Rosaria Schifani no funeral do marido, 1993. Crédito: Letizia Battaglia.
Rosaria Schifani no funeral do marido, 1993. Crédito: Letizia Battaglia.

Sabe-se há muito que uma fotografia não transforma o mundo, mas ajuda sim a reflexão e a consequente transformação de uma situação. Especialmente quando falamos de fotojornalismo ou da fotografia documental. Perceber o que acontece ao nosso redor, deixar nosso olho passear livremente pelas imagens que escorregam diante de nós. Perceber na sua dureza, não um olhar privo de sensibilidade ou de poesia, mas um olhar que decidiu, intencionalmente, nos contar uma história. Como afirmava o filósofo norte-americano Nelson Goodman (1906-1998), “se a arte cria mundos para se conhecer e visitar, eles não são apenas mundos de formas e de símbolos, são também mundos de emoções e de sensações misturadas”. Emoções ligadas à percepção de mundo, e que o artista nos transmite. Ou como afirma o neurocientista António Damásio “Nós, humanos, somos contadores de histórias natos, e muito nos satisfazemos contando histórias sobre como tudo começou”.

A fotógrafa Letizia Battaglia. Crédito: Shobha/Divulgação IMS
A fotógrafa Letizia Battaglia. Crédito: Shobha/Divulgação IMS

Estas colocações por parte destes cientistas me ligam muito à fotógrafa italiana Letizia Battaglia, que faleceu recentemente, no último dia 13 de abril. Esta coluna é portanto uma homenagem a esta mulher que encontrou na fotografia, no jornalismo uma maneira de contar seu mundo, a dura cidade de Palermo, na Sicilia, Itália – durante anos dominada pela Máfia. A força das suas imagens em contar sua cidade está diretamente ligada ao que escreveu Agner Heller, em seu livro Teoria dos Sentimentos: “Quando não estamos envolvidos sentimentalmente com alguma coisa, perdemos o interesse, a força e aparece o tédio”. Letizia estava totalmente imersa em seu desejo de fotografar não a Palermo contada nas páginas policiais, mas a Palermo das belezas. E por meio de suas fotografias dos crimes da Máfia ela também narrou a beleza dos personagens, das pessoas que andavam por aquelas ruas. Quando, em 2019, o Instituto Moreira Salles trouxe uma retrospectiva de suas imagens, ao escrever o texto para o jornal Estadão, pensei: “São fotografias cruas, duras, mas em nenhum momento sensacionalistas. São imagens que também fogem do estereótipo muitas vezes romantizado do mafioso, seja pelo cinema ou pela literatura. Imagens que narram a vida naqueles anos dominados pela Máfia. Muitos primeiros planos, imagens que chegam perto, que não se calam diante do horror”.

Foi a primeira fotojornalista italiana, abrindo espaço para gerações que a seguiram e reverenciaram. Suas imagens são silenciosas, contidas, não contém nada além do que ela quer mostrar, apresentar. São precisas. Imagens que tiveram um impacto na história. Se aparentemente são mudas, as fotografias, no entanto, são de um silêncio perturbador.

Jovem com bola de futebol no bairro de La Cala, Palermo, Sicília, 1980. Crédito: Letizia Battaglia.
Jovem com bola de futebol no bairro de La Cala, Palermo, Sicília, 1980. Crédito: Letizia Battaglia.

Letizia sempre recusou ser reconhecida como a fotógrafa da Máfia, sempre foi contra os crimes da Máfia, mas sem medo, já aos 30 anos, em 1971, já mãe, abandonou a vida siciliana e foi morar em Milão, atraída pela vida cultural, pelo teatro, pela literatura. Lá ela começou a escrever e colaborar para vários periódicos. Instigada por amigos que além da narrativa queriam ver imagens dos lugares que ela referia, descobriu a fotografia e se tornou correspondente do jornal L’Ora di Palermo, relatando como viviam os sicilianos no norte. Em 1977 retornou a Palermo para ser editora do jornal. Única mulher num mundo masculino, Battaglia foi muitas vezes hostilizada pelos “colegas”,  mas nunca se deixou vencer e continuou à frente, fotografando de perto, muito de perto, os mortos e seus algozes, as crianças e as mulheres. A dor e o amor de uma cidade passionária.

Letizia Battaglia nunca nos deixou esquecer da importância de relatar o mundo, de se colocar em cena e de assumir uma posição ao registrar uma foto: “Vivi a fotografia como documento, como interpretação. A vivi como uma forma de salvação e de verdade”. Letizia acreditava que só a cultura poderia nos salvar da barbárie.

Nos tempos que estamos vivendo nunca o olhar do fotojornalista foi tão importante. As imagens produzidas hoje estarão sem dúvida nos livros de história amanhã. Nunca foi tão importante voltar a pensar na fotografia como protagonista de uma narrativa e não como apêndice ilustrativo de um texto.  Nunca foi tão importante reaprender a contar histórias. Iniciei está coluna dizendo que uma imagem não transforma o mundo. Mas pode servir para reflexão. Em 1992 Palermo ficou conhecida como a “Cidade da Máfia”, em 2018 se tornou capital da cultura. Muito graças a este olhar inquieto de uma mulher chamada Letizia Battaglia! Obrigada por nos ensinar a exergar.


Cadastre-se na nossa newsletter

sab22fev(fev 22)12:00sab26abr18:00Exposição coletiva "ABRE ALAS 20"Ao longo desses 20 anos, mais do que uma exposição, o Abre Alas se tornou um lugar de festa, encontro e experimentação.31 Dias 0:03:11 para terminarA Gentil Carioca, Rua Gonçalves Lédo, 17 - Centro, Rio de Janeiro - RJ, 20060-020

sex06dez(dez 6)13:00dom08jun(jun 8)21:30Exposição "31ª Mostra de Artes da Juventude – MAJ"31ª edição do evento tem curadoria de Camila Fontenele e Tiago Gualberto, que prezaram pela escolha de artistas das mais diversas regiões do Brasil e de diferentes grupos étnicos e interesses poéticos74 Dias 3:33:11 para terminarSesc Ribeirão Preto, Rua Tibiriça, 50, Centro, Ribeirão Preto - SP

sex07fev(fev 7)10:00dom30mar(mar 30)18:00Exposição "Sala de Vídeo", de Janaina WagenrMostra inaugura ano de Histórias da Ecologia com vídeos sobre impacto da BR-230 no meio ambiente e no cotidiano das populações locais.4 Dias 0:03:11 para terminarMASP, Avenida Paulista, 1578, São Paulo

qui13fev(fev 13)11:00sab12abr(abr 12)18:00Exposição individual "Flora", de Claudia AndujarA mostra reúne uma série de imagens que exaltam a beleza e a complexidade ambiental da natureza17 Dias 0:03:11 para terminarCasa Seva, Al. Lorena, 1257 - Casa 1, Jardins, São Paulo - SP

seg17fev(fev 17)11:00qua30abr(abr 30)19:00Exposição individual "o lado de fora dos olhos fechados", de Mariana ManhãesUm conjunto que mescla escultura, instalação e vídeo reorganiza a ambientação da galeria. 35 Dias 1:03:11 para terminarCentral Galeria, Rua Bento Freitas, 306 / subsolo vila buarque / 01220-000 são paulo

ter18fev(fev 18)09:00dom11mai(mai 11)18:00Exposição coletiva "Nhe´ ẽ Se"Exposição reúne 13 artistas de norte ao sul do Brasil, e lança em primeira mão novo manto feito pela artista Glicéria Tupinambá46 Dias 0:03:11 para terminarCAIXA Cultural São Paulo, Praça da Sé, 111 – Centro – SP

qua19fev(fev 19)09:00seg05mai(mai 5)20:00Exposição coletiva "Arte Subdesenvolvida"Mostra apresenta mais de 130 obras assinadas por grandes nomes da arte contemporânea brasileira, entre 1930 e 198040 Dias 2:03:11 para terminarCentro Cultural Banco do Brasil Rio de Janeiro (CCBB RJ), Rua Primeiro de Março, 66 –Centro, Rio de Janeiro - RJ

qui20fev(fev 20)11:00sab26abr19:00Exposição individual "Carnaval Crypto", de Randolpho LamonierA mostra apresenta um conjunto de obras que têm como cenário um carnaval em meio a uma crise financeira, geopolítica e ambiental.31 Dias 1:03:11 para terminarPortas Vilaseca Galeria, Rua Dona Mariana, 137, casa 2, Botafogo, Rio de Janeiro - RJ

sex21fev(fev 21)10:00dom30mar(mar 30)19:00Exposição "Ney Matogrosso"A mostra faz um percurso cronológico pela obra do artista, passando por cada década de sua atuação4 Dias 1:03:11 para terminarMuseu da Imagem e do Som - MIS, Av. Europa, 158, Jd. Europa São Paulo - SP

sab22fev(fev 22)12:00sab26abr18:00Exposição coletiva "ABRE ALAS 20"Ao longo desses 20 anos, mais do que uma exposição, o Abre Alas se tornou um lugar de festa, encontro e experimentação.31 Dias 0:03:11 para terminarA Gentil Carioca, Rua Gonçalves Lédo, 17 - Centro, Rio de Janeiro - RJ, 20060-020

sex06dez(dez 6)13:00dom08jun(jun 8)21:30Exposição "31ª Mostra de Artes da Juventude – MAJ"31ª edição do evento tem curadoria de Camila Fontenele e Tiago Gualberto, que prezaram pela escolha de artistas das mais diversas regiões do Brasil e de diferentes grupos étnicos e interesses poéticos74 Dias 3:33:11 para terminarSesc Ribeirão Preto, Rua Tibiriça, 50, Centro, Ribeirão Preto - SP

Deixe um comentário

Por favor, escreva um comentário
Por favor, escreva seu nome