O espetáculo 'POPEROPERA TRANSATLÂNTICA', com o Grupo MEXA. Foto: Mar Aberto Produtora/Vitor Dias
O espetáculo 'POPEROPERA TRANSATLÂNTICA', com o Grupo MEXA. Foto: Mar Aberto Produtora/Vitor Dias

Entre as diversas ações implementadas pelo Museu Paranaense a partir da entrada de sua nova equipe de gestão, em 2019, o seu Programa Público é uma das iniciativas que melhor sintetizam as suas propostas: um projeto bienal, gratuito, com o objetivo de convidar a comunidade a se aproximar, refletir e se envolver com um assunto, de forma estendida e interdisciplinar. Não à toa, entre a primeira edição, realizada em 2022, e a segunda, que aconteceu entre maio e agosto, a visitação teve um aumento de quase 30%, com o público pulando de 20.088 para 27.520 pessoas.

O encerramento do Programa Público deste ano, intitulado Corpos ― Indícios, Matrizes ― Espécies, aconteceu entre os dias 23/8 e 24/8, respectivamente com uma oficina e uma apresentação do Grupo MEXA, de São Paulo. Criado em 2015, o MEXA explora e debate as distâncias e proximidades entre a rua e o museu, a vida e a arte, política e estética, por meio de improviso, teatro documental e criação coletiva, entre outros. Em Curitiba, o grupo apresentou a performance Poperópera Transatlântica, um espetáculo que combina elementos de ópera e da cultura noturna dos anos 1990 para narrar histórias inspiradas na Odisseia de Homero.

Diretora do MUPA, Gabriela Bettega ressalta que, entre os projetos de caráter continuativo da instituição, o Programa Público é o que melhor traduz “essa nossa vontade de fazer do museu um espaço de relações, onde se pode negociar as diferenças, onde se pode expor pontos de vista distintos sobre diversos assuntos, sem quaisquer amarras”, argumenta.

Para Gabriela, a diversidade do público que comparece ao Programa acaba por criar uma interconexão com temporalidades diferentes, um processo muito rico. “Você está discorrendo sobre um tema específico, refletindo sobre o passado, questionando ou indagando sobre o presente e tentando achar caminhos para um futuro possível. Nesse sentido, é um projeto muito especial”, pondera.

Para conceber cada edição do Programa Público, o MUPA reúne todos os coordenadores dos departamentos científicos da instituição para inicialmente discutir o tema do projeto e, depois, determinar como será a grade de programação, buscando um equilíbrio entre mesas de conversa, performances, apresentações teatrais e pequenas exposições. Em 2022, foram realizados entre 40 e 50 eventos; neste ano, 60.

Algumas das atividades provocaram surpresas no público que frequentou o MUPA. Um exemplo foi a participação da brasileira radicada na Alemanha Stefanie Egedy, que em julho apresentou a instalação sonora BODIES AND SUBWOOFES (B.A.S.). Segundo Gabriela, Stefanie criou uma composição que virou uma instalação com ondas sonoras de baixa frequência que a cada hora, por 10 minutos, “balançava o museu inteiro” com sons bastante graves, diz.

“Houve então uma preocupação enorme com o acervo, não se sabia ao certo como essa  vibração iria impactar até as instalações, a infraestrutura. A gente chamou alguém para fazer uma análise, e se conclui que a instalação não estava interferindo no estado de conservação”, lembra. “Então superamos este possível obstáculo e o público adorou a experiência”.

O Programa Público deixa também um importante legado para o MUPA: todos os encontros, as performances, as apresentações são registradas e são incorporados ao acervo documental, ao banco de dados do museu. Estão disponíveis nas redes sociais e no YouTube.

Gabriela salienta que foram quatro meses de muitos encontros, com pessoas provenientes de lugares diferentes do Brasil, para além das fronteiras do MUPA. “Motivados pelo tema do corpo, nesses encontros emocionantes que o Programa Público fomentou, tratamos da arte ao esporte, de saberes ancestrais à ciência”, pontua.

“A importância desse projeto reside na possibilidade de proporcionar ao visitante do Museu Paranaense uma programação múltipla em formato e dialógica nos diferentes campos do saber. É um projeto que prioriza exposições com foco em cultura imaterial e no papel do museu como espaço de relações”.

Vale ressaltar que as atividades do Programa Público são marcadas pela interdisciplinaridade e uma variação expressiva de tipos de evento. Alguns deles mobilizam a comunidade por ocorrerem no exterior do museu, a exemplo da performance ADAPTAT, que aconteceu nesta edição; e da performance de Uýra, apresentada em 2022. Ambos ocorreram na Praça João Cândido, em frente ao MUPA. Também é importante salientar que o MUPA realiza dezenas de ações educativas para crianças e adolescentes, desenvolvidas em conexão com o Programa Público.

Há também ações que aproximam detentores de saberes tradicionais com pesquisadores da universidade, questionando a própria concepção de ciência, caso da mesa Plantas, paisagens e conservação da vida promovidas pelos povos indígenas, realizada em 2022, com o arqueólogo Eduardo Góes Neves, a bióloga Ariane Oliveira e a pesquisadora indígena Sirlei Kaingang. Neste ano, um exemplo foi a mesa Culturas corporais das masculinidades, com os antropólogos Osmundo Pinho e Waldemir Rosa, o historiador Fernando Botton, e o dançarino e coreógrafo Khalifa IDD, que fez uma demonstração da dança Passinho.

Numa chave mais prática, o Programa Público convida o público a lidar com os assuntos de cada edição por meio, por exemplo, de oficinas. Em 2022, por exemplo, o MUPA abrigou oficina de taipa de pilão, em que os participantes construíram uma parede com terra, que foi incorporada ao jardim do museu. Neste ano, houve a oficina Corpo-máquina: um paralelo entre a robótica e a anatomia humana, em que os participantes foram introduzidos à robótica.

O Programa Público também abriga espetáculos de dança, que por sua vez pautam os assuntos escolhidos para cada edição, mas tocam as sensibilidades do público de outras formas, caso de Jardim Noturno, do Laboratório Siameses, apresentada na primeira edição; e de Hagoromo – o manto de plumas, com a dançarina de butoh Emilie Sugai, montada em 2024.

A PRIMEIRA EDIÇÃO 

A edição de 2022 teve como título Se enfiasse os pés na terra: relações entre humanos e plantas. Ao longo de 115 dias, o Programa se debruçou sobre práticas tradicionais, artísticas e de pesquisa acerca das plantas e humanidades. Alguns verbos ajudaram a nortear a programação: cuidar, habitar, transformar, saber, nutrir, regenerar e compartilhar. Tendo-os em mente, a equipe do MUPA buscou elencar quais atividades entre seres vegetais e humanos gostaria de ressaltar.

Daí resultaram, por exemplo, as participações do povo Huni Kuin, cujos cantos xamânicos embalaram a noite de pintura e performance do coletivo MAHKU; e a pintura de grafismos Mebegokre-Kayapó feitos por Kokodjy Kayapó, Moxare Kayapó e Bekwynhtokti Kayapó com jenipapo. A edição inaugural do Programa Público teve ainda uma mesa redonda sobre investigações científicas e artísticas sobre plantas com a antropóloga Karen Shiratori, os artistas Santídio Pereira e Alex Červený, e da curadora da Fondation Cartier pour l’Art Contemporain, Marie Perennès, por meio de vídeo.

Em agosto, foi lançado o catálogo da edição inaugural do Programa Público, uma publicação de mais de 400 páginas, que compila as ações realizadas: há transcrições de falas de artistas e pesquisadores, receitas, listas de plantas, relatos e ensaios e demais textos inéditos de participantes e equipe, além de um amplo conjunto de fotografias. Além da versão física, já está disponível a versão online no site do MUPA.

OUTROS DESTAQUES DE 2024

Na segunda edição de seu Programa Público, o MUPA também recebeu a apresentação da obra audiovisual O Peixe, de Jonathas de Andrade, que participou ainda de uma mesa redonda. Em entrevista à arte!brasileiros, Andrade afirma que O Peixe fala sobretudo das relações interespécies, e de como nos como nós, seres dominantes neste planeta, fazemos uso da natureza de forma irresponsável e despudorada.

“Como se não houvesse amanhã. Esse xeque-mate vem se intensificando mais e mais nos últimos anos, em tantos e tantos sinais como as chuvas torrenciais, o aquecimento global etc. Esses desastres tem relação direta com as politicas que afrouxam a proteção às florestas e a seus povos, e liberam o desmatamento e criação de pastos sem fim”, diz.

Andrade ressalta que eventos como estes do MUPA são oportunidades fundamentais de cultivar conversas em torno da arte, promover encontros entre artistas e com o público. “Eu não vinha a Curitiba há muitos anos e acho que esse tipo de intercâmbio fora do eixo SP e Rio é crucial para que tenhamos uma rede nacional mais diversificada e descentralizada”, afirma. “Aprendo muito com trocas como essa, com os comentários e perguntas da plateia. Sem dúvida me levam a maturar meus próximos passos e projetos.”

Outro destaque do projeto nesta segunda edição foi a exposição Lenora de Barros: Fogo no Olho. No dia da inauguração, houve também uma mesa redonda com Lenora, Pollyana Quintella (online) e mediação de Bruna Grinsztejn. Em entrevista à arte!brasileiros, Lenora afirma que foi “uma surpresa maravilhosa”, que ficou “encantada” com o MUPA e o trabalho que a instituição vem realizando por meio do diálogo entre o acervo do museu e a arte contemporânea.

“Pena que foram só dias, tenho planos de voltar logo”, afirma. “Fiquei surpresa, no melhor dos sentidos, com a participação das pessoas, muito interessadas, fazendo perguntas estimulantes. Também me chamou a atenção o grande número de atividades e as publicações muito bonitas. Enfim, tudo impecável”.

 


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