reformas previdenciária e trabalhista só deve aprofundar esse quadro. Portanto, o País continuará enfrentando a falta de crescimento, o desemprego e o endividamento.

Do ponto de vista político, se tudo seguir como está, o governo Temer continuará enfrentando a impopularidade, a ingovernabilidade e a ilegitimidade. No primeiro caso porque a população não está vendo com bons olhos a combinação entre a recessão na economia e a perpetuação da corrupção entre os políticos; no segundo caso porque o próximo ano deve explicitar ainda mais as fissuras no bloco de poder: PMDB e PSDB seguem disputando a direção do golpe e a babel da barbárie institucional deve continuar com disputas entre o Judiciário e o Legislativo, e entre esse último e a grande imprensa hegemônica; no terceiro caso porque os efeitos colaterais das delações de Cunha, da Odebrecht e outras que virão podem colocar sobre a mesa de um modo cada vez mais claro uma saída pela via da eleição indireta ou do parlamentarismo.

A propósito, o centro das disputas continuará sofrendo influência da Operação Lava Jato. De um lado, no Congresso e no Executivo, bombeiros corruptos seguirão correndo e fazendo manobras, não para apagar o incêndio do País, mas para salvar a própria pele. De outro lado, na mídia e no Ministério Público, piromaníacos descompensados seguirão jogando combustível na fogueira da crise, não porque queiram encontrar uma saída para o País, mas porque já perceberam que o fortalecimento do seu poder relativo depende da continuidade dessa operação.

Do ponto de vista social, a esquerda organizada permanecerá se havendo com a ressaca de suas derrotas recentes, entrando em um ano de recomposição e ajustes combinados a tensões e cisões. O clima de polarização na política institucional deve seguir nutrindo o desencantamento, a apatia e a indignação da maioria da população. Há um perigo iminente de que o afastamento entre as instituições políticas e o tecido social crie um clima cada vez mais adequado para que o ódio se converta em experiências fascistoides, nas redes sociais e nas ruas. Esse processo será tanto mais acelerado quanto mais lenta for a capacidade das forças progressistas para dialogar com desejos e demandas de uma população que passou por profundas transformações nos últimos anos. A sociabilidade pelo consumo, o empreendedorismo popular, o neopentecostalismo, as culturas periféricas como o hip-hop e o funk expressam novas visões de mundo e traduzem novas gramáticas que precisam ser apreendidas pela esquerda a fim de que se possam refazer as pontes de contato entre o campo democrático-popular e a maioria dos cidadãos e cidadãs do País.

Em meio a essa aridez, felizmente, florescem novidades e a esperança vem dos focos de resistência: partidos de esquerda buscam se reunir em frentes amplas, movimentos sociais seguem nas ruas, estudantes secundaristas resistem ocupando escolas, o movimento dos trabalhadores sem teto persiste lutando por direitos, intelectuais progressistas se reúnem para debater o maior envolvimento da sociedade civil na política, artistas e produtores se engajam nas denúncias contra o governo, as juventudes se mobilizam na luta pelos direitos civis e pelas questões identitárias, contra o machismo, o racismo e outras formas de intolerância.

Se Saturno traz consigo o sentimento de perda, também traz junto de si a recusa contra a realidade social existente. Portanto, se em 2017 devemos continuar enfrentando o avanço de um projeto de Brasil onde não cabem todos os brasileiros, devemos acreditar que, felizmente, o nosso povo é melhor do que a nossa elite e, ainda que não seja no curto prazo, saberá converter suas perdas de direitos em recusa contra a reação liberal-conservadora.

William Nozaki é economista, sociólogo e professor da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP)

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