Registro do livro "Fotografias deserdadas", de Rubens Fernandes Junior
Registro do livro “Fotografias deserdadas”, de Rubens Fernandes Junior

Desde que a fotografia foi inventada, ou melhor, apresentada ao público nas primeiras décadas do século 19, ela se tornou representante ou narradora da vida íntima: retratos, festas, férias, viagens. Por ter nascido como uma expressão democrática, foi se inserindo na vida cotidiana. Os famosos álbuns de família.

Por ser considerada uma arte do banal, do dia-a-dia, muitas destas fotos, que lotavam arquivos, muitas vezes acabaram sendo esquecidos em gavetas ou, pior, descartadas.

E é aí que entra o papel do pesquisador, que procura em feirinhas, mercados de pulgas, álbuns abandonados, imagens solitárias, mas que esperam que alguém as descubra para novamente retornarem à vida e terem espaço na narrativa de nossa passagem pelo mundo.

Somos seres lotados de imagens. É por meio delas que deixamos nossa marca pelo mundo em que passamos. E, desde que temos a fotografia, como protagonista, nossa existência está tão marcada como as imagens nas cavernas.

E é por causa destas fotografias, aparentemente jogadas fora ou esquecidas, que há anos o pesquisador e curador Rubens Fernandes Junior percorre sebos, feiras de antiguidades e mercados de pulgas, a fim de devolver a visibilidade das pessoas que um dia foram retratadas, por amadores ou por fotógrafos de estúdio. Fotografias agora reunidas em um livro, imagens que ele conceituou como Fotografias deserdadas, conceito, aliás, que dá título ao livro lançado pela Editora Tempo d’Imagem.

Capa do livro "Fotografias deserdadas", do pesquisador Rubens Fernandes Júnior
Capa do livro “Fotografias deserdadas”, do pesquisador Rubens Fernandes Júnior

Imagens sem nome, sem dados, sem data, mas que carregam toda uma história de representatividade. Da representatividade uma época, de uma sociedade, de momentos importantes vividos: “Há anos coleciono fotografias anônimas. Pessoas desconhecidas, raramente identificadas”, escreve o autor na apresentação do livro. E continua: “Todo o conjunto de dados, ou melhor, a falta deles, foi o atrator estranho que despertou em mim o desejo de adquirir e preservar estar fotografias que fui encontrando em sebos, feirinhas, bric-à-brac, mercados de antiguidades, lugares que abrigam tudo aquilo que teve seu fim determinado por aqueles que, em tese, eram seus proprietários”.

Um imagem aparentemente sem dados abre a possibilidade para inúmeras leituras, decodificações trazendo para nós o mesmo espanto que o filósofo Walter Benjamin sentiu ao falar sobre a fotografia de uma pescadora em seu texto A pequena história da fotografia, de 1931: “As primeiras pessoas reproduzidas entravam nas fotos sem que nada se soubesse sobre sua vida passada, sem nenhum texto escrito que as identificasse”.

Por isso estas imagens são fascinantes. Muitos filósofos e pesquisadores que escreveram sobre fotografia, como Alfredo de Paz ou Roland Barthes, por exemplo, já anunciavam que a história da fotografia deveria ser contada pelas imagens encontrada em álbuns familiares ou nas famosas caixas de sapato. Essas, sim, importantes para a representatividade de uma determinada sociedade. O sociólogo Pierre Bordieu, publicou, em 1965, um livro junto com sua equipe de pesquisa, chamado Un art moyen (sem tradução ainda para o português), em que ele pesquisou nos arquivos familiares: “Os álbuns familiares, os retratos de casamento e de formaturas, entre outros ritos de passagem, tinham um tutoria mantinham um elo afetivo”, comenta Rubens Fernandes Junior.

Para este volume, o pesquisador selecionou só imagens brasileiras. Para organizar melhor o volume de fotografias criou capítulos e uma leitura possível entre inúmeras: acidental, casais, coincidências estéticas, corpo e movimento, crianças, espelho e sombra, estranhamentos, estúdios e cenários, homem e cidade, homem e máquina, paisagem, retratos e simulações.

Em uma época de redes sociais, e da efemeridade da imagem, a preservação é importante. Imagens deserdadas são imagens canceladas se quisermos usar um vocabulário contemporâneo. Por isso a necessidade de preservá-las, mas, acima de tudo, de apresentá-las: “Ao pensar na imagem contemporânea essencialmente digital, e sua escassez material, fica evidente a importância de preservar as fotografias deserdadas à medida que, por meio delas, atestamos concretamente a existência e um ritual que produziram algum sentido na vida das pessoas comuns”, diz Fernandes Junior.

Ao recuperar imagens deserdadas ou abandonadas deixamos, para as gerações futuras sobre, registros de nossa passagem pelo mundo e de como gostaríamos de ser vistos e representados.

 

 

 


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