No ano em que completa duas décadas da abertura de seu espaço em São Paulo, a Pinakotheke Cultural se consolida como uma das instituições de atuação mais diversificada no cenário artístico brasileiro, trabalhando em vertentes distintas, de exposições, publicações e atividades educacionais, à preservação e catalogação de acervos, atualmente um total de 25. Uma de suas mais recentes iniciativas é a mostra Victor Brecheret e a Semana de Arte Moderna de 1922, que fica em cartaz até 1º de outubro na capital paulista e segue para sua sede, no Rio de Janeiro, ainda em outubro.
Concebida em parceria com o Instituto Victor Brecheret, a exposição, uma iniciativa cultural do Orfeu Cafés Especiais, também celebra os 100 anos da Semana de Arte Moderna de 1922. Ao todo, são 50 obras, divididas em quatro módulos. Além das esculturas de Brecheret – entre elas, Vitória (1920), exposta raramente -, estão sendo exibidas criações de Anita Malfatti, Vicente do Rego Monteiro, Zina Aita, Helios Seelinger e Di Cavalcanti. 12 desses trabalhos fizeram parte do evento histórico, apresentado há 100 anos no Theatro Municipal de São Paulo.
Em julho, também na capital paulista, a Pinakotheke realizou a exposição Rubem Valentim (1922-1991) – Sagrada Geometria, com quase 100 trabalhos do artista, sob curadoria de Max Perlingeiro, fundador da instituição, e consultoria de Bené Fonteles, amigo próximo de Valentim. No fim do ano, a sede no Rio vai receber o lançamento do livro de mesmo nome, bilíngue (português e inglês), com texto de Fonteles.
Até o dia 24 de setembro, a Pinakotheke carioca abriga a exposição Coleção Luiz Carlos Ritter, também com curadoria de Perlingeiro, um desdobramento do livro de mesmo nome e também bilíngue, com textos de Nélida Piñon e Vanda Klabin, entre outros. Em exibição, 60 trabalhos, de artistas como Tarsila do Amaral, Frans Post, Guignard, Portinari, Morandi, Renoir, Di Cavalcanti, Volpi, Pancetti, Lygia Clark e Helio Oiticica.
Em entrevista à arte!brasileiros, Perlingeiro conta que o acervo de Ritter vem sendo gestado há cerca de 30 anos, e a Pinakotheke passou administrá-lo há oito. Segundo ele, a coleção ganhou “uma consistência muito grande”, com centenas de obras, tornando-se uma das principais fontes de empréstimos para mostra individuais ou coletivas, de museus e instituições culturais, como Masp, Sesc, Museu de Arte do Rio (MAR) e a Casa Roberto Marinho, entre outras.
“Ritter teve o desejo de perenizar, ainda vivo e atuante, o que construiu ao longo de todo esse tempo. O livro contempla um recorte muito focado. São cerca de 190 reproduzidas. E eu faço uma entrevista com ele, que era a forma de o colecionador se apresentar, em vez de se ter uma biografia, uma cronologia”, diz o galerista.
A Pinakotheke Cultural foi criada em 1979, em Botafogo, bairro onde inaugurou, em 1994, uma nova sede, mantida até hoje. No começo, a instituição teve uma galeria com o nome fantasia de Acervo, mas o braço editorial – a Pinakotheke Edições – já continha o nome pelo qual ficaria conhecida ao longo de mais de quatro décadas de atividades. A primeira filial foi criada em 1987, em Fortaleza, e batizada como Multiarte, nome que se consolidou de tal forma na cidade que Perlingeiro preferiu mantê-lo.
Já a Pinakotheke São Paulo foi criada em novembro de 2002, com uma mostra comemorativa ao centenário de Portinari. Segundo Perlingeiro, até o início da década seguinte, algumas das produções emblemáticas da instituição foram montadas na sua galeria no Morumbi. Por exemplo, uma série de mostras monográficas, dedicadas a Portinari (2003), Pancetti (2004) e Di Cavalcanti (2006) e Wesley Duke Lee (2010), entre outros, e coletivas, como Abstração como linguagem (2004). Para todas, foram lançados catálogos ilustrados, vendidos a preço de custo, e hoje esgotados.
Em 2019, Perlingeiro apresentou na filial paulistana duas mostras pelas quais tem especial apreço: Estética de uma amizade, que propunha um diálogo entre os trabalhos de Alfredo Volpi e Bruno Giorgi, e, em seguida, na mesma chave, ele montou em São Paulo a exposição Leonilson por Antonio Dias – Perfil de Uma Coleção. As iniciativas acabaram lhe rendendo um convite, do Instituto Casa Roberto Marinho, que deu origem à montagem de Calder + Miró, com mais de 150 obras, além de um catálogo, ainda em produção. Em cartaz até 20 de novembro, no Rio, a exposição propõe uma conversa entre a obra dos dois artistas, além de investigar a influência de ambos na produção de nomes como Arthur Piza, Luiz Sacilotto, Franz Weissmann e Milton Dacosta, entre outros.
Carioca, Max Perlingeiro é formado em engenharia química e engenharia de segurança. Ao mesmo tempo em que estudava, dava aulas de física, matemática e química, para estudantes em preparação para o vestibular. Seus primeiros passos nas artes visuais foram na Petite Galerie, uma das pioneiras do mercado nacional, onde trabalhou de 1966 a 1978. “Eu precisava de um trabalho em meio período, e, vez de ir para uma loja de roupas de shopping center, tive essa oportunidade de ir para uma galeria, que foi minha grande formação”, conta o galerista.
Um ano após sair da Petite Galerie, Perlingeiro montou sua própria galeria. Mais de quatro décadas depois, tem uma equipe multidisciplinar fixa, com aproximadamente 50 pessoas, entre montadores, iluminadores, marceneiros, forjadores, museólogos, grupos de pesquisa e o setor administrativo. Além das exposições, a Pinakotheke tem um braço editorial (a Edições Pinakotheke), a Pinakotheke Tecnologia, que produz as mostras de suas três galerias e para terceiros, e a atuação educativa, consolidada em 1994, com a exposição Arte Ilustrada, na Fundação Maria Luisa e Oscar Americano, em São Paulo, e o lançamento de um dicionário de termos artísticos.
“A publicação é algo único até hoje, traz 3300 verbetes, com seus equivalentes em inglês, francês e espanhol”, conta Perlingeiro. “Fizemos contratação de mediadores, visitas guiadas, e, desde então, nunca mais largamos esse segmento. Porque dá um prazer enorme, a gente decuplica a visitação. Depois trabalhamos com uma instituição chamada Amigos da Escola, para a qual criávamos conteúdos, recebíamos as escolas do Rio e de São Paulo. É uma missão institucional.”
Ainda na área educacional, Perlingeiro lançou em 2014 os Grupos de Estudo Multiarte, em Fortaleza, um projeto com cursos pagos, concebido por sua mulher, Bia, que morreu em 2020, vítima da covid-19. Perlingeiro ressalta que não se trata de uma escola de formação. Atualmente, existem mais de dez turmas, com 80 participantes, que se reúnem semanalmente e discutem determinadas temáticas, sob a orientação de mestres e doutores. Há também cursos de curta duração, como, por exemplo, o Barroco Italiano.
A família, a propósito, é bem atuante na instituição: o filho Victor cuida da filial em Fortaleza; Max, da Pinakotheke São Paulo; já as filhas, Camila e Mariana, trabalham ao lado do pai, no Rio de Janeiro. A primeira, como publisher da editora; a segunda, é encarregada dos setores administrativo e financeiro. Por fim, Perlingeiro tem a colaboração de seu irmão, Ivan, responsável, há cerca de 40 anos, por toda a logística das produções, no Brasil e no exterior.
A propósito, as consultorias e montagens para outras instituições, no Brasil ou lá fora, tiveram início já nos anos 1980. Em 1985, a Pinakotheke realizou uma mostra da Coleção Roberto Marinho, no Paço Imperial, no Rio. Em 1987, outra no Museu Nacional de Belas Artes, em Buenos Aires, e, em 1989, na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa. Mais recentemente, em 2018, Perlingeiro realizou em Madri, na Santander Art Gallery, uma “exposição gigante, que ocupou 4 mil metros quadrados”, com obras da Coleção Luís Paulo Montenegro e curadoria de Rodrigo Moura.
Nesses mais de 40 anos de atividade, Perlingeiro destaca algumas iniciativas que considera “trabalhos hercúleos”: em 1983, montou, em cinco espaços distintos da capital fluminense, a mostra História da Pintura Brasileira no Século 19, uma parceria com a Fundação Roberto Marinho, que compreendia a produção em solo nacional desde 1816, com a chegada da Missão Artística Francesa, até a República. Na ocasião, foi lançado um livro, de autoria do artista, crítico e professor Quirino Campofiorito, e um livro de arte vendido “ao preço de uma revista semanal”, lembra. “À época, fizemos 50 mil exemplares, e até hoje eles são adotados pelas escolas, numa parceria com o governo federal”.
Em 2007, a Pinakotheke fez uma exposição em parceria com a Reunião Nacional dos Museus da França, num shopping carioca de grande circulação na Barra da Tijuca, às vésperas do Natal, quando o fluxo de pessoas é ainda maior. Para a mostra, que reuniu reproduções de clássicos dos acervos de museus franceses, foi criada uma praça “com grande requinte e iluminação de Peter Gasper”, em que também eram vendidos produtos de R$1 a R$ 1 mil, entre pôsteres, cartões e réplicas. Segundo Perlingeiro, “dezenas de milhares de visitantes” passaram pelo lugar.
A empreitada de fôlego mais recente foi a mostra Lygia Clark (1920-1988) 100 anos, montada no ano passado, em São Paulo e no Rio. Perlingeiro considera que o livro concebido para a exposição foi talvez “um dos maiores desafios” de sua vida. Ele destaca ainda que a montagem tinha uma grande quantidade obras inéditas, nunca exibidas no Brasil, além de “textos fantásticos”, do historiador de arte argelino Yve-Alain Bois, e uma entrevista parcialmente inédita feita pelo jornalista Matinas Suzuki e o artista Luciano Figueiredo, para a Folha de S.Paulo, da qual foi possível recuperar parte dos áudios, presentes na mostra.
Do braço editorial, Perlingeiro destaca que, entre os anos 1980 e 1990, eles produziram uma revisão histórica da arte brasileira no século retrasado. E começaram a estudar o modernismo a partir dos anos 2000. Segundo ele, há quatro produções sendo sonhadas, “uma delas com dois colaboradores maravilhosos, o Pablo Diener e a Maria de Fátima Costa, para uma exposição e uma publicação chamadas A arte nas missões científicas”, conta.
Entre as iniciativas mais recentes estão duas criadas durante o auge da pandemia: o viewing room da galeria e Pinakotheke TV, no YouTube, que contém cerca de 20 lives. Inicialmente quinzenais, elas passaram a ser mensais e vêm sendo feitas com menor regularidade. A programação se divide em três: Arte comentada, Livro comentado e Legado de um artista. Por lá, já passaram herdeiros de Tunga, Rubens Gerchman, Waldemar Cordeiro, além de alguns colecionadores, entre outros convidados.
Longevo, o trabalho da Pinakotheke já recebeu prêmios do Instituto Nacional do Livro, da Câmara Brasileira do Livro (ao todo, três Jabutis), da Associação Brasileira de Críticos de Arte, da Associação Paulista de Críticos de Arte, da Fundação Nacional do Livro Infanto-Juvenil e do comitê brasileiro do Internacional Council of Museums (Icom).
“Quando se tem reconhecimento em vida, é sinal de que produz alguma coisa de boa qualidade”, afirma Perlingeiro, que já tem planos para 2023, uma exposição dedicada ao pintor e desenhista Pedro Luiz Correia de Araújo. E, para 2024, está em produção um projeto, em parceria com o Instituto Francisco Rebolo, de revisão histórica do Santa Helena, grupo de pintores criado nos anos 1930.
Incansável, Perlingeiro conta que realizou sete “produções gigantescas” nos últimos 60 dias, que incluíram ainda a exposição Frans Krajcberg (1921-2017) – Natureza em preto e branco, que já passou pela Pinakotheke no Rio e agora está em cartaz em Fortaleza. Ele afirma, no entanto, que está sempre em busca de algo que não foi feito ainda. “Todo o dia surgem novos desafios e eu estou me jogando de um abismo. As pessoas até me seguram um pouco”, conclui.