Na última terça-feira, dia 1°, o pedido de demissão de Fabio Szwarcwald da diretoria do Museu de Arte Moderna do Rio pegou muitos de surpresa. O carioca, que estava no cargo desde fevereiro de 2020, vinha fazendo um trabalho bastante elogiado, tanto nas áreas artística e educativa quanto na financeira. Em dois anos, reposicionou o Mam Rio como uma das instituições culturais mais relevantes do país – após anos de crise, quando um quadro de Jackson Pollock do acervo precisou ser vendido para criar um fundo para o museu -, inclusive recebendo prêmios de reconhecimento por seu trabalho. Algo notável em um momento em que tantos museus do país tem sofrido com ataques, desmontes e crises.
O motivo da saída seria a insatisfação de Szwarcwald com as novas estratégias do Conselho do museu que, argumentando preocupação com o aumento no orçamento, passou a não dar continuidade a projetos e investimentos comandados pelo diretor. “Os investimentos são necessários”, afirma Szwarcwald em entrevista à arte!brasileiros. “É fundamental um museu com esse acervo e importância fazer o restauro da parte elétrica; pagar uma brigada de incêndio; fazer a limpeza do duto do ar-condicionado; readequar a equipe e ter uma programação de destaque.”
De fato, o (agora ex) diretor aumentou os investimentos do museu, inclusive por conta da pandemia – o orçamento que era de R$ 15 milhões em 2019, ainda sem ele, foi de R$ 17 milhões em 2020 e R$ 21,5 milhões em 2021. Com isso, houve a reformulação das equipes, a criação de novas áreas de atuação, a retomada de projetos educativos e residências artísticas, o estabelecimento da gratuidade na entrada do público e a contratação de uma diretoria artística – Keyna Eleison e Pablo Lafuente. Mas, ao mesmo tempo, Szwarcwald conseguiu um grande salto na captação de recursos, como o próprio Conselho reconhece em comunicado oficial (leia a íntegra ao fim da entrevista).
Segundo dados apresentados por Szwarcwald, do fundo de R$ 45 milhões gerado com a venda do Pollock foram utilizados cerca de R$ 10,5 mi em 2019, (antes de sua gestão); R$ 10 milhões em 2020 e R$ 4 milhões em 2021. O planejamento deste ano previa o uso de menos de R$ 2 milhões do fundo, algo possibilitado pela captação de quase R$ 35 milhões nos dois anos da gestão de Szwarcwald.
Entre as questões do ex-diretor com o Conselho estão ainda o fato de o Mam Rio seguir sem seguro – após a tentativa de Fabio de fechar acordo com a empresa Axa, o Conselho não aprovou a iniciativa a tempo de ser concretizada; e o fato de, em setembro de 2021, o Conselho ter destituído Szwarcwald da Diretoria Executiva, convidando-o para assumir a Diretoria de Relações Institucionais. Naquele momento, Paulo Albert Weyland Vieira foi nomeado interinamente como diretor executivo, mas apenas agora ele assume o cargo de fato.
Estranhamente, essa informação não veio a público à época. “O fato é que, mesmo depois dessa deliberação do Conselho, nada mudou, na prática eu continuei respondendo como diretor executivo até agora. As pessoas nem ficaram sabendo de nada disso.” Szwarcwald afirma não ter saído naquele momento para poder finalizar ao menos parte do trabalho que havia iniciado: “Se eu saísse em novembro ou dezembro, isso poderia atrapalhar muito a captação. Eu queria deixar o museu estruturado para 2022 e não queria deixar a minha equipe na mão”.
Para entender melhor a situação – que não deixa de ter meandros pouco claros – leia abaixo a íntegra da entrevista e, na sequência, o comunicado divulgado pelo Conselho.
ARTE!✱ – Depois de dois anos como diretor do Mam Rio, com um trabalho que vinha sendo muito elogiado e que você muito celebrou em entrevista que fizemos há três meses, você acaba de pedir demissão da diretoria do museu. O que fez você tomar essa decisão?
Fabio Szwarcwald – Quando eu entrei, em 2020, uma das coisas que os conselheiros mais queriam era que o Mam voltasse a ter uma programação cultural intensa e boa, que colocasse o museu de novo no radar dos principais museus do Brasil. E, também, que eu fizesse uma gestão que trouxesse maior captação e uma sustentabilidade econômica para o museu. Então todo o trabalho que eu fiz foi, primeiro, de analisar e reestruturar as equipes, e então criei áreas que não existiam, como a de parcerias estratégicas e a de comunicação e facilities. Mudei a gestão do educativo, já que um dos grandes projetos era retomar o Bloco Escola – primeiro equipamento criado no Mam, no fim dos anos 1950. A ideia era fazer um grande restauro neste edifício, para que o museu voltasse a ter uma programação intensa de cursos de arte, voltados para diversos tipos de público. Esse projeto educativo começou digitalmente e depois seriam captados os recursos para o restauro e para realizar os cursos presencialmente. Então fizemos todo um projeto para estruturar a parte de captação do museu, não só no Brasil, mas também internacionalmente, com esses órgãos de fomento. Por exemplo, estava estabelecendo um acordo com a Brazil Foundation – que é uma ONG internacional que ajuda a captar para projetos de sustentabilidade, educação, arte e cultura -, para internacionalizar a captação do museu. Negociamos por um ano e eles me mandaram o contrato para ser assinado. O projeto do Bloco Escola estava em curso para ser aprovado pelo BNDES, de R$ 19,9 milhões. E passamos de três empresas apoiadoras do museu em 2019 para 25 no final de 2020, no meio da pandemia. Agora, fechamos 2021 com 38 empresas. Captamos em dois anos mais R$ 34 milhões.
Ao mesmo tempo, fui tocando todos os projetos. A grande questão do Conselho era que eles tinham muito receio de utilizar o dinheiro do fundo. Mas não é possível fazer nenhuma transição, nenhuma transformação no museu, sem verbas. Então, na verdade, utilizamos o dinheiro do fundo – até porque estávamos numa pandemia – para fazer algumas demissões necessárias e a readequação do museu em vários projetos de infraestrutura. Colocamos brigada de incêndio, detector de metais, câmeras de segurança, trocamos o cabeamento elétrico, fizemos limpeza do ar-condicionado, ozonização, pintura do museu, impermeabilização da área expositiva e assim por diante. E todos esses investimentos eram estritamente necessários para a boa manutenção do museu e para a gente mudar de patamar. E eu fui utilizando o dinheiro do fundo, porque era o dinheiro que tínhamos, e depois captamos os recursos. Não é possível captar se você não tem programação, estrutura, se não está fazendo melhorias no museu.
ARTE!✱ – Houve também o estabelecimento da gratuidade da entrada no museu…
Sim, o museu se tornou gratuito, com contribuição sugerida, criando uma maior acessibilidade para trazer novos públicos. Fizemos mais de 40 cursos gratuitos, com incentivos, e seis residências artísticas. Fizemos a Cinemateca virar online, alcançando um público de mais de 270 mil pessoas em 60 países. Tudo isso foi extremamente importante, tanto que no fim de 2020 ganhamos um prêmio de instituição do ano pela Select; em 2021, como uma das quatro instituições mais relevantes do Brasil na programação cultural. E todos os investimentos realizados foram aprovados em reuniões do Conselho.
ARTE!✱ – Em um comunicado divulgado esta semana, o museu diz que em setembro de 2021 o Conselho de Administração deliberou a sua destituição da Diretoria Executiva, com convite para assumir a Diretoria de Relações Institucionais. Nesta mesma ocasião, Paulo Albert Weyland Vieira foi nomeado interinamente para assumir a Diretoria Executiva e Pedro José Rodrigues a Diretoria de Planejamento, Administração e Financeira. Isso não foi divulgado à época? E você continuou trabalhando como diretor executivo?
Isso foi muito confuso e sem motivo. Quando o Pedro entrou, em junho, para ser diretor administrativo e financeiro, uma das suas atribuições foi rever todo o fluxo de caixa e as contas, e nada foi alterado do que tinha sido apresentado antes. Ele viu que estava tudo certo. O fato é que, mesmo depois dessa deliberação do Conselho, nada mudou, na prática eu continuei respondendo como diretor executivo e fazendo a gestão da equipe até agora. As pessoas nem ficaram sabendo de nada disso.
ARTE!✱ – E por que você decidiu sair especificamente agora?
Se eu saísse em novembro ou dezembro, isso poderia atrapalhar muito a captação. Eu queria deixar o museu estruturado para 2022 e não queria deixar a minha equipe na mão. Então não concordei com as decisões estratégicas e de gestão definidas pelo Conselho, mas aceitei ficar naquela posição até agora para entregar o museu de uma forma que eles possam sobreviver ao longo deste ano quase sem usar o dinheiro do fundo.
Leia o comunicado do Conselho de Administração do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro:
1
O Conselho de Administração do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM Rio) confirma que recebeu, em 1 de fevereiro de 2022, um pedido de demissão de Fabio Szwarcwald do cargo para o qual havia sido nomeado em 1 de março de 2020.
2
Em 14 de setembro de 2021, o Conselho de Administração deliberou a destituição de Fabio Szwarcwald da Diretoria Executiva e o convidou para assumir a Diretoria de Relações Institucionais, cargo que pareceu aos conselheiros mais condizente com seu perfil profissional. Nesta mesma ocasião, Paulo Albert Weyland Vieira foi nomeado interinamente para assumir a Diretoria Executiva e Pedro José Rodrigues a Diretoria de Planejamento, Administração e Financeira.
3
Foi, portanto, enquanto as negociações sobre o convite para assumir a Diretoria de Relações Institucionais ainda estavam em curso, que o Conselho de Administração do MAM Rio recebeu de Fabio Szwarcwald, em 1 de fevereiro de 2022, o pedido de demissão acima referido.
4
Nos quase dois anos em que Fabio Szwarcwald exerceu a Diretoria Executiva, após rigoroso processo de seleção do Conselho de Administração, o MAM Rio ampliou o número de Associados, Patronos, e empresas apoiadoras e mantenedoras; bem como trouxe talentos para integrar a gestão, além de novos públicos, fortalecendo assim o histórico papel da instituição na cena cultural do país. O Conselho de Administração do MAM Rio não só aplaude e agradece a dedicação e entusiasmo de Fabio Szwarcwald, que nos está deixando, como também a de toda a equipe de colaboradores que conosco permanecerá.
5
A diretoria liderada por Paulo Albert Weyland Vieira aproveita esta oportunidade para dividir com os públicos interno e externo do MAM Rio seu comprometimento com a implementação do atual programa da Diretoria Artística, idealizado por Keyna Eleison e Pablo Lafuente, que abrange os programas de educação, pesquisa e residências, bem como as próximas exposições “Nakoada” e “Independências”, que pensam diferentes movimentos da história do Brasil.
6
O MAM Rio lembra que dos seus acervos fazem parte mais de 16.000 obras, um dos conjuntos de documentos de artes visuais mais importantes do país, e que sua Cinemateca salvaguarda um conjunto de mais de 150.000 títulos e o maior acervo documental de cinema nacional, além de manter em regime de comodato as coleções Gilberto Chateaubriand e Joaquim Paiva. A propósito, e como não poderia deixar de ser, a segurança do museu é uma das prioridades definidas pelo Conselho de Administração do MAM Rio. No início de 2021, pediu propostas para a contratação de seguro, mas apenas uma lhe foi apresentada pela Diretoria Executiva à época. Após receber a referida proposta, de caráter inicial e não vinculante, os conselheiros fizeram uma série de questionamentos não respondidos a contento e, posteriormente, a proponente internacional comunicou ao mercado que deixaria de cobrir este tipo de risco no Brasil. A busca de uma estrutura especializada e adequada à instituição está em pleno andamento.
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Zelar por um equilíbrio rigoroso das contas, que garanta a sua viabilidade no futuro, também é uma das prioridades que marcam a atuação do Conselho de Administração do MAM Rio.
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Olhando para 2023, quando o MAM Rio completa 75 anos de fundação, o Conselho de Administração já solicitou à equipe de colaboradores da instituição um plano museológico à altura e em linha com as inéditas dúvidas e desafios que os novos tempos nos impõem.
9
O Conselho de Administração do MAM Rio está, como sempre esteve, à disposição dos seus públicos para elucidar toda e qualquer indefinição sobre questões pertinentes ao seu papel como órgão máximo da instituição.
Rio de Janeiro, 2 de fevereiro de 2022.